FLEC pede ao Presidente de Angola um "diálogo inclusivo"
Lusa | ar
23 de outubro de 2017
Direção da Frente de Libertação do Estado de Cabinda (FLEC) escreveu ao novo Presidente angolano, João Lourenço, propondo um "diálogo inclusivo" para acabar com o conflito naquele enclave, passando por um cessar-fogo.
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A posição consta de uma carta assinada pelo vice-presidente da FLEC, Anny António da Silva Kitembo, dirigida ao chefe de Estado angolano, empossado no cargo a 26 de setembro, na sequência das eleições gerais de agosto, em que o MPLA elegeu dois deputados, em Cabinda, contra os três eleitos dos partidos da oposição.
"Seria um erro histórico se todos não ouvirmos e levarmos a sério o que o povo queria passar como mensagem através desta escolha legítima, porque a guerra, para todos nós, seja qual for a razão, nunca mais deveria ser uma opção para pressionar ou resolver o conflito de Cabinda", lê-se na carta, a que a Lusa teve hoje acesso, propondo ao Presidente angolano a situação do enclave como uma "prioridade nacional".
Aquele organização independentista defende que o Tratado de Simulambuco, de 01 de fevereiro de 1885, que tornou aquele enclave num "protetorado português", continua em vigor, lutando há quase 50 anos, através de várias fações, pela independência do território.
Neste âmbito, as Forças Armadas Cabindenses (FAC), braço armado da FLEC, já reivindicaram a morte de dezenas de militares angolanos só desde o início de 2016, quando se deu a retomada do conflito em Cabinda, de onde provem a maior parte do petróleo angolano.
"Fórum Cabindês para o diálogo"
Invocando o lema de campanha de João Lourenço, de "melhorar o que está bem e corrigir o que está mal", a FLEC aponta nesta carta, 11 anos depois, o insucesso do "Memorando de Namibe" e do "Estatuto Especial para Cabinda", que decorrem da instituição do "Fórum Cabindês para o Diálogo".
"O Memorando de Namibe foi mal negociado e não trouxe a paz desejada", refere, acrescentando que o estatuto para Cabinda "continua a ser uma miragem" e "um mistério ilegível aos olhos do povo de Cabinda, especialmente com a juventude".
"Sim, senhor Presidente, devemos corrigi-lo e melhorar a sua aplicação", defende a carta da FLEC, acrescentando que há um "grupo de reflexão" daquela organização, que constitui "uma ampla corrente de opinião comprometido resolutamente com a não-violência, pela paz", que "se opõe ao conceito de luta armada como instrumento de reivindicação".
"O conflito em Cabinda deve ser resolvido através do diálogo inclusivo, com a participação de todas as forças políticas e civis de Angola e Cabinda, em torno de uma mesa redonda, verdadeira oportunidade para dissipar qualquer suscetibilidade de consciência", acrescenta a carta.Em simultâneo, aponta que aos "vários apelos e propostas de diálogo", o Governo angolano "sempre respondeu aumentando o nível de repressão militar e com multiplicação de casos de intimidações, sequestros e assassínios de responsáveis da FLEC-FAC", além de "prisões arbitrárias de certos membros da sociedade civil em Cabinda".
Paz duradoura em Cabinda
Recordando que o conflito em Cabinda "já causou muitas mortes, vítimas e sofrimentos de ambos os lados", a carta assinada por Anny António da Silva Kitembo exorta o chefe de Estado angolano a encarar esta "proposta de diálogo" como uma "oportunidade para acabar com a crise para o Governo angolano" e como "esperança para uma paz duradoura em Cabinda".
"Mandar calar as armas e moderar a oposição dos militares para a paz em Cabinda serão grandes avanços no caminho da reconciliação nacional", lê-se no apelo direto a João Lourenço, cuja eleição, para a FLEC-FAC.
"Excelência senhor Presidente, de vossa parte vamos esperar um sinal claro e forte em direção à paz e ao diálogo, em resposta a esta iniciativa, que a questão de Cabinda seja inscrita como uma prioridade nacional na sua agenda política e que, juntos, possamos avançar para um ambiente pacífico, digno e alcançar uma paz duradoura, organizar juntos reuniões diretas ou multipartidárias permanentes com vista a alcançar um acordo definitivo", conclui a carta.
Artivismo: a arte política de André de Castro
O papel político da arte é o mote de "Liberdade Já", a exposição do artista brasileiro André de Castro que lembra, entre outros ativistas, os presos políticos angolanos.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
"Liberdade Já" em serigrafia
A arte pode ter uma missão política - é o que prova esta exposição de André de Castro, a primeira mostra a solo do artista visual brasileiro na Europa. Este primeiro painel à entrada da exposição, em Lisboa, é um tributo aos presos políticos angolanos. O autor deu-lhe o título de "Liberdade Já", slogan que alimentou o movimento de solidariedade internacional pela libertação dos ativistas.
Foto: MUXIMA/A. Ludovice
Debate sobre política internacional
Tanto este projeto "Liberdade Já" (2015) como "Movimentos" (2013-2014) tiveram repercussão mundial. O artista brasileiro destaca, através das suas obras, os jovens presos políticos de Angola, libertados em 2016. As suas imagens acabam por incentivar o debate sobre acontecimentos políticos internacionais.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Os "revús" compõem o painel…
O artista compõe o painel com "monoprints" em serigrafias repetidas. Aqui podem ver-se alguns dos jovens angolanos presos em Luanda, em 2015, por discutirem um livro sobre métodos pacíficos de protesto. Luaty Beirão, Domingos da Cruz, Nuno Álvaro Dala, Nito Alves, Benedito Jeremias e Nelson Dibango, entre outros, foram julgados pelo crime de atos preparatórios para a prática de rebelião.
Foto: DW/J. Carlos
… e multiplicam-se pelo mundo digital
O luso-angolano Luaty Beirão foi escolhido como símbolo do ativismo político, dando força à exposição, com a curadoria da Muxima. Os retratos multiplicaram-se no mundo digital, foram reproduzidos em t-shirts e posters. A venda das serigrafias expostas em mostras coletivas em Lisboa e Nova Iorque, em 2016, reverteu integralmente a favor das famílias dos presos políticos angolanos.
Foto: DW/J. Carlos
Além de Angola...
Em dezembro, André de Castro comemorou com as irmãs a abertura da exposição em Lisboa, que também apresenta rostos de ativistas como José Marcos Mavungo, advogado e ativista de Cabinda. Além de Angola, o artista desafia os visitantes a revisitar o movimento da Primavera Árabe. Dá a conhecer as pessoas e as suas lutas, propondo um ângulo mais pessoal e humano na narração do momento histórico.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Arte como ator social
No interesse do público e das comunidades, o artista brasileiro assume ser um promotor social. "Ao expor 'Movimentos' e 'Liberdade Já' juntos, a mostra permite um recorte da arte como ator social, questionando intenção, receção, apropriação e estética nas ruas e na internet", afirma André de Castro. É o que mostra a coleção "Movimentos", colocada na outra parede da sala.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Coragem para mudar o mundo
Nesta segunda parede, André de Castro imortaliza várias causas em diversas partes do mundo. São mulheres e homens que recusam aceitar a forma como são tratados pelos respetivos Estados. Acreditam, tal como o autor da exposição, que o mundo pode ser muito melhor. Por isso, com coragem, decidiram sair à rua.
Foto: MUXIMA/Andrea Ludovice
Identidade política dos manifestantes…
Este primeiro projeto de André de Castro, em 2013, foi selecionado para a 11ª Bienal Brasileira de Design Gráfico e visto por mais de 40 mil visitantes, passando por Miami (2013), Nova Iorque (2014) e Brasília (2015). As serigrafias, que resultam de entrevistas realizadas através das redes sociais, retratam as identidades políticas dos manifestantes de diferentes países.
Foto: DW/J. Carlos
… e cultura das manifestações
Através das serigrafias, o artista procurou valorizar a força da ação individual dos manifestantes. Cada participante enviou uma foto de rosto, usando as redes sociais, e respondeu a uma série de perguntas sobre a sua identidade política. Assim, foram criados retratos políticos individuais que, em conjunto, formam uma mini etnografia da cultura material e imaterial das manifestações.
Foto: DW/J. Carlos
Do outro lado do mundo
Em Nova Iorque, no Zuccotti Park, a sugestão original foi ocupar Wall Street, símbolo dos capitais financeiros internacionais. Porque, afinal, foi a especulação de capitais que deu origem à crise que atormentou o mundo há anos. Questiona Daniel Aarão Reis, ao apresentar a exposição: "Como aceitar que os responsáveis não ficassem com o fardo principal das medidas de superação desta mesma crise?"
Foto: DW/J. Carlos
Novos dispositivos de mobilização
A arte política de André de Castro, que também evoca figuras como Ghandi e Martin Luther King, faz lembrar a tradição dos grandes movimentos dos anos 1960, que dispensava partidos e sindicatos. Ao invés disso, surgiram novos dispositivos de mobilização e de ação.
Foto: DW/J. Carlos
Espelho D’ Água valoriza as serigrafias
A exposição, que também será posteriormente exibida no Porto (a norte de Portugal), encontra-se no Espaço Espelho D’Água, em Lisboa. A calçada deste espaço, tipicamente portuguesa, foi construída com base numa obra do autodidata artista plástico angolano, Yonamine, que tem vivido em diversos países de África, Europa e América do Sul.