Em entrevista à DW África, o porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé, José Manuel Imbamba, salienta que é preciso solucionar o problema ético com que se debatem a política e a sociedade do país.
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Uma "nova mentalidade" e um "governo para todos os angolanos" são mudanças que o porta-voz da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST) espera ver no país depois das eleições de 23 de agosto. A menos de duas semanas da ida às urnas, a DW África falou com José Manuel Imbamba sobre o processo e sobre a campanha eleitoral.
DW África: Qual é a avaliação que faz da campanha eleitoral até agora? Como vê, por exemplo, o regresso aos "discursos de guerra" por parte do MPLA?
José Manuel Imbamba (JSM): Não podemos dizer que haja generalização do discurso de guerra por parte do MPLA. Foi um comício pontual em que se recavou este passado triste e histórico nosso. Mas no cômputo geral está a correr muito bem. Os discursos dos políticos estão virados para o futuro, para o desenvolvimento, para a paz, para a concórdia, para a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos.
"Angola precisa de uma nova mentalidade"
DW África: Mas considera, certamente, que é imprudente invocar este tipo de discurso neste momento?
JSM: Sem dúvida, porque invocar o espetro da guerra de facto é um argumento infeliz, nesta altura e num contexto totalmente diferente, em que a maior parte dos votantes não viveu este drama que os mais velhos viveram. Por isso, seria muito infeliz fazer recurso a este argumento, uma vez que, num ambiente de guerra, todos têm culpas no cartório.
DW África: As promessas, como habitualmente, marcam a campanha eleitoral. Acha que é preciso mais pragmatismo e menos promessas para resolver os graves problemas que o país enfrenta?
JSM: Sim, infelizmente há muita promessa e pouco pragmatismo. É preciso que as políticas se traduzam em atos, que as políticas se traduzam em obras e na melhoria das condições de vida das populações. E sobretudo melhorar o aspeto ético. Porque Angola debate-se hoje com o problema ético na função pública e em todas as dimensões sociais.
DW África: Recentemente, a CEAST disse que os órgãos de comunicação pública têm sido demasiado tendenciosos a favor do MPLA. Acha que isto se tem mantido?
JSM: Sim. Nós já nos manifestámos sobre esta situação. Mesmo agora vê-se que há uma propensão, digamos, mais para a campanha do MPLA, para os atos do Governo, o que de facto fere, de algum modo, a lisura, a isenção e a transparência que nós temos vindo a pedir aos órgãos públicos. É preciso que os jornalistas não endossem as camisolas partidárias nos seus serviços. É preciso que os meios públicos ofereçam iguais oportunidades para todos.
DW África: A CEAST já sublinhou que Angola precisa de um governo competente e não um governo apenas para as elites. Mas também é preciso uma oposição forte. São mudanças que espera ver depois das eleições de 23 de agosto?
JSM: O que nós desejamos é que haja um governo para os angolanos. Independentemente das suas filiações partidárias. E é por isso que nós nos temos batido fortemente contra aquela tendência que quer dar maior relevância à militância partidária em detrimento da cidadania. Nós desejamos que o governo a sair das próximas eleições se muna de uma nova mentalidade e de uma nova cultura. E que a própria cultura de Estado, a cultura de governo, seja muito diferente daquela a que nos habituámos até hoje. E a oposição também deve assumir o seu papel, não só na monitorização, mas também em ajudar o governo a servir os interesses da nação e dos cidadãos.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".