Analista fala numa nova "crise profunda" na Guiné-Bissau, onde a situação política continua indefinida, com o contencioso eleitoral ainda por decidir e numa altura em que a administração pública do país volta à greve.
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É uma situação nunca vivida na Guiné-Bissau. Na mesma altura em que são contestados os resultados da segunda volta das eleições presidenciais, a nova greve convocada pelas duas centrais sindicais vem ensombrar ainda mais a situação social que se vive no país.
A União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG) e a Confederação Geral dos Sindicatos Independentes (CGSI) consideram que não há vontade por parte do Executivo para pôr fim à greve. Por isso, e "tendo em conta a passividade e incumprimento por parte do Governo", as centrais sindicais decidiram avançar para mais uma paralisação, explica o porta-voz da comissão de greve, Domingos da Silva.
As reivindicações dos sindicatos são as mesmas que levaram à paralisação na semana passada. Entre as exigências está a aprovação do novo Código de Trabalho e harmonização da tabela salarial na administração pública. Os sindicalistas também querem um salário mínimo no valor de 100.000 francos CFA (mais de 150 euros) e o pagamento de 12 meses de salário em atraso ao pessoal contratado do Ministério da Saúde.
Nova "crise profunda" na Guiné-Bissau?
Hospital Simão Mendes afetado
No Hospital Nacional Simão Mendes, o maior do país, apesar da garantia dos serviços mínimos, a greve está a ter impacto, constatou a DW África no local.
"Estamos aqui sentados com os nossos pacientes sem saber o que fazer", lamentou uma acompanhante de um doente. "Pedimos ao Governo que olhe para os profissionais da educação e saúde e resolva esta situação", apelou outro cidadão.
Outra acompanhante lamenta a situação que se vive no Hospital Nacional Simão Mendes: "A greve não deve continuar, porque os doentes estão aqui internados. Há mulheres submetidas a cesariana, outros que deviam ser tratados rapidamente, mas não foram, e esta situação não deve ser assim."
Mais uma "crise profunda"
Perante a greve geral na administração pública e a indefinição do processo eleitoral, o analista política Rui Landim afirma à DW África que "a Guiné-Bissau inaugura, neste momento, mais uma situação da crise, desta vez uma crise profunda, porque não se vislumbra uma saída pacífica e justa".
Landim defende ainda que, no caso da nova greve na administração pública, "entre o Governo e os sindicatos a saída tem de ser por via do diálogo e a rejeição da violência.
O Hospital Nacional Simão Mendes é considerado a unidade hospitalar de referência na Guiné-Bissau. Mas falta quase tudo: pessoal especializado, medicamentos básicos, aparelhos de diagnóstico.
Foto: Gilberto Fontes
Crise política deixa hospital a meio gás
Com a instabilidade política agravaram-se as necessidades no principal hospital da Guiné-Bissau e caíram por terra as expectativas da equipa hospitalar que esperava mais atenção por parte das autoridades. A Cruz Vermelha e os Médicos Sem Fronteiras prestam apoio. Mas, mesmo assim, perdem-se muitas vidas por falta de condições básicas de assistência.
Foto: Gilberto Fontes
À espera da hemodiálise...
O país ainda não consegue tratar doentes com insuficiência renal. O hospital tem estas instalações novas para iniciar tratamentos. Só falta a máquina da hemodiálise. Curioso é que o equipamento está no hospital, fechado há anos numa sala, cuja chave está com o Ministério da Saúde, segundo fonte hospitalar. Um nefrologista e vários técnicos fizeram formação em diálise, que ainda não podem aplicar.
Foto: Gilberto Fontes
Enquanto isso a população sofre
Doentes, como esta senhora, só podem receber tratamentos de hemodiálise no Senegal. No entanto, cada sessão chega a custar 150 euros. O que é insustentável para muitos doentes que, normalmente, necessitam de várias sessões semanais. Quando a doença é detetada numa fase inicial, aciona-se a evacuação para Portugal. Mas o processo é moroso. Muitos doentes acabam por falecer por falta de tratamento.
Foto: Gilberto Fontes
Há equipamentos novos parados...
O técnico de radiologia Hécio Norberto Araújo lamenta que este aparelho novo de radiografias esteja praticamente parado. Só faz alguns exames, em casos de urgência. Também o equipamento de mamografia nunca funcionou devido à falta de acessórios, como o chassi e o aparelho de revelação. O hospital militar continua a ser o único no país a fazer mamografias e tomografias, que podem custar 100 euros.
Foto: Gilberto Fontes
E máquinas obsoletas em uso
Na falta de opções, este velho aparelho de raio x continua a ser muito requisitado. Ninguém sabe quantos anos tem o equipamento que funciona com arranjos improvisados de fita-cola. A pequena sala de diagnóstico está desprovida de qualquer proteção contra as radiações. O único avental de proteção está estragado. Os técnicos de radiologia estão diariamente expostos a radiações eletromagnéticas.
Foto: Gilberto Fontes
Sem mãos a medir na pediatria
Esta unidade costuma estar cheia, principalmente na época das chuvas, com o aumento de casos de malária ou paludismo e diarreia nas crianças. Neste serviço com 158 camas, há apenas nove médicos efetivos e quase 40 enfermeiros. Entre o pessoal médico, conta-se um único especializado em pediatria. A falta de um eletrocardiograma é responsável pelo diagnóstico tardio de cardiopatias entre os menores.
Foto: Gilberto Fontes
Nem medicamentos para emergências
Nos cuidados intensivos há apenas um cardiologista. A maioria do pessoal médico são clínicos gerais. Por vezes, em plena situação de paragem cardíaca, falta medicação de urgência que os familiares do doente têm de se apressar em providenciar. A equipa hospitalar quer mais investimento em formação e em condições de trabalho. Só assim pode salvar mais vidas e diminuir a evacuação para o exterior.
Foto: Gilberto Fontes
Faltam lençóis e comida
O Hospital Nacional Simão Mendes tem mais de 500 camas. Mas não tem lençóis que cheguem para fazer a cobertura de todas elas. Devido à falta de pijamas, muitos doentes ficam hospitalizados com a roupa que trazem no corpo. Além disso, não há como providenciar alimentação aos pacientes que, na maior parte das vezes, ficam dependentes da comida que os familiares conseguem fazer chegar.