Impasse judicial sobre posse da Rosema, em STP
12 de maio de 2018O juiz do Tribunal da Primeira Instância do distrito de Lembá, António Bonfim Gentil Dias, emitiu uma sentença, numa providência cautelar interposta pela advogada Celiza de Deus Lima, em que anula o efeito do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de 21 de abril – que devolve a Cervejeira Rosema ao empresário angolano Mello Xavier - e restitui a fábrica "imediatamente" à Sociedade Irmãos Monteiro.
"Julgo procedente por provada a presente providência cautelar (...) por se considerar que estão reunidos todos os pressupostos pelas razões aduzidas sobre a matéria de facto e de direito", lê-se na decisão judicial.
"Ordeno que o requerido [Mello Xavier] seja notificado para voluntariamente se abster do ato e abandone as instalações da fábrica e todo o conjunto afeto à mesma", sublinha o comunicado, que obriga o empresário angolano a "proceder à entrega das chaves, bem como todo e quaisquer bens e equipamentos que estejam na sua posse".
O juiz do Tribunal de Primeira Instância de Lembá, norte de São Tomé, onde se localiza a Cervejeira Rosema, "solicita a intervenção policial, caso haja recusa e desobediência do requerido para cumprimento da decisão judicial".
A sentença do tribunal de Lembá é datada de 7 de maio e foi conhecida esta sexta-feira (11.05), depois de a fábrica ter retomado o funcionamento, desde final do mês passado quando o STJ devolveu a Rosema a Mello Xavier.
Juiz penalizado
Fonte judicial confirmou à agência Lusa que, por causa dessa sua decisão, António Bonfim Gentil Dias foi "imediatamente suspenso pelo Conselho Superior da magistratura Judicial, que substituiu-o por uma magistrada judicial e instaurou-lhe um processo disciplinar por crime de desobediência e desacato a decisão de um tribunal de patamar superior".
"Ele devia saber que não é possível atender uma providência cautelar sobre uma decisão de um tribunal superior, movida através de um recurso de revisão extraordinária", referiu a mesma fonte.
O juiz do Tribunal de Primeira Instância de Lembá é um dos cinco que, há cerca de dois anos, figurou na lista dos magistrados são-tomenses que receberam a classificação "medíocre" - no âmbito de uma inspeção feita por magistrados portugueses a propósito da reforma do sistema de justiça são-tomense.
Acórdão do STJ
Em 21 de abril, um acórdão do STJ decidiu sobre a "restituição imediata da gestão da Cervejeira Rosema e todos os bens penhorados e apreendidos na presente execução e outros bens móveis ou imóveis, incluindo todas as ações da Ridux pertencentes à Cervejeira Rosema, a acionista maioritária daquela firma, à sociedade angolana Ridux, na pessoa do seu administrador Mário Silva Mello Xavier".
A advogada dos irmãos Monteiro anunciou que iria entrar com um recurso no Tribunal Constitucional por considerar que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que ordenou a devolução da Rosema a Mello Xavier, põe em causa "a segurança jurídica e fere brutalmente o princípio constitucional da imutabilidade e força vinculativa do trânsito em julgado".
O Parlamento são-tomense aprovou, cerca de duas semanas depois, com 31 votos a favor e seis contra, um projeto de resolução que "exonera e aposenta compulsivamente" três juízes do presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), incluindo o presidente - todos os que decidiram no acórdão sobre a devolução da Rosema.
O primeiro-ministro Patrice Trovoada, que se encontrava fora do país caucionou no seu regresso a decisão parlamentar, sublinhando que ela resulta do "comportamento de muita gente que não ignora a lei, conhece a lei, sabe o que é justo e não é justo, mas que põe acima de tudo os seus interesses particulares".
Estabilidade em risco
Esta sexta-feira (11.05), Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) "recomendou" às autoridades competentes para que tomem medidas de modo a evitar distúrbios e desacatos que possam alterar a ordem pública", disse o seu porta-voz, João Bexigas.
O CSDN, órgão de consulta do Presidente da República, Evaristo Carvalho, reuniu-se com vários pontos em agenda, mas a situação interna do país dominou a reunião.
João Bexigas reconheceu que "toda a movimentação que nós conhecemos" designadamente a resolução aprovada pela Assembleia Nacional para a exoneração e reforma compulsiva de três juízes do Supremo Tribunal de Justiça e ainda o caso da Cervejeira Rosema "podem levar ao desacato e alteração de ordem pública".
O recém-legalizado Partido Verde, em manifesto, diz que o país chegou a um "ponto de saturação, face à violação sistemática da Constituição Política e das demais leis da República".
Liderado por Elsa Garrido, que em finais do ano passado fez greve de fome durante cerca de dez dias em frente à embaixada de São Tomé e Príncipe em Lisboa, o Partido Verde defende a instauração de uma "desobediência civil, até à queda do Presidente da República Evaristo Carvalho, do primeiro-ministro Patrice Trovoada, e do presidente da Assembleia Nacional, José Diogo, que integram o partido no poder, a ADI".
"Nós queremos alertar a sociedade que São Tomé e Príncipe é um país que deve ser sempre calmo e tranquilo", acrescentou o tenente coronel João Bexigas.
Manifestação suspensa
Estava prevista para esta sexta-feira (11.05) uma manifestação popular de protesto contra o poder, convocada por todos os partidos políticos da oposição que acusam o primeiro-ministro Patrice Trovoada e o seu Governo de tentarem "inverter a ordem constitucional e violar as regras do Estado Democrático de Direito".
Entretanto, num comunicado, a oposição decidiu suspender a manifestação, justificando o adiamento com o facto de o Governo ter reunido, na quarta-feira (09.05) com o corpo diplomático acreditado em São Tomé e Príncipe ao qual pediu mediação da situação de crise que o país vive.