A avaliação é de especialistas do setor. Mas ainda há muito por fazer para aumentar a transparência – especialistas dizem que há muita informação sobre a exploração que ainda não é disponibilizada ao público.
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Moçambique registou avanços significativos desde que aderiu à Iniciativa de Transparência na Indústria Extractiva (ITIE), em 2009. É a conclusão de vários intervenientes no setor, que destacam a disponibilização de informação ao público sobre os contratos entre as empresas e o Estado ou uma maior disciplina em relação à atribuição dos títulos mineiros.
Mas o Centro de Integridade Pública (CIP) entende que isto ainda não acontece como devia.
Segundo a pesquisadora Inocência Mapisse, que apresentou esta quarta-feira (21.10) em Maputo um estudo sobre a transparência no setor, grande parte das empresas ainda não disponibiliza informações sobre o pagamento de impostos ao Estado.
"Os resultados mostram que 42% das empresas analisadas não publicam informação fiscal de interesse público. Cerca de 25% das empresas, são 12 empresas no total, apresentam um nível de transparência muito abaixo daquilo que seria o ideal", informa.
Autoridades defendem aperfeiçoamento
O Ministério dos Recursos Minerais e Energia reconhece que há desafios para a transparência na indústria extrativa. A diretora do Gabinete Jurídico, Marcelina Joel, diz que se deve aperfeiçoar os mecanismos de disponibilização da informação, principalmente sobre os pagamentos feitos pelas empresas.
"Temos vários impostos: impostos de superfície, imposto sobre a produção e a lei prevê que em caso de transações, havendo mais-valias, essas são taxadas em 32% e o processo todo corre junto do nosso sistema tributário e do nosso sistema do licenciamento mineiro", esclarece.
Já o Ministério da Economia e Finanças enfatiza o estabelecimento de normas que garantam uma melhor articulação e uma maior transparência no acesso e exploração destes recursos de todos os intervenientes.
Segundo o porta-voz do Ministério, Alfredo Mutombene, "estamos a falar das empresas que exploram todos esses recursos. Estamos também a falar do Estado como aquele que retira proveito não só das suas receitas mas de todo o processo de transformação que ocorre quando há exploração de recursos naturais."
Lançamento do ITSE
Para contribuir para maior transparência no setor, o CIP lançou esta quarta-feira o Índice de Transparência das Empresas do Setor Extrativo (ITSE), cujos indicadores giram à volta das componentes fiscal, de governação corporativa, social e ambiental.
A primeira edição do ITSE é referente aos anos de 2019 e 2020. O índice analisa a informação disponibilizada em websites de 12 empresas do setor extrativo moçambicano, ficando demonstrado que, de forma geral, a transparência encontra-se em níveis baixos, com 29 pontos de um universo de 100 pontos.
Na presente edição, a Kenmare Moma Mining, com um 65 pontos, revelou-se a empresa mais transparente. O título de empresa menos transparente coube à Empresa Moçambicana de Exploração Mineira (EMEM), com 4 pontos.
Faces de Tete e do carvão de Moçambique
A vida mudou na província de Tete desde a chegada de empresas multinacionais para explorarem o carvão. Os ventos da mudança trouxeram, para alguns, oportunidades para melhorar de vida; para outros, novas preocupações.
Foto: DW/Marta Barroso
Coque, o trabalhador
Coque tem 28 anos. Trabalha há quatro anos na empresa mineira britânica Beacon Hill. Lá, amarra lonas nos camiões que transportam o carvão até ao vizinho Malawi. Tal como muitos jovens na região, dantes Coque fabricava tijolos que vendia no mercado local. Mas hoje, diz, vive melhor. Por camião recebe 800 meticais, cerca de 20 euros, que divide com o colega que estiver com ele no turno.
Foto: Marta Barroso
Paulo, o diretor de operações da Vale
Apesar dos enormes incentivos fiscais de que gozam as empresas dos megaprojetos em Moçambique, como a brasileira Vale, Paulo Horta diz que um projeto de mineração como o de Moatize gera uma cadeia produtiva tão grande que a população local beneficia em grande medida com a sua vinda para Tete: através da criação de outras empresas, serviços, tributos gerados por terceiros e criação de empregos.
Foto: DW/Marta Barroso
Gomes António, vítima de maus tratos
Gomes António Sopa foi espancado e detido pela polícia na sequência da manifestação de 10 de janeiro de 2012, quando os habitantes de Cateme bloquearam a passagem do comboio que transportava carvão das minas até ao porto da cidade da Beira. Muitas das promessas feitas pela Vale, responsável pelo reassentamento de centenas de famílias, continuam por cumprir. Ainda hoje, Gomes António sente dores.
Foto: Marta Barroso
Duzéria, a curandeira
Os habitantes do Centro de Reassentamento de 25 de Setembro, no distrito de Moatize, queixam-se de que muitos aspetos culturais não foram respeitados durante o processo de reassentamento pelas empresas mineiras. A curandeira do bairro, por exemplo, diz que no planeamento do complexo não se teve em conta a construção de uma casa para o seu espírito.
Foto: Marta Barroso
Lória, a rainha
Provavelmente Lória Macanjo e a sua comunidade deverão ser reassentadas brevemente: a multinacional Rio Tinto está já a operar um mina de carvão em Benga, perto da sua aldeia, Capanga. Também aqui, debaixo da terra que herdou do pai, a empresa mineira descobriu carvão. Mas a rainha sabe do destino dos que já se mudaram e recusa-se a deixar a sua casa.
Foto: DW/Marta Barroso
Olivia, a cabeleireira
Olivia (esq.) tem 29 anos e veio em 2008 do seu país, o Zimbabué, fugindo à crise financeira que lá se vive. Tete é agora a terra das grandes oportunidades, tinham-lhe dito. Hoje, é cabeleireira no Mercado Primeiro de Maio e, tal como a amiga Faith (dir.) faz trabalhos de manicure. Diz que, por dia, consegue 500 a 1000 meticais, entre 15 e 25 euros. Com esse dinheiro consegue sustentar-se.
Foto: DW/Marta Barroso
Guta, o empresário
Ao todo, Guta emprega 130 homens nas áreas de carpintaria e construção civil na cidade de Tete. Diz que desde a chegada das grandes empresas à região não sentiu grandes alterações no seu negócio. Os projetos de mineração requerem quantidades às quais não consegue responder. Uma vez, conta, a Vale pediu que fornecesse, juntamente com outra carpintaria da cidade, 5000 portas em 60 dias.
Foto: DW/Marta Barroso
Canelo, o vendedor de amendoins
Canelo diz que tem 11 anos. E diz também que frequenta a segunda classe. Todas as tardes vende amendoins no centro de Tete. "Para ajudar a mãe que não tem trabalho." O pai também está desempregado. Canelo é uma de muitas crianças que vendem amendoins na cidade. Um saco pequeno fica por dois meticais, cerca de cinco cêntimos de euro, o maior custa cinco meticais, treze cêntimos de euro.
Foto: DW/Marta Barroso
Catequeta, o ativista
Manuel Catequeta mudou-se para Tete em 2001. O ativista dos direitos humanos sabe o que custa viver com a subida constante do custo de vida. O seu salário não lhe permite luxos. A sala de sua casa "de dia é sala, de noite vira quarto". Mas mudar de casa, para já, está fora de questão. Hoje em dia, uma boa casa na capital provincial passa dos 5.000 dólares, cerca de 4.000 euros, por mês.
Foto: DW/Marta Barroso
Júlio, o otimista
O músico Júlio Calengo vê oportunidades de negócio, agora que em Tete há tantas empresas novas. O seu objetivo é, em breve, montar uma empresa de limpeza: tanto nos escritórios das empresas mineiras como nos das firmas que entretanto apareceram na cidade. Interessados não vão faltar, diz Júlio. O que é preciso é ter criatividade e, claro, dinheiro.