As fases de implantação das multinacionais de recursos naturais passam despercebidas tanto para população local, assim como para jornalistas. ONG fala em secretismo, que ao seu ver, pode desembocar em conflitos.
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Moçambique tem assistido nos últimos anos a descoberta de enormes quantidades de recursos naturais e a consequente concessão de áreas mineiras às multinacionais.
Entretanto, sobre os planos de exploração, o reassentamento e compensação das comunidades, os relatórios de gestão ambiental os jornalistas nacionais consideram que escasseia informação, tanto para a sua classe como para as comunidades, qualificando a situação como censura.
A jornalista baseada em Nampula Licínia Atanásio conta que "é muito difícil e quase impossível fazer a cobertura jornalística na área de mineração em Moçambique. O acesso à informação é vedado, o acesso às áreas de mineração é muito mais vedado. Tanto é que, Muitos jornalistas que vão fazer esta cobertura têm de ter algum punho político, o que torna impossível cobrir imparcialmente a extração mineira."
O secretismo na indústria extrativa não é novo. Tomás Vieira Mário - diretor executivo do Sekelekani, uma organização da sociedade civil que opera na área de estudos e pesquisa de comunicação - cita alguns exemplos: "Nos primeiros anos em que o nosso país recebeu grandes investimentos nos chamados megaprojectos, foi o caso da Mozal, SASOL, no sul de Moçambique, os contratos eram secretos. Dizia-se que os contratos não podiam ser revelados a sociedade."
E Tomás Vieira Mário entende que assim "nasceu esta indústria no meio de uma prática de secretismo sobre os contratos que o Governo tinha com as empresas. E esse secretismo é uma espécie de cultura na nossa governação e muitas as vezes as empresas ficam contaminadas pelo secretismo do nosso Estado".
Acesso à informação: Problema generalizado
Não são apenas os jornalistas que têm dificuldade de aceder a informação sobre a exploração mineira. Os deficits acontecem também entre os investidores e as comunidades locais e até mesmo entre o Estado e as comunidades.
"As comunidades são consultadas por empresas que vêm com especialistas que dominam as matérias alvo das consultas enquanto as comunidades locais não tem preparação prévia para perceberem quais são seus direitos e como articular perante quem as consultas", observa o diretor da Sekelekani.
Indústria extrativa: Acesso à informação é um problema
Por isso, a ONG está a formar jornalistas de diferentes órgãos de comunicação social das províncias de Nampula, Cabo Delgado e Niassa, no norte, e Zambézia, no centro de Moçambique, em matérias de direito à informação na indústria extrativa.
Consequências da falta de acesso à informação
Gelácio Rapieque, outro jornalista baseado em Nampula, diz que "estas empresas têm como propósito ganhar lucro e esse dinheiro também entra nas contas do Estado e falar de assuntos que mexem com a sensibilidade do Estado não é fácil e nós vamos enfrentar essas dificuldades. Este encontro vem exatamente para dar-nos essa coragem, esses caminhos para que a gente saiba como contornar esses fatos".
E até para a Sekelekani há desafios. Tomás Vieira Mário diz que "é uma questão muito sensível, dar informação adequada e atempada, mas muito bem explicada à população para perceber até as fases da indústria, os benefícios e quando estes vão chegar."
E finalizando adverte: "Do outro modo, criam-se promessas muito altas a população e ela fica impaciente e pode entender que está ficando excluída, quando na verdade está ficando mal informada".
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.