Incertezas e insegurança na Líbia seis anos pós Kadhafi
17 de fevereiro de 2017
Passaram seis anos desde a queda de Kadhafi, na Líbia. No entanto, são poucos, ou nenhuns, os motivos para comemorações. Os cortes de energia, água e luz são constantes. Falta dinheiro e os preços não param de subir.
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Passaram seis anos desde que teve início a revolta popular que pôs fim à ditadura de Kadhafi, na Líbia. A mesma população que, a 17 de fevereiro de 2011, protagonizou a revolta que viria a dar, em outubro do mesmo ano, a "liberdade” à Líbia, vive hoje, e em oposição àquilo que pensou aquando da queda do governo de Kadhafi, de que eram "reféns” há 42 anos, momentos de incerteza e insegurança.
Falta energia, combustíveis e segurança
Mais de mil quilómetros separam Trípoli de Bengazi, as duas maiores cidades da Líbia. No entanto, o caos instalado em ambos os territórios desde a queda do regime de Muammar Kadhafi, é semelhante. Multiplicam-se os testemunhos negativos do dia-a-dia de quem ainda vive no país. Em Trípoli, relatam os habitantes, os cortes de energia são agora recorrentes, o nível de vida teve um aumento brusco e a insegurança continua a ser uma realidade. Conflitos entre grupos rivais são uma constante, dá conta Abdelalim al-Hall Ali, professora.
"Vivemos à mercê de homens obcecados por armas, violência e lucro", conta a professora Abdelalim al-Hajj Ali, acrescentando que "a situação do país é dramática”. "É cansativo ver os líbios a viver no escuro, na pobreza e com medo constantemente quando, na barriga do seu país, existe um mar de petróleo”, constata.
Nestes seis anos, as autoridades não têm conseguido garantir os serviços básicos à população. Não há um governo em funções, existindo vários grupos, com ideologias e politicas díspares, a disputar o comando do país.
Cenário piorou
O cenário piorou há cerca de um ano, altura em que um Governo de unidade nacional (GNA) apoiado pela Organizacão das Nações Unidas (ONU) começou a trabalhar na capital. O GNA foi criado em dezembro de 2015 em Marrocos e é presidido por Fayez al-Sarraj.
Mariam Abdallah tem 50 anos e é agente de viagens em Trípoli. Afirma ter pensado que, após a entrada da GNA as coisas não pudessem piorar, mas enganou-se. Segundo o líbio, os cortes de energia estão cada vez mais longos e as filas para o combustível cada vez maiores. Verificam-se também cortes na água e no gás e uma enorme inflação nos preços.
O mesmo cenário repete-se em Bengazi. Apesar dos esforços para o regresso à vida normal, sendo a abertura de um novo centro cultural no coração da cidade prova disso, a guerra nunca está longe. Há aviões de combate a sobrevoar a cidade regularmente.
O rasto de destruição é visível. Em entrevista à DW, Ahmed Omar Ahmed, engenheiro, explicou que há vários edifícios no centro de Bengazi que terão de ser demolidos e reconstruídos. Outros apenas precisarão de reparos. No dia-a-dia, e à semelhança do que acontece em Trípoli, há falta de dinheiro e os preços estão inflacionados, acrescenta Huda, professora de francês. "O banco é um problema. Tem que se ir para a fila, quase de um dia, para conseguir 45 dinares. Antes, comprar um quilo de açúcar custava 2 dinares, agora são quase 7. Todos os dias, os preços aumentam”.
Aumenta o contrabando
Na ausência de forças de segurança regulares, a Líbia acabou por se tornar um centro de contrabando de armas e sobretudo de tráfego de migrantes da África sub-saariana que tentam a perigosa travessia do Mediterrâneo para chegar à Europa.
Seis anos após a morte de Kadhafi o cenário na Líbia é indubitavelmente negro. Ainda assim, e para marcar a data, as autoridades programaram atividades desportivas e culturais na Praça dos Mártires, em Trípoli.
Líbia - seis anos - MP3-Mono
Milhares de migrantes atravessam Níger rumo à Europa
São jovens oriundos da África Ocidental e fazem tudo para chegar à Europa. Estão mesmo dispostos a arriscar a vida, atravessando o deserto, rumo ao Mediterrâneo. Mas nem todos são bem sucedidos.
Foto: DW/A. Cascais
Apoio aos "menos bem sucedidos"
Em Niamey existe um centro de acolhimento da Organização Internacional para as Migrações (OIM). Aqui são acolhidos os jovens "revenants", que não conseguiram atravessar o deserto e se veem obrigados a regressar aos seus países de origem. A OIM, que faz parte do sistema das Nações Unidas, dá-lhes abrigo provisório, alimentação e apoio na obtenção de passaportes e outros documentos.
Foto: DW/
À espera do regresso a casa
Os jovens que procuram apoio no centro da OIM vêm dos mais diferentes países: Guiné-Conacri, Mali, Senegal, Gâmbia ou Guiné-Bissau, movidos sobretudo por objetivos económicos. Muitos tiraram cursos superiores, mas não arranjam trabalho. Muitas famílias apostam na emigração de pelo menos um filho. Caso esse filho seja bem sucedido poderá eventualmente apoiar economicamente o resto da família.
Foto: DW/A. Cascais
Frustrados por terem falhado a Europa
Muitos investiram todas as suas economias, pediram dinheiro a familiares e perderam tudo. Agora esperam pelo regresso aos seus países com a sensação de terem sofrido grandes derrotas pessoais. Os assistentes sociais falam de casos em que os jovens não se atrevem a voltar ao seio das suas famílias, "por sentirem vergonha". Precisam de apoio psicológico, mas esse apoio não existe.
Foto: DW/A. Cascais
Otimismo apesar das derrotas
Alguns dos migrantes sofrem lesões e contraem doenças durante a travessia do deserto, mas mesmo assim não perdem o ânimo. Em muitos casos, os jovens tentam várias vezes, ao longo da vida, atingir a terra prometida: a Europa. Muitos nunca o conseguem, mas não perdem o otimismo. Em 2016, a OIM prestou apoio a mais de 6 mil "revenants" - migrantes que não foram bem sucedidos no Níger.
Foto: DW/A. Cascais
Espancado na Líbia
Dumbya Mamadou, de 26 anos de idade, oriundo do Senegal, conseguiu atingir a Líbia, depois de uma "odisseia de 5 dias e 5 noites" pelo deserto do Níger. Mas na Líbia foi maltratado. "Os líbios apontaram-me armas e espancaram-me, não têm respeito pelo ser humano", afirma o jovem. Dumbya volta ao seu país de origem com um sentimento de derrota: "Queria estudar na Europa, agora não sei o que fazer".
Foto: DW/
Roubado no Burkina Faso
Mamadou Barry, de 21 anos, oriundo da Guiné-Conacri, tinha um sonho: aplicar em França os seus conhecimentos de marketing e os seus talentos musicais. Mas a viagem rumo à Europa correu-lhe mal. "Fui roubado no Burkina Faso, o primeiro país pelo qual passei", conta. Mesmo assim, Mamadou aprendeu uma grande lição para a vida: "coisas que nunca teria aprendido se nunca tivesse saído de Conacri".
Foto: DW/A. Cascais
Rap contra a frustração
Mamadou Barry tenta digerir as suas derrotas e decepções através da música. Há três anos que o jovem canta e interpreta temas de rap e hiphop de sua autoria. O seu último tema foi escrito em Niamey, capital do Níger, e tem a seguinte letra: "A migração arrasou-me / e ninguém me pode consolar / O Mar Mediterrâneo já matou muitos / e nós cá continuamos: sem comida, sem cama, sem saúde".
Foto: DW/
Central de autocarros de Niamey: uma placa giratória
É da estação de autocarros de Niamey que partem diariamente centenas de furgonetas, muitas delas repletas de jovens migrantes, em direção ao norte. Os migrantes tornaram-se um fator relevante para a economia do Níger. Há muita gente que ganha a sua vida prestando diversos serviços aos migrantes: viagens pelo deserto, alimentação e mesmo cuidados médicos.
Foto: DW/A. Cascais
Mais migrantes tentam atravessar deserto do Níger
O número de migrantes que viajam através dos vastos territórios desérticos do Níger para chegar ao norte da África e à Europa não pára de aumentar, tendo alcançado os 200 mil em 2016, segundo estimativas do escritório da Organização Internacional para as Migrações. Outras fontes falam de 10 mil migrantes que atravessam o Níger por semana. A situacão geográfica do Níger é o fator determinante.
Foto: DW/A. Cascais
Agadez, o "olho da agulha"
Agadez, cidade desértica no Níger, é um dos principais pontos de trânsito no Saara para os imigrantes em fuga de nações empobrecidas do oeste da África. As "máfias" do tráfico humano têm beneficiado do caos na Líbia para transportar dezenas de milhares de pessoas para o continente europeu em embarcações precárias. Os migrantes muitas vezes sofrem abusos dos passadores.