Instabilidade reina na RDC a dez dias das presidenciais
AFP | mjp
13 de dezembro de 2018
Pelo menos três pessoas foram mortas na quarta-feira em confrontos com a polícia à margem de um comício da oposição, no leste do país. Na madrugada desta quinta-feira, incêndio deflagrou na Comissão Eleitoral.
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Um incêndio começou por volta das 2h00 da manhã desta quinta-feira (13.12) num edifício da Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI) na capital da República Democrática do Congo, Kinshasa, a dez dias da eleição presidencial. No edifício em chamas, a CENI armazenava materiais para a eleição.
O fogo deflagrou poucas horas depois da morte de três pessoas em confrontos com agentes da polícia à margem de um comício da oposição no leste do país. Ainda não são conhecidas as causas do incêndio, mas a corrida às eleições tem sido caracterizada por episódios violentos.
Segundo a AFP, esta manhã ainda era visível uma espessa nuvem de fumo negro sobre a cidade.
Mortes no leste
Na quarta-feira, confrontos eclodiram em Kalemie, uma localidade no Lago Tanganyika, quando o candidato da oposição Martin Fayulu se encontrava no local em campanha. Três pessoas morreram, atingidas por disparos.
Duas testemunhas afirmam que foram disparadas balas reais após a chegada do candidato, quando este se dirigia para o local do comício. Fayulu aponta o dedo à polícia e a "jovens armados sob o efeito de drogas" que, segundo o opositor, "vestiam roupa do PPRD", referindo-se ao partido no poder. "Vi pessoas a dispararem e vi uma senhora cair à minha frente", disse à agência de notícias France Presse, acrescentando: "Apesar de tudo, chegámos ao local do comício e realizámos o comício".
Membros do comité de Fayulu afirmam que três pessoas foram mortas. Um médico local deu conta de três cadáveres na morgue do hospital, enquanto um profissional dos serviços de emergência afirma que a sua equipa recolheu quatro corpos.
Na terça-feira, dois apoiantes de Fayulu foram mortos e 43 ficaram feridos em confrontos num comício em Lubumbashi, a segunda maior cidade da RDC.
Um grupo de defesa dos direitos dos cidadãos, a Associação Congolesa para o Acesso à Justiça, confirma os dados num balanço provisório. Já a polícia afirma que 11 agentes de segurança e dois civis ficaram feridos, sem mencionar vítimas mortais.
No mesmo dia, Martin Fayulu afirmou que foi impedido pela polícia de chegar ao local do comício. Na quarta-feira, adiantou que as autoridades impediram o seu voo de Kalemie para a próxima paragem na agenda: a cidade mineira de Kolwezi, no sul.
"Estou em Goma. Desviaram-nos. Disseram-nos que não tínhamos outra escolha, Kinshasa, Goma ou Bukavu", afirmou o candidato, citando uma conversa telefónica com a Agência Nacional de Inteligência.
Transições violentas
Fayulu, de 62 anos, um deputado pouco conhecido e antigo empresário do setor do petróleo, foi nomeado o candidato de consenso de vários partidos da oposição. Está a decorrer a campanha eleitoral para as eleições de 23 de dezembro, em que será escolhido o sucessor do Presidente Joseph Kabila, no poder desde 2001.
Mas os receios de violência são muitos. O país nunca assistiu a uma transição pacífica de poder desde que se tornou independente da Bélgica, em 1960. Nos últimos 22 anos, duas guerras abalaram o país, matando milhões de pessoas e envolvendo exércitos de outros países africanos. A uma escala menor, registam-se conflitos no centro e leste da RDC, que poderão facilmente dar origem a guerras civis, alertam analistas.
Kabila continua na Presidência apesar de o seu segundo e último mandato ter terminado há quase dois anos. Há 21 candidatos na corrida à sucessão.
A enviada especial da ONU para a RDC, Leila Zerroudui, emitiu um comunicado lamentando a perda de vidas na violência pré-eleitoral e apelou ao Governo para "que tome os passos necessários para evitar novos incidentes”.
Também esta quarta-feira, a CENI anunciou a conclusão do processo de distribuição e teste dos equipamentos de voto. No Twitter, a comissão disse que apesar das "dificuldades", podia "assegurar que o equipamento eleitoral chegou a todo o país e, após verificação técnica, encontra-se num bom estado operacional".
O processo técnico e logístico das eleições tem sido um tema recorrente no debate político. Alguns partidos da oposição contestam o uso de máquinas de voto, temendo manipulação dos resultados.
Presidentes africanos para sempre
Vários presidentes africanos governam há tanto tempo, que muitos cidadãos não conhecem outro líder do seu país. Teodoro Obiang Nguema é o líder africano há mais tempo no poder: governa a Guiné Equatorial desde 1979.
Foto: picture-alliance/AP Photo/S. Alamba
Guiné Equatorial: Teodoro Obiang Nguema
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo é atualmente o líder africano há mais tempo no poder, depois de, em 2017, José Eduardo dos Santos ter deixado o cargo de Presidente de Angola, que ocupava também desde 1979. Neste ano, Obiang chegou ao poder através de um golpe de estado contra o seu tio, Francisco Macías. Nas últimas eleições no país, em 2016, Obiang afirmou que não voltaria a concorrer em 2020.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Lecocq
Camarões: Paul Biya
Com o seu nascimento no ano de 1933, Paul Biya é o Presidente mais idoso do continente africano e apenas ultrapassado em anos no poder pelo líder da vizinha Guiné Equatorial. Biya chegou ao poder em 1982. Em 2008, uma revisão à Constituição retirou os limites aos mandatos. Em 2018, Biya, foi declarado vencedor das eleições. Os Camarões atravessam uma crise com a rebelião na parte anglófona.
Foto: picture-alliance/AA/J.-P. Kepseu
Uganda: Yoweri Museveni
Com mais de 30 anos no poder, Yoweri Museveni é, para uma grande parte dos ugandeses, o único Presidente que conhecem. 75% dos atuais 35 milhões de habitantes nasceram depois de Museveni ter subido ao poder em 1986. Em 2017, foi aprovada a lei que retira o limite de idade (75 anos) para concorrer à Presidência. Assim sendo, Museveni já pode concorrer ao sexto mandado, nas eleições de 2021.
Foto: picture alliance/AP Photo/B. Chol
República do Congo: Denis Sassou Nguesso
Foi também uma alteração à Constituição que permitiu que Denis Sassou Nguesso voltasse a candidatar-se e a vencer as eleições em 2016 na República do Congo (Brazzaville). Já são mais de 30 anos à frente do país, com uma pequena interrupção entre 1992 e 1997. Denis Sassou Nguesso nasceu no ano de 1943.
Foto: picture-alliance/AA/A. Landoulsi
Ruanda: Paul Kagame
Paul Kagame lidera o Ruanda desde 2000. Antes, já teve outros cargos influentes e foi líder da Frente Patrifótica Ruandesa (FPR), a força que venceu a guerra civil no Ruanda. Em 2017, Kagame ganhou as eleições com 98,8% dos votos. Assim poderá continuar no poder até, pelo menos, 2034. Assim ditou a consulta popular realizada em 2015 que acabou com o limite de dois mandatos presidenciais.
Foto: Imago/Zumapress/M. Brochstein
Burundi: Pierre Nkurunziza
Em 2005, Pierre Nkurunziza chegou ao poder no Burundi. Em 2015, o terceiro mandato de Nkurunziza gerou uma onda de protestos entre a população que, de acordo com o Tribunal Penal Internacional, terá causado cerca de 1.200 mortos e 400.000 refugiados. Em maio de 2018, teve lugar um referendo para alterar a Constituição, que permitiu ao Presidente continuar no cargo até 2034.
Foto: Reuters/E. Ngendakumana
Gabão: Ali Bongo Ondimba
Ali Bongo ainda está longe de quebrar o recorde do pai, que esteve 41 anos no poder, mas já vai no terceiro mandato, ganho em 2017, no meio de muita contestação. Em 2018, a Constituição do Gabão foi revista para acabar com o limite de mandatos. A nova versão da Constituição também aumentou os poderes do Presidente para tomar decisões unilateralmente.
Foto: Reuters/Reuters TV
Togo: Faure Gnassingbé
Em 2005, Faure Gnassingbé substituiu o pai, que liderou o país durante 38 anos. Ao contrário de outros países, o Togo não impunha um limite aos mandatos. Em 2017, após protestos da população contra a "dinastia" Gnassingbé, foi aprovada a lei que impõe um limite de mandatos. No entanto, a lei não tem efeitos retroativos, pelo que o ainda Presidente poderá disputar as próximas eleições, em 2020.
Foto: DW/N. Tadegnon
Argélia: Abdelaziz Bouteflika
Abdelaziz Bouteflika esteve 20 anos no poder na Argélia (1999-2019). Em 2013, sofreu um acidente vascular cerebral (AVC), mas nem a idade, nem o estado de saúde travaram o Presidente de anunciar que iria procurar um quinto mandato em 2019. Em abril de 2019, face a protestos públicos, anunciou a sua renúncia ao cargo. Nesta altura, já teve 82 anos de idade.