África: Impactos dos cortes na USAID já são visíveis
9 de maio de 2025
Para os habitantes de aldeias remotas da África do Sul, o acesso a medicamentos é muitas vezes difícil. Doentes com VIH como Nozuko Majola, de 19 anos, têm de viajar mais de uma hora para obter a sua medicação antirretroviral vital. Mas esta situação mudou recentemente. "Costumávamos receber a medicação em casa, mas desde que o Presidente norte-americano Donald Trump anunciou que ia cortar a ajuda, a medicação já não está a chegar. Preocupa-me que este serviço seja completamente cancelado", diz Nozuko Majola à DW.
Nozuko é uma das quase oito milhões de pessoas que vivem com VIH na África do Sul. Durante muito tempo, os Estados Unidos da América (EUA) apoiaram o setor da saúde da África do Sul com cerca de 400 milhões de dólares por ano. Os EUA eram o maior doador de muitos países do Sul Global. Desde março, porém, este apoio foi drasticamente cortado - e não apenas na África do Sul. 83% do dinheiro da ajuda para a África Subsariana nas áreas da ajuda humanitária, saúde e economia foi cancelado.
O motivo: o Presidente Donald Trump criticou a agência de desenvolvimento norte-americana USAID por ser ineficiente e acusou-a de gastar dinheiro em programas que não correspondem às suas prioridades políticas - incluindo planeamento familiar, questões de género e diversidade.
Buraco de vários milhares de milhões
Estes cortes deixam um grande buraco. A África Subsariana é o segundo maior beneficiário do financiamento da USAID a nível mundial: em 2024, cerca de 12,7 mil milhões de dólares (11,2 mil milhões de euros) foram destinados à África Subsariana. A perda de financiamento dos EUA poderá levar a que mais quatro milhões de pessoas morram de doenças tratáveis em África, alerta a autoridade sanitária africana CDC Africa.
Doentes como Nozuko Ngaweni, que toma ARV há 30 anos, temem pela sua vida. "Quando soube que os EUA estavam a cancelar a sua ajuda, senti que ia morrer. Perguntei a mim própria: será que vou receber a medicação no próximo mês? Tenho medicamentos para este mês, mas e depois?"
"Consequências catastróficas" em todos os países e setores
A ONG pan-africana Amref Health Africa, que presta cuidados médicos a quase 20 milhões de pessoas por ano e forma médicos especialistas, perdeu 20% do seu orçamento. Na Etiópia, deixaram de ser oferecidos programas educativos a milhares de jovens, enquanto 500 mil testes de tuberculose deixaram de poder ser realizados na Tanzânia.
"Vemos enormes lacunas em todos os países, todas as áreas onde a ajuda humanitária é necessária são afetadas", relata Lara Dovifat, diretora de Políticas da organização Médicos Sem Fronteiras na Alemanha. No Sudão do Sul, a MSF está a responder a um surto de cólera, mas há falta de trabalhadores humanitários porque as clínicas financiadas pela USAID tiveram de fechar. "As consequências são catastróficas", diz Dovifat em entrevista à DW.
Outro exemplo é a Somália. "O número de crianças subnutridas está a aumentar porque muitos centros de alimentação tiveram de ser encerrados", diz Dovifat. E no Sudão, um sistema de abastecimento de água operado com dinheiro da ajuda dos EUA foi encerrado de um dia para o outro.
Propagação da malária, da tuberculose e do VIH
Os cortes na luta contra o VIH são particularmente dramáticos: no Quénia, o financiamento caiu de 846 milhões de dólares americanos para apenas 66 milhões para o corrente ano de 2025. Inúmeros centros de tratamento do VIH foram encerrados e mais de um milhão de pessoas infetadas com o VIH não têm medicamentos.
A Nigéria também depende muito do financiamento da USAID. Embora o Governo tenha conseguido desbloquear cerca de 3,2 milhões de dólares para medicamentos contra o VIH a curto prazo, estão iminentes retrocessos na luta contra o VIH/SIDA, a tuberculose e a malária sem o apoio contínuo dos EUA.
Para financiar a luta contra estas três doenças infeciosas, a comunidade internacional criou, em 2002, o Fundo Global, com sede em Genebra. Michael Byrne, diretor do Departamento de Aconselhamento Técnico e Parcerias do Fundo Global, está particularmente preocupado com os cortes nos programas de prevenção da malária: "Se não se conseguir controlar a malária, é muito provável que haja um ressurgimento significativo e mortes", disse Byrne à DW. A malária causa 600 mil mortes todos os anos, principalmente em África, a maioria das quais são crianças com menos de cinco anos.
"Um retrocesso de 20 anos"
Lara Dovifat, dos Médicos Sem Fronteiras, também receia que os cortes possam pôr em causa os progressos na prevenção da doença. "Estamos a perder dez a 20 anos de progresso no tratamento do VIH/SIDA. Muitos programas foram encerrados, incluindo os de tuberculose e de controlo de surtos". Os EUA também se retiraram da aliança de vacinas Gavi, razão pela qual 75 milhões de crianças não receberão a vacinação básica nos próximos cinco anos. Os especialistas estimam até dois milhões de mortes preveníveis. Países como a República Democrática do Congo, onde os Médicos Sem Fronteiras vacinam o maior número de crianças em todo o mundo, são particularmente afetados.
Mas, embora Byrne sublinhe a importância do apoio dos EUA, mantém-se otimista. Os países da África Subsariana têm sido rápidos a adotar o "planeamento nacional e o financiamento interno". "O Uganda e o Malawi, por exemplo, emitiram comunicados sobre as áreas em que o país irá intervir para colmatar as lacunas e adotaram medidas para apoiar o trabalho dos agentes comunitários de saúde".
Dovifat e Byrne esperam agora que outros parceiros importantes não recuem - uma tendência internacional que ambos estão a observar. "Há já alguns anos que os países têm vindo a repensar o seu próprio financiamento da saúde mundial. A situação em que nos encontramos atualmente não se deve apenas a um país. Há já algum tempo que se verifica uma tendência nesta direção", afirma Byrne. E avisa: "Se não conseguirmos controlar as doenças infeciosas, teremos de pagar por isso mais tarde. E os países ricos também o vão sentir". Agora é a altura certa para investir na saúde, sublinha Byrnen encorajando os governos e os doadores privados a enfrentarem juntos o novo desafio - mesmo sem os EUA.