Moçambique: Indústria de 60 milhões deixa de produzir
Carlos Matsinhe (Xai-Xai)
3 de agosto de 2017
Na província de Gaza, no sul de Moçambique, um complexo agroindustrial que custou 60 milhões de dólares deixou de produzir. O complexo foi inaugurado há dois anos e já mostra sinais exteriores de degradação.
Unidade industrial visa processar e conservar os cereais e hortícolas no vale do Limpopo e arredoresFoto: DW/C. Matsinhe
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O complexo milionário não tem matérias-primas suficientes e os custos de produção são grandes, por isso um analista moçambicano avisa: em tempos de crise, fazer grandes projetos não chega. É preciso que esses projetos tenham futuro e sejam rentáveis.
O Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, inaugurou o Complexo Agro-Industrial de Chókwè (CAIC), em abril de 2015, com pompa e circunstância. Na província de Gaza, Filipe Nyusi cortou uma fita vermelha gigante junto ao complexo e destapou a placa de inauguração ao lado do embaixador da China, porque o CAIC é um financiamento chinês.
Problemas desde a inauguraçãoO complexo agroindustrial só funcionou a 12% da sua capacidade. Esperava-se que os parceiros indianos investissem na agricultura na região, para fornecer os produtos necessários para o complexo funcionar: arroz, tomates e castanha de caju. Porém, segundo o diretor da fábrica, Mamed Abacar, os investidores nunca mais apareceram e o CAIC ficou sem matéria-prima.
Foto: DW/C. Matsinhe
"Eles tinham dois modelos desenhados: um de fomento e outro modelo de produção própria. No fim das contas os parceiros nunca apareceram, então os gestores da fábrica foram obrigados a procurar alternativas para poder gerir a fábrica", explica o diretor.
A alternativa, segundo Mamed, foi investir diretamente na produção das matérias-primas, mas a colheita ficou aquém do que se esperava, por causa da seca. Além disso, o complexo tinha de importar embalagens de África do Sul, o que encarecia os custos de produção.
Grandes projetos são erros comuns
Agora, o complexo agroindustrial deixou de produzir. As despesas – por exemplo, com funcionários e energia elétrica – atingem os 180 mil meticais por mês (cerca de 2.500 euros). O CAIC tornou-se um fardo para o Estado, pois a maioria das participações no complexo são do Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE).
Indústria de 60 milhões deixa de produzir
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Este não é um caso único, diz Carlos Mhula, um analista na província de Gaza. Mhula comenta que, em Moçambique, há uma tendência para repetir erros ao conceber grandes projetos. "Ainda continuamos a montar complexos, ao invés de os complexos se montarem. Esse é um erro repetitivo que nós temos tido", afirma Carlos Mhula.
Segundo o analista, "primeiro, é preciso ter uma produção intensiva dos cereais, para depois usar os recursos existentes, e só depois se constrói uma infraestrutura".
O analista aponta, a título de exemplo, o Centro de Investigação e Transferência de Tecnologias Agrárias, no distrito de Mandlakazi, no sul de Moçambique, e o futuro aeroporto de Chongoene, em projeção – projetos que, segundo Carlos Mhula, vão trazer ao Estado mais despesas do que lucros.
Moçambique: centenas de pessoas marcham contra a situação política e económica
Centenas de moçambicanos marcharam no dia 18 de junho de 2016 em Maputo contra a situação política e económica do país. A manifestação foi convocada pela sociedade civil para exigir esclarecimentos ao Governo.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
Pela Avenida Eduardo Mondlane rumo à Praça da Independência
"Pelo direito à esperança" foi o mote da manifestação que reuniu centenas de pessoas no centro de Maputo, no sábado dia 18 de junho de 2016. Os manifestantes exigem o fim do conflito político-militar entre o Governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e a Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), o esclarecimento da dívida pública e mais liberdade de expressão.
Foto: picture alliance/dpa/A. Silva
"A intolerância política mata a democracia"
Em entrevista à DW África, Nzira de Deus, do Fórum Mulher, uma das organizações envolvidas, afirma que a liberdade dos moçambicanos tem sido muito limitada nos últimos meses. "É preciso deixar de intimidar as pessoas, deixarem as pessoas se expressarem de maneira diferente, porque eu acho que é isso que constrói o país. Não pode haver ameaças, não pode haver atentados", diz Nzira.
Foto: DW/L. Matias
De preto ou branco, manifestantes pedem paz
Com camisolas pretas e brancas e cartazes com mensagens de protesto, centenas de moçambicanos mostram o seu repúdio à guerra entre o Governo e a RENAMO, às dívidas ocultas e às valas comuns descobertas no centro do país. Num percurso de mais de dois quilómetros, entoaram cânticos pela liberdade e pela transparência.
Foto: DW/L. Matias
"Valas comuns são vergonha nacional"
Recentemente, foram descobertas valas comuns na zona central de Moçambique. Uma comissão parlamentar enviada ao local para averiguações nega a sua existência. Alguns dos corpos encontrados foram sepultados sem ter sido feita uma autópsia, o que dificulta o conhecimento das causas das suas mortes.
Foto: DW/L. Matias
"É necessário haver um diálogo político honesto e sincero"
Nzira de Deus considera que a crise política que Moçambique enfrenta prejudica a situação do país e defende que “haja um diálogo político honesto e sincero e que se digam quais são as questões que estão em causa". Para além da questão da dívida e da crise política, os manifestantes estão preocupados com as liberdades de expressão e imprensa.
Foto: DW/L. Matias
Ameaças não vão amedrontar o povo
No manifesto distribuído ao público e lido na estátua de Samora Machel, na Praça da Independência, as organizações da sociedade civil exigiram à Procuradoria-Geral da República uma auditoria forense à dívida pública. "Nós queremos que o ex-Presidente [Armando Guebuza] e o seu Governo respondam por estas dívidas", declarou Alice Mabota, acrescentando que as ameaças não vão "amedrontar o povo".
Foto: DW/L. Matias
Sociedade Civil presente
A manifestação foi convocada por onze organizações da sociedade civil moçambicana. Entre as ONGs que organizaram a marcha encontram-se a Liga dos Direitos Humanos (LDH), o Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), o Observatório do Meio Rural, o Fórum Mulher e a Rede HOPEM.