Incerteza na Guiné-Bissau perante ameaça de sanções
Braima Darame (Bissau)
24 de maio de 2017
Aumenta a pressão para que o Presidente guineense, José Mário Vaz, cumpra as exigências da CEDEAO e nomeie um novo primeiro-ministro, como ficou acordo entre os atores políticos. Ultimato termina já amanhã.
Publicidade
Nas ruas de Bissau, todas as conversas giram à volta da incerteza e do medo perante o futuro imediato. Já amanhã, quinta-feira (25.05), chega ao fim o prazo dado pela Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO) às autoridades guineenses, nomeadamente ao Presidente do país José Mário Vaz, para que seja nomeado um novo primeiro-ministro.
Como forma de pressionar o actual regime a cumprir o Acordo de Conacri, documento patrocinado pela organização sub-regional prevê a nomeação de um novo Governo na base de consenso de todos os partidos representados no Parlamento, a comunidade ameaça aplicar sanções que podem passar pelo congelamento de bens e proibição de viagens, entre outras medidas.
Jovens guineenses ouvidos pela DW África mostram-se bastante preocupados com a aplicação de sanções. "A situação é muito preocupante na medida em que irão limitar as acções das figuras com a responsabilidade de governar o país", afirma o líder juvenil Guerry Gomes. O jovem também lamenta o impacto directo que as sanções terão na vida das populações. "Os políticos devem começar a olhar para as necessidades do povo para pôr fim à crise", apela.
Tensão social e política aumenta
O facto de José Mário Vaz se ter recusado categoricamente cumprir o acordo assinado pelas autoridades políticas para a acabar com a crise aumenta a tensão social e política, afirma Silvestre Alves. "Há que pôr combro à situação", sublinha o jurista e líder partidário, que entende que o Presidente guineense ainda vai a tempo de voltar atrás e respeitar as leis e acordos assinados para a saída da crise.
Incerteza na Guiné-Bissau perante ameaça de sanções
"A situação pode acabar por descambar porque teremos forças internas a querer promover manifestações e com o todo direito", alerta Silvestre Alves. "E se o aparelho do poder continuar a reagir da mesma maneira, poderá provocar situações complicadas", acrescenta.
José Mário Vaz já avisou a comunidade internacionalque a Guiné-Bissau é um Estado soberano, pelo que serão os guineenses a decidirem o que querem. Silvestre Alves lembra que foi o próprio chefe de Estado quem solicitou a mediação internacional da crise.
"Um soberano que vai pedir a mediação internacional até que ponto é soberano? O que há é um Presidente que está a arrastar a soberania de um país na lama", conclui o jurista. O político também não tem dúvidas que o José Mário Vaz será um dos principais visados no capítulo das sanções.
Outro jurista, que pediu o anonimato, afirma que não se pode pensar em momento algum que o chefe de Estado seja sancionado. O jurista próximo do regime lembra que o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) não cumpriu um dos pontos do acordo que previa a reintegração do grupo dos 15 deputados expulsos do partido.
Papel da CEDEAO
Para Fodé Mané, professor da Faculdade de Direito de Bissau, o prazo de 25 de maio para cumprir o ultimato não é determinante. "Perante esta situação o prazo já não conta. A CEDEAO deve pensar na sua determinação de sancionar ou não. Se sancionar veremos a sua eficácia e se não o fizer sai fragilizada", afirma.
O Comité de Sanções das Nações Unidas visita o país a 12 de junho para consultas com as autoridades guineenses. A missão deveria deslocar-se a Bissau em julho, mas tendo em conta os últimos desenvolvimentos relativamente à crise política decidiu antecipar a viagem para junho, indicou fonte da ONU.
Guiné-Bissau: O país onde nenhum Presidente terminou o mandato
Desde que se tornou independente, a Guiné-Bissau viu sentar na cadeira presidencial quase uma dúzia de Presidentes - incluindo interinos e governos de transição. Conheça todas as caras que passaram pelo comando do país.
Foto: DW/B. Darame
Luís de Almeida Cabral (1973-1980)
Luís de Almeida Cabral foi um dos fundadores do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e também o primeiro Presidente da Guiné-Bissau - em 1973/4. Luís Cabral ocupou o cargo até 1980, data em que foi deposto por um golpe de Estado militar. O antigo contabilista faleceu, em 2009, vítima de doença prolongada.
Foto: Bundesarchiv/Bild183-T0111-320/Glaunsinger
João Bernardo Vieira (1980/1994/2005)
Mais conhecido por “Nino” Vieira, este é o político que mais anos soma no poder da Guiné-Bissau. Filiado no PAIGC desde os 21 anos, João Bernardo Vieira tornou-se primeiro-ministro em 1978, tendo sido com este cargo que derrubou, através de um golpe de Estado, em 1980, o governo de Cabral. "Nino" ganhou as eleições no país em 1994 e, posteriormente, em 2005. Foi assassinado quatro anos mais tarde.
Foto: picture-alliance/dpa/L. I. Relvas
Carmen Pereira (1984)
Em 1984, altura em que ocupava a presidência da Assembleia Nacional Popular, Carmen Pereira assumiu o "comando" da Guiné-Bissau, no entanto, apenas por três dias. Carmen Pereira, que foi a primeira e única mulher na presidência deste país, foi ainda ministra de Estado para os Assuntos Sociais (1990/1) e Vice-Primeira-Ministra da Guiné-Bissau até 1992. Faleceu em junho de 2016.
Foto: casacomum.org/Arquivo Amílcar Cabral
Ansumane Mané (1999)
Nascido na Gâmbia, Ansumane Mané foi quem iniciou o levantamento militar que viria a resultar, em maio de 1999, na demissão de João Bernardo Vieira como Presidente da República. Ansumane Mané foi assassinado um ano depois.
Foto: picture-alliance/dpa
Kumba Ialá (2000)
Kumba Ialá chega, em 2000, à presidência da Guiné-Bissau depois de nas eleições de 1994 ter sido derrotado por João Bernardo Vieira. O fundador do Partido para a Renovação Social (PRS) tomou posse a 17 de fevereiro, no entanto, também não conseguiu levar o seu mandato até ao fim, tendo sido levado a cabo no país, a 14 de setembro de 2003, mais um golpe militar. Faleceu em 2014.
Foto: AP
Veríssimo Seabra (2003)
O responsável pela queda do governo de Kumba Ialá foi o general Veríssimo Correia Seabra, Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas. Filiado no PAIGC desde os 16 anos, Correia Seabra acusou Ialá de abuso de poder, prisões arbitrárias e fraude eleitoral no período de recenseamento. O general Veríssimo Correia Seabra viria a ser assassinado em outubro de 2004.
Foto: picture-alliance/dpa/R. Bordalo
Henrique Rosa (2003)
Seguiu-se o governo civil provisório comandado por Henrique Rosa que vigorou de 28 de setembro de 2003 até 1 de outubro de 2005. O empresário, nascido em 1946, conduziu o país até às eleições presidenciais de 2005 que deram, mais uma vez, a vitória a “Nino” Vieira. O guineense faleceu, em 2013, aos 66 anos, no Hospital de São João, no Porto.
Foto: AP
Raimundo Pereira (2009/2012)
A 2 de março de 2009, dia da morte de Nino Vieira, o exército declarou Raimundo Pereira como Presidente da Assembleia Nacional do Povo da Guiné-Bissau. Raimundo Pereira viria a assumir de novo a presidência interina da Guiné-Bissau, a 9 de janeiro de 2012, aquando da morte de Malam Bacai Sanhá.
Foto: AP
Malam Bacai Sanhá (1999/2009)
Em julho de 2009, Bacai Sanhá foi eleito presidente da Guiné Bissau pelo PAIGC. No entanto, a saúde viria a passar-lhe uma rasteira, tendo falecido, em Paris, no inicio do ano de 2012. Depois de dirigir a Assembleia Nacional de 1994 a 1998, Bacai Sanhá ocupou também o cargo de Presidente interino do seu país de maio de 1999 a fevereiro de 2000.
Foto: dapd
Manuel Serifo Nhamadjo (2012)
Militante do PAIGC desde 1975, Serifo Nhamadjo assumiu o cargo de Presidente de transição a 11 de maio de 2012, depois do golpe de Estado levado a cabo a 12 de abril de 2012. Este período de transição terminou com as eleições de 2014, que foram vencidas por José Mário Vaz. A posse de “Jomav” como Presidente marcou o regresso do país à ordem constitucional no dia 26 de junho de 2014.