Imunidade não livra deputados angolanos de ação da PGR
Júlia Faria
18 de fevereiro de 2019
Higino Carneiro e Manuel Rabelais são arguidos pela Procuradoria-Geral da República e estão impedidos de sair de Angola. O jurista Rui Verde esclarece que a imunidade só pode ser acionada se houver pedido de prisão.
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A decisão da Procuradoria-Geral da República de impedir os deputados Higino Carneiro e Manuel Rabelais de sair de Angola não pode ser questionada com base na imunidade parlamentar. Os dois deputados são arguidos em processos que envolvem acusações de peculato, entre outros crimes, e só poderiam se beneficiar da imunidade caso houvesse um pedido de prisão contra eles, esclarece o jurista e professor de Direito Rui Verde.
"A imunidade parlamentar, na Constituição angolana, é razoavelmente restrita. Apenas limita que os deputados sejam presos, a não ser em caso de flagrante de delito. De resto, até ser produzida uma acusação, a polícia e o Ministério Público tem poder para fazer mais ou menos tudo que a lei lhes permite. Portanto, a interdição não pode ser questionada com base na imunidade parlamentar. Só se quisessem determinar a prisão preventiva que deveriam pedir autorização da Assembleia Nacional”, explica.
Manuel Rabelais, deputado à Assembleia Nacional pelo MPLA, partido no poder, foi constituído arguido por haver indícios de factos que constituem "atos de gestão danosa de bens públicos, praticados enquanto diretor do Gabinete de Revitalização da Comunicação Institucional e Marketing (GRECIMA)", entre 2012 e 2017.
Imunidade não livra deputados angolanos de ação da PGR
Rui Verde analisa que a imunidade parlamentar não interfere até o atual ponto da investigação. Mas no avançar, havendo acusações contra os deputados Higino Carneiro e Manuel Rabelais, a decisão sobre manter ou não o benefício será um grande teste para a Assembleia Nacional.
"A questão só vai se colocar, daqui a dois, três, seis meses, quando houver uma acusação. E aí a Assembleia Nacional tem que decidir se quer deixar a justiça funcionar ou se será um obstáculo à justiça e uma espécie de santuário de criminosos. Vai ser uma decisão política e não jurídica da Assembleia Nacional: deixar a justiça funcionar ou ser santuário para criminosos. Os deputados do MPLA é que saberão na altura o que fazer”, afirma.
Para o jurista, a decisão a ser tomada pelo Parlamento vai indicar o quanto ele está comprometido no combate à corrupção, bandeira tão defendida pelo Presidente angolano João Lourenço.
"Se os deputados não levantassem a imunidade parlamentar, era um murro dos deputados no João Lourenço, mais do que qualquer outra coisa. Era um sinal de que não estavam a querer combater a corrupção. A posição que a Assembleia tomar quando a questão se colocar será um sinal claro para a população de Angola e para o Presidente também. Como disse, não é uma posição jurídica. A Assembleia não tem que estar a verificar se os crimes foram cometidos ou não. É uma questão política”, conclui.
Angola: Os contrastes de um gigante petrolífero
O "boom" do petróleo ainda não é para todos. Ao mesmo tempo que Angola oferece oportunidades de investimento a empresas nacionais e estrangeiras, mais de um terço da população vive com menos de um dólar por dia.
Foto: DW/R. Krieger
Lama no cotidiano
O bairro Cazenga é o mais populoso de Luanda – ali, vivem mais de 400 mil pessoas numa área de 40 quilômetros quadrados. Em outubro de 2012, chuvas fortes obrigaram muitos habitantes a andar na lama. Do Cazenga saíram muitos políticos do partido governista angolano MPLA. "Uma das prioridades de políticos pobres é a riqueza rápida", diz o economista angolano Fernando Heitor.
Foto: DW/R. Krieger
Dominância do MPLA
Euricleurival Vasco, 27, votou no MPLA nas eleições gerais de agosto de 2012: "É o partido do presidente. Desde a guerra civil, ele tenta deixar o poder, mas a população não deixa". Críticos dizem que José Eduardo dos Santos não cumpriu nenhuma promessa eleitoral, como acesso à água e à eletricidade. Mas o governo lançou um plano de desenvolvimento em novembro para dar esses direitos à população.
Foto: DW/R. Krieger
Economia informal em Angola
Muitos angolanos esperam riqueza do chamado "boom" do petróleo. Mas grande parte da população é ativa na economia informal, como estas vendedoras de bolachas na capital, Luanda. Segundo a ONU, 37% da população vivem com menos de um dólar por dia. Elias Isaac, da organização de defesa dos direitos humanos Open Society, considera este um "contrassenso" entre "crescimento e desenvolvimento".
Foto: DW/R. Krieger
Uma infraestrutura de fachada?
A capital angolana Luanda é considerada uma das cidades mais caras do mundo. Um prato de sopa pode custar cerca de 10 dólares num restaurante, o aluguel de um apartamento mais de cinco mil dólares por mês. A Baía de Luanda é testemunho constante do "boom" do petróleo: guindastes e arranha-céus disputam quem é mais alto.
Foto: DW/Renate Krieger
O "Capitólio" de Angola
Próximo à Baía de Luanda, surge a nova sede do parlamento angolano. O partido governista MPLA vai ocupar a maior parte dos 220 assentos: elegeu 175 deputados em agosto de 2012. Por outro lado, o MPLA perdeu 18 assentos em comparação à eleição de 2008. A UNITA, maior partido da oposição, ganhou 32 assentos em 2012 – mas tem pouco espaço...
Foto: DW/R. Krieger
O presidente no cotidiano de Luanda
…porque, segundo críticos, o presidente José Eduardo dos Santos (numa foto da campanha eleitoral) "domina tudo": o poder Executivo, o Judiciário e o Legislativo, diz o economista Fernando Heitor. José Eduardo dos Santos também parece dominar muitas ruas de Luanda: em novembro de 2012, quase todas as imagens eram da campanha do partido no poder, o MPLA.
Foto: DW/R. Krieger
Dormir nos carros
Os engarrafamentos são frequentes em Luanda. Por isso, muitos funcionários que moram em locais mais afastados já partem para a capital angolana de madrugada. Ao chegarem em Luanda, dormem nos carros até a hora de ir trabalhar – juntamente com as crianças que precisam ir à escola. A foto foi tirada às 06:00h da manhã perto do Palácio da Justiça em novembro de 2012.
Foto: DW/R. Krieger
A riqueza em recursos naturais de Angola
Angola é o segundo maior produtor de petróleo da África, mas também tem potencial para se tornar um dos maiores exportadores de gás natural. A primeira unidade de produção de LNG – Gás Natural Liquefeito, em inglês – foi construída no Soyo, norte do país, mas ainda está em fase de testes. A fábrica tem uma capacidade de produção de 5,2 milhões de toneladas de LNG por ano.
Foto: DW/Renate Krieger
Para acabar com a dependência do petróleo...
A diversificação da economia poderia ser uma solução, diz o Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo angolano criou um fundo soberano do petróleo para investir no país e no estrangeiro, e para ter uma reserva caso haja oscilações no preço do chamado "ouro negro". Uma alternativa, segundo especialistas, poderia ser a agricultura, já que o petróleo só deve durar mais 20 ou 30 anos.
Foto: DW/R. Krieger
Angola atrai estrangeiros
Vêem-se muitas placas em chinês e empresas chinesas em Angola. Os chineses são a maior comunidade estrangeira no país. Em seguida, vêm os portugueses, que em parte fogem à crise económica europeia. Depois, os brasileiros, por causa da proximidade cultural. Todos querem uma parte da riqueza angolana ou investem na reconstrução do país.
Foto: DW/R. Krieger
Homem X Asfalto
Para o educador Fernando Pinto Ndondi, o governo angolano deveria investir "no homem e não no asfalto". Há cinco anos, Fernando e sua famíla foram desalojados da ilha de Luanda por causa da construção de uma estrada. Agora vivem nestas casas precárias. O governo constrói novas casas para a população. Porém, os preços, a partir de 90 mil dólares, são altos demais para a maior parte dos angolanos.
Foto: DW/Renate Krieger
Para onde vai o dinheiro?
O que aconteceu com 32 mil milhões de dólares lucrados pela empresa petrolífera estatal angolana Sonangol entre 2007 e 2011? Um relatório do FMI constatou, em 2011, que faltava essa soma nos cofres públicos. A Sonangol diz ter investido o dinheiro em infraestrutura. Elias Isaac, da Open Society, diz que o governo disponibiliza mais informações – o que "não é sinônimo de transparência".