Igreja congolesa diz que resultados divulgados pela comissão eleitoral, que dão a vitória a Félix Tshisekedi, não coincidem com a contagem feita pelos seus observadores. Escrutínio paralelo apontava Fayulu como vencedor.
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"Os resultados das eleições presidenciais divulgados pela Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) não correspondem aos dados recolhidos pela nossa missão de observação nas assembleias de voto e nos centros de contagem", disse o padre Donatien Nshole, porta-voz da Conferência Episcopal Congolesa (CENCO).
De acordo com os resultados provisórios anunciados pela CENI na noite passada, o candidato da oposição Félix Tshisekedi obteve mais de sete milhões de votos, contra 6,4 milhões do empresário do setor petrolífero Martin Fayulu.
O candidato da coligação Lamuka, da oposição, diz que houve fraude eleitoral. "Não podemos aceitar, depois deste longo caminho, que a vontade do nosso povo não seja respeitada. Por isso, todos juntos dizemos "não" à manipulação dos resultados e "não" à fraude eleitoral", declarou Fayulu.
O empresário pediu à igreja católica para divulgar a contagem dos votos feita pelos seus 40 mil observadores. O escrutínio paralelo conhecido na semana passasa já apontava Martin Fayulu como claro vencedor das presidenciais.
"A verdade das urnas triunfou"
O anúncio da vitória de Félix Tshisekedi apanhou todos de surpresa. Nas ruas da capital congolesa, Kinshasa, a notícia foi recebida em festa pelos seus apoiantes. Um cenário que se repetiu na cidade de Goma, na volátil região do Kivu do Norte.
"Este dia representa a transferência pacífica de poder do Presidente cessante para o novo Presidente. É um grande dia para a UDPS", disse Augustin Kapila, porta-voz do partido de Felix Tshisekedi, lembrando que desde a criação da União para a Democracia e Progresso Social (UDPS), em 1982, esta é a primeira eleição que a formação política vence.
"A verdade das urnas triunfou", declarou Félix Tshisekedi no seu primeiro discurso, na sede do partido. O filho do antigo líder da oposição e e ex-primeiro ministro Étienne Tshisekedi prometeu ser "o Presidente de todos os congoleses" e prestou homenagem ao chefe de Estado cessante, Joseph Kabila, que vê como "parceiro na alternância democrática".
"Ninguém poderia imaginar este cenário e especialmente um cenário em que um candidato da oposição sairia vitorioso", destacou o proclamdo vencedor, que também elogiou a CENI e o seu presidente, Corneille Nangaa, porque "apesar das críticas e das ameaças, permaneceram imperturbáveis."
Dúvidas sobre validade dos resultados
A Bélgica, antiga potência colonial, e a França também têm dúvidas sobre a validade dos resultados. O chefe da diplomacia francesa, Jean Yves Le Drian, chama a atenção para a contagem de votos feita pela igreja. "A Conferência Episcopal do Congo anunciou resultados totalmente diferentes. Nesta altura, é necessário que todos mantenham a calma para evitar problemas e é preciso esclarecer os resultados, porque existem riscos", alerta.
Igreja católica contesta resultados eleitorais na RDC
A Comissão Europeia prefere aguardar pela divulgação dos resultados oficiais das presidenciais e pede a todos os atores políticos na RDC que evitem "qualquer tipo de violência". Em conferência de imprensa, em Bruxelas, a porta-voz para a Política Externa, Maja Kocijancic, indicou que a União Europeia está a "aguardar os resultados das missões de observação no terreno".
Na Alemanha, também já houve reações à eleição de Tshisekedi, que marca o fim de 18 anos de poder de Joseph Kabila. Stefan Liebich, porta-voz do partido "A Esquerda", destaca a "clara vitória" da oposição: "O que é muito claro é que as pessoas na República Democrática do Congo queriam uma mudança de poder, que a equipa de Kabila fosse destituída, e é preciso aceitar isso."
Shadary felicita Tshisekedi
Em terceiro lugar nestas polémicas eleições ficou o delfim de Kabila, Emmanuel Ramazani Shadary, com mais de quatro milhões de votos. O seu porta-voz, Maître Aime Kilolo, felicitou Felix Tshisekedi pelos resultados nas urnas.
Esta vitória chega com dois anos de atrasos e incertezas: Joseph Kabila já tinha concluído por lei o seu segundo e último mandato eleitoral, mas prolongou-se no poder desde dezembro de 2016.
Quem quiser contestar os resultados das presidenciais den 30 de dezembro tem agora dez dias para apresentar um recurso no Tribunal Constitucional. Os resultados definitivos deverão ser anunciados a 15 de janeiro.
Presidentes a todo o custo
São derrotados nas eleições, mas contestam os resultados. Mesmo depois de esgotarem todos os recursos, estes candidatos à mais alta magistratura continuam a reivindicar a Presidência.
Maurice Kamto: o auto-proclamado "presidente"
O candidato da oposição às presidenciais de 7 de outubro nos Camarões, Maurice Kamto, reivindica a vitória frente a Paul Biya. "Convido o Presidente da República a criar as condições para uma transição pacífica para proteger os Camarões de uma crise eleitoral desnecessária", declarou o líder do MRC - Movimento para o Renascimento dos Camarões.
Foto: AFP/Getty Images
Nelson Chamisa, o "presidente legítimo" do Zimbabué
O líder da oposição zimbabueana contesta a vitória do Presidente Emmerson Mnangagwa nas eleições de 30 de julho de 2018. Considera-se vencedor e reclama a cadeira presidencial numa cerimónia simbólica de tomada de posse, a 15 de setembro.
Foto: Reuters/P. Bulawayo
Cissé rejeita a tomada de posse de Keïta
Soumaïla Cissé não marca presença na cerimónia e fala num vazio de poder no Mali depois da tomada de posse "nula e de efeito nulo" do seu rival, Ibrahim Boubacar Keïta, a 4 de setembro de 2018. A 20 de agosto, o Tribunal Constitucional do Mali declarou Keïta vencedor das presidenciais com 67,16% dos votos na segunda volta de 12 de agosto contra os 32,84% de Soumaïla Cissé.
Foto: DW/K. Gänsler
Raila Odinga, efémero "presidente do povo"
A 30 de janeiro de 2018, o opositor que tinha boicotado as presidenciais de outubro de 2017 contra Uhuru Kenyatta autoproclama-se "presidente do povo" perante milhares de apoiantes, numa cerimónia simbólica em Nairobi. O país é palco de violência pós-eleitoral, mas, a 9 de março, Odinga e Kenyatta surpreendem ao anunciar a sua reconciliação.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/B. Jaybee
Jean Ping : "Exercerei o poder que me confiaram"
Dois anos após as presidenciais de agosto de 2016, o líder da oposição gabonesa continua determinado. A 31 de agosto, numa cerimónia de "homenagem aos mártires" da violência pós-eleitoral, em Libreville, diz que quer continuar a sua "luta" para "libertar" o Gabão. Jean Ping deposita esperanças nomeadamente no inquérito preliminar do Tribunal Penal Internacional sobre a crise pós-eleitoral no país.
Foto: DW/A. Kriesch
Kizza Besigye, o eterno rejeitado
Em fevereiro de 2016, o opositor histórico enfrenta Yoweri Museveni pela quarta vez no Uganda. Quando Museveni é declarado vencedor e se prepara para prestar juramento para um quinto mandato, Kizza Besigye toma posse como presidente numa cerimónia alternativa. Afirma "ter provas" da sua vitória. Detido e condenado por alta traição, é libertado algumas semanas depois.
Foto: DW/E.Lubega
André Mba Obame, o outro adversário de Ali Bongo
Inspirado pelos acontecimentos na Costa do Marfim, o antigo ministro "AMO" autoproclama-se presidente do Gabão, em janeiro de 2011, 17 meses depois de perder as presidenciais frente a Ali Bongo. Acusado de alta traição, refugia-se numa agência da ONU. Os problemas de saúde põem fim às suas ambições presidenciais. A sua morte, em abrir de 2015, aos 57 anos, leva a confrontos em Libreville.
Foto: cc-by-sa Ernest A. TEWELYO
Étienne Tshisekedi, duas vezes "presidente"
Em 2006 e 2011, o líder do principal partido da oposição congolesa (UDPS) declara-se vencedor frente a Joseph Kabila e "presidente eleito". Toma posse na sua residência em Limete, arredores de Kinshasa. O seu estado de saúde deteriora-se em 2014 e em 2017 morre com o eterno opositor o desejo de ocupar a cadeira presidencial.
Foto: picture-alliance/dpa/T. Roge
Laurent Gbagbo, opositor histórico
No ano 2000, o líder do FPI declara-se vencedor frente a Robert Gueï e pede aos costa-marfinenses que saiam à rua para fazer cair o general. Os manifestantes atacam os agentes de segurança do chefe da junta militar. Os protestos continuam até que a polícia e, mais tarde, o exército, começam a passar para o lado de Laurent Gbagbo.
Foto: AP
John Fru Ndi às portas do palácio presidencial
John Fru Ndi autoproclama-se presidente a 21 de outubro de 1992. Dois dias depois, o Supremo Tribunal declara Paul Biya vencedor do escrutínio presidencial. O fundador do SDF contesta estes resultados nas ruas. É declarado o estado de emergência no nordeste do país e John Fru Ndi fica em prisão domiciliária.