Em entrevista exclusiva à DW, o chefe do Estado chadiano e atual Presidente da União Africana, Idriss Déby responsabiliza o Ocidente pelo terrorismo em África e pede mais tempo para a democratização do continente.
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Durante uma visita oficial a Berlim na quarta-feira (12/10) do Presidente do Chade, Idriss Déby, a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou mais assistência financeira àquele país africano. A visita de Deby não causou alguma controvérsia na Alemanha, onde o Governo do Presidente chadiano é considerado autoritário e antidemocrata
A África nunca constituiu uma prioridade na política alemã. Mas há um ano chegaram à Europa mais de um milhão de refugiados, a maior parte dos quais deu entrada na Alemanha. Entre estes refugiados estão numerosos africanos, o que, recentemente, levou Berlim a dar mais peso à política africana.
A chanceler alemã, Angela Merkel, disse ser necessário investir mais em África, para garantir aos africanos perspetivas futuras e uma vida melhor nos seus países, de modo a que não sejam obrigados a emigrar.
Apelo a mais ajuda para África
Em conversa com a DW, o Presidente do Chade saudou a nova política africana de Berlim: "Seguimos com grande interesse o regresso da Alemanha à África. A Alemanha tem o seu lugar em África. E nós apelamos para as empresas alemãs, que têm as competências que todos sabemos, para investirem no Chade e criarem aqui riqueza num sistema que beneficie os dois lados".
Petróleo no Chade: Um "projeto modelo" falhado
O projeto tem sido anunciado como um modelo internacional para combater a pobreza. Porém, a população não usufrui dos recursos provenientes da sua exploração e muitos perderam os seus meios de subsistência.
Foto: Christof Krackhardt
Grandes expetativas
Um consórcio foi fundado na década de 70 pela Esso para extrair reservas de petróleo na Bacia do Doba, no sul do Chade. A região é a terceira mais pobre do país. Também teve de ser construído um oleoduto ao longo do território dos Camarões até ao Oceano Atlântico para o petróleo poder ser exportado. Os habitantes locais só esporadicamente foram envolvidos no processo de planeamento.
Foto: Martin Zint
Pressão presidencial
No início da década de 90, os planos tornaram-se mais concretos. O Presidente Idriss Deby aumentou a pressão para a exploração do petróleo. Opositores do projeto foram ridicularizados. Em 1998, Deby fez concessões aos críticos, dizendo que parte dos rendimentos seriam investidos num fundo para as futuras gerações. A população local também poderia beneficiar dos petrodólares.
Foto: Christof Krackhardt
Início do "projeto modelo"
A legislação sobre exploração de petróleo no Chade convence o Banco Mundial. Apesar das reservas por parte de ambientalistas e grupos de direitos humanos, o Banco declara a exploração de petróleo um projeto modelo para combater a pobreza e aprova fundos. Três anos depois jorra o primeiro petróleo. Hoje, há 804 poços, mais do que o dobro inicialmente previsto. Alguns oleodutos passam por aldeias.
Foto: Christof Krackhardt
Taxa de HIV aumenta
Em parceria com as autoridades chadianas, o consórcio petrolífero liderado pela Esso lançou um programa de prevenção do HIV/SIDA. Muitos chadianos vieram para a região à procura de emprego, trazendo o vírus mortal com eles. Anteriomente isolada, a região tem agora a maior taxa de infeção por HIV do país. Não existem programas para tratar a doença.
Foto: Christof Krackhardt
Esperança de melhores cuidados de saúde
Primeiro a população acreditou nas promessas do Governo sobre o combate à pobreza. Tinham grandes esperanças de que a produção de petróleo iria impulsionar o desenvolvimento da região. Os cuidados de saúde eram precários e faltava equipamento nos hospitais. As pessoas acreditavam que tudo iria mudar.
Foto: Martin Zint
A desilusão
Dez anos depois, a vida dos habitantes da Bacia de Doba não melhorou. Muito pelo contrário. O Chade pode gabar-se das novas receitas de cerca de 8 mil milhões de dólares (6 mil milhões de euros), mas ocupa a posição 184 do Índice de Desenvolvimento da ONU de um total de 186 países. Este é o único hospital para 33 aldeias. Não há água limpa.
Foto: Christof Krackhardt
Devastação da natureza
Onde antes o gado pastava, agora reina a seca. As aldeias estão cercadas por oleodutos e centros de produção. A população local não pode usar o solo e a terra está no pousio. Os campos estão desgastados, falta fruta e madeira para queimar. Muitas famílias tiveram de abandonar o seu gado. Elas reclamam que a compensação que receberam por isso não foi suficiente.
Foto: Christof Krackhardt
Promessas quebradas
August Djinodji (centro) é o mais velho em Maikeri. Aos 99 anos, consegue lembrar-se muito bem das promessas feitas na década de 70. Hoje está desiludido. “Somos como pessoas mortas cujos braços e pernas foram atados e cujos corpos repousam em caixões. Sou velho o suficiente para ir para a cova, mas as crianças não. Ajudem-nas a sair daqui", pede.
Foto: Christof Krackhardt
Prisioneiros na própria aldeia
Entre as poucas pessoas que têm carro estão os que trabalham em empresas de segurança privada. Porque o Governo precisa urgentemente de petrodólares, isso garante que os centros de extração estejam em segurança. A população local já não sai à noite. Não há luz. Contudo, os geradores dos centros de produção produzem mais eletricidade do que o resto do país. Os aldeões não têm eletricidade.
Foto: Christof Krackhardt
Melhor que nada?
A algumas aldeias foram dados pedaços de terra para compensar as terras que perderam ou um contentor para servir de escola. Com temperaturas superiores a 40 graus Celcius à sombra, a chapa aquece de forma insuportável. Mas nem isso afasta as crianças. “Se não tens um cavalo, um burro serve", diz a sua professora.
Foto: Christof Krackhardt
Pobreza apesar da riqueza
Embora haja ouro negro debaixo da terra, avaliado em milhões de euros, os habitantes da Bacia de Doba têm de se contentar com combustível em garrafas. A esperança de vida no Chade é de cerca de 50 anos e 80% da população vive abaixo da linha da pobreza. A riqueza da sua terra não lhes pertence.
Foto: Christof Krackhardt
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A Alemanha não tem, neste momento, qualquer relação económica com o Chade. A promessa da chanceler de colocar à disposição do país africano 8,9 milhões de euros para ajudar a resolver problemas de alimentação e abastecimento com água, foi bem recebida pelo chefe de Estado. Déby concorda que a assistência económica aos países africanos é crucial para resolver o problema da migração para o norte. Importa que os países ocidentais ajudem a criar emprego e oportunidade para os africanos nos seus países.
Ingerência gera terrorismo
Tanto mais, que, a ver do Presidente, é ao ocidente que cabe uma grande parte da responsabilidade pela situação em África no geral, e pela emergência do terrorismo islamita em particular: "O que aconteceu foi que a Líbia, um país soberano, foi bombardeado, o seu Presidente foi morto e a Líbia ficou sem recursos. É essa a origem da migração, do tráfico de drogas e do terrorismo que hoje temos em África".
Na opinião do Presidente, na África a sul do Sará não havia terrorismo antes de 2011, o ano em que caiu o regime líbio. O Chade foi um dos países que enviou tropas para a Líbia para ajudar o regime do coronel Gaddafi a combater os rebeldes. Déby, que ocupa o cargo de chefe de Estado há mais de um quarto de século, governa com mão de ferro um país considerado entre os mais corruptos do mundo. O Chade está na mira de organizações internacionais por frequentes violações de direitos humanos.
Democracia ainda muito jovem
O também atual Presidente da União Africana apoia abertamente a presidência do seu homólogo burundês. Pierre Nkurunziza ignorou protestos no próprio país contra o que foi considerado uma violação da constituição burundesa, e concorreu a um terceiro mandato, que ganhou em eleições criticadas como nem livres nem justas pela comunidade internacional. Mas Déby diz que é esperar demais que a democracia, ainda jovem em África se desenvolva e estabeleça em poucos anos: "Vocês na Europa levaram duzentos anos a instalar a democracia. E será que o sistema social já é perfeito e que toda a gente está satisfeita com a democracia na Europa? Claro que não".