Moçambique: Estará Pemba ameaçada por grupos armados?
António Cascais
31 de agosto de 2020
O Serviço Nacional de Investigação Criminal em Cabo Delgado apresentou, na última semana, um suposto integrante do grupo de insurgentes na região. Para investigador ouvido pela DW África, "não há ponto imune em Pemba".
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O Serviço Nacional de Investigação Criminal (SERNIC) na província moçambicana de Cabo Delgado apresentou na última sexta-feira (28.08) à imprensa um suposto integrante do grupo de insurgentes que ataca aquela região do país desde 2017.
O indiciado terá sido apanhado com uma pasta contendo cinco armas do tipo AK47, carregadores e seis pares de fardamento militar, material que terá supostamente recebido de um outro indivíduo que passou pela região numa viatura de transporte de passageiros vindo do distrito de Mueda, a mais de 300 quilómetros de Pemba.
O diretor do SERNIC em Cabo Delgado, Ntego Crisanto Ntego, não tem dúvidas: trata-se de uma operação que visava movimentar armamento para Pemba pelo grupo armado, que tem feito ataques naquela região de Moçambique. "A história nos diz que os insurgentes, quando estão para entrar num território, primeiro fazem adiantar o equipamento (ou seja armas) e depois é que eles vêm [vestidos] à civil.
Sobre o assunto, A DW África falou com Calton Cadeado, investigador do Departamento de Paz e Segurança do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CEEI / ISRI).
DW África: O que é que os investigadores sabem sobre o 'modus operandi' dos insurgentes?
Calton Cadeado (CC): Pemba é hoje um local de grande valor político para este grupo de insurgente - para demonstrarem visibilidade e poder. Assim como Pemba, há outro ponto em Cabo Delgado, chamado Mueda, considerado bastião do poder político militar da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO). Uma vez atacado, significaria atacar o coração do poder do país. Esses são os elementos conhecidos para qualquer estratega que percebe que este grupo pretende atacar – para mostrar visibilidade e poder. Não há ponto imune em Pemba. Mas é preciso perceber de que maneira estes insurgentes, estes terroristas, atuarão. E onde escondem-se para fazerem os seus ataques. Até agora, quando atacam, eles têm usado as matas. Mas no espaço urbano, para uma guerrilha urbana, é preciso perceber até onde vai o grau de engajamento e atrevimento, para uma movimentação terrorista de ataques no espaço urbano.
DW África: Há especulações em torno dos líderes, dos financiadores e em torno dos próprios membros desses grupos armados - serão moçambicanos ou estrangeiros?
CC: Há uma mistura de nacionalidades. Estamos a falar de moçambicanos e de estrangeiros: tanzanianos, somalis, ugandeses. É o que se conhece até agora. Poucos sul-africanos, mas essa é uma especulação para a qual ainda não há evidências. A identidade dessas pessoas é importante para sabermos de onde elas vêm, mas não nos diz muito a respeito de suas ligações internacionais, para podermos falar de financiamento do grupo.
DW África: Tendo em conta os ataques que já sucederam, em que até foram derrubados helicópteros, de onde é que vem este armamento?
Moçambique: Estará Pemba ameaçada por grupos armados?
CC: É difícil dizer com precisão de onde vem o financiamento. De Moçambique, tínhamos informações, segundo as quais as pessoas usavam os mecanismos eletrónicos de circulação, de transferências e recebimentos de dinheiro. Parece que se conseguiu controlar isso. Tanto que o Estado moçambicano intensificou o seu mecanismo de controle de transferências, de circulação de moeda, por causa do branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo. Estamos a falar de recursos naturais – madeireiros, pedras preciosas, etc. Mas, sobre este tráfico, não se sabe dizer qual é a magnitude e quem o controla.
DW África: E as instâncias governamentais moçambicanas poderiam ter feito melhor no que diz respeito à cooperação internacional no combate ao terrorismo?
CC: Sabe-se que há uma comunicação muito forte entre o Estado moçambicano e a Tanzânia, pelo menos do ponto de vista de forças de defesa segurança. Estão a se reunir, com desconfianças de um lado e outro, mas estão a reunir-se. Afinal de contas, a ameaça em Moçambique também pode chegar à Tanzânia. Ao nível multilateral, da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), há uma dificuldade em fazer a cooperação. Hoje, a ameaça terrorista está localizada na província de Cabo Delgado e, próximo à Tanzânia, e é difícil convencer um forte engajamento do Botsuana, Malawi ou de Angola, que está distante. É difícil falarmos em cooperação. Mas os outros estão atentos ao que está a acontecer em Moçambique.
Cabo Delgado: Datas marcantes dos ataques armados
Começaram em outubro de 2017 em Mocímboa da Praia e já se alastraram a outros três distritos moçambicanos. Os ataques armados na província de Cabo Delgado, que somam já mais de 130 mortos, ainda não têm solução à vista.
Foto: DW/G. Sousa
Outubro de 2017
Os primeiros ataques de grupos armados desconhecidos na província de Cabo Delgado aconteceram no dia 5 de outubro de 2017 e tiveram como alvo três postos da polícia na vila de Mocímboa da Praia. Cinco pessoas morreram. Cerca de um mês depois, a 17 de novembro, as autoridades dão ordem de encerramento a algumas mesquitas por se suspeitar terem sido frequentadas por membros do grupo armado.
Foto: Privat
Dezembro de 2017
Surgem novos relatos de ataques nas aldeias de Mitumbate e Makulo, em Mocímboa da Praia. Na primeira semana de dezembro de 2017, terão sido assassinadas duas pessoas. Vários suspeitos foram identificados, tendo os moradores dado conta que os atacantes deram sinais de afiliação muçulmana. Por sua vez, a polícia desmentiu o envolvimento do grupo terrorista Al-Shabaab nestes ataques.
Foto: DW/G. Sousa
Janeiro a maio de 2018
Apesar de ter começado calmo, 2018 revelar-se-ia um ano de terror na província de Cabo Delgado com os ataques a alastrarem-se a mais distritos. Dada a gravidade da situação, a Assembleia da República aprovou, a 2 de maio, a Lei de Combate ao Terrorismo. Mas, no final do mês, dia 27, novos ataques foram realizados junto a Olumbi, distrito de Palma. Dez pessoas morreram, algumas decapitadas.
Foto: Privat
2 de junho de 2018
Dias mais tarde, a televisão STV dava conta que as forças de segurança moçambicanas haviam abatido, nas matas de Cabo Delgado, oito suspeitos de participação nos ataques. Foram ainda apreendidas catanas e uma metralhadora AK-47, além de comida e um passaporte tanzaniano. Por esta altura, já milhares de pessoas haviam abandonado as suas casas, temendo a repetição dos episódios de terror.
Foto: Borges Nhamire
4 de junho de 2018
Ainda se "festejava" os avanços na investigação das autoridades, e consequente abate dos suspeitos quando, a 4 e 7 de junho, se registaram novos incêndios nas aldeias de Naunde e Namaluco. Sete pessoas morreram e quatro ficaram feridas. Foram ainda destruídas 164 casas e quatro viaturas. O mesmo cenário voltou a repetir-se a 22 de junho: um novo ataque na aldeia de Maganja matou cinco pessoas.
Foto: Privat
29 de junho de 2018
Fortemente criticado por não se ter ainda pronunciado acerca dos ataques, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi resolve fazê-lo, em Palma, perante um mar de gente. Oito meses e 33 mortos [25 vítimas dos ataques e oito supostos atacantes] depois... Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção aos cidadãos e convidou os atacantes a dialogar consigo, de forma a resolver as suas "insatisfações".
Foto: privat
Agosto de 2018
Depois de, em julho, um novo ataque à aldeia de Macanca - Nhica do Rovuma, em Palma, ter feito mais quatro mortos, Filipe Nyusi desafiou, a 16 de agosto, os oficiais promovidos no exército, por indicação da RENAMO, a usarem a sua experiência no combate contra estes grupos armados que, mais tarde, a 24 do mesmo mês, tirariam a vida a mais duas pessoas, na aldeia de Cobre, distrito de Macomia.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Setembro de 2018
Setembro de 2018 voltava a ser um mês negro no norte de Moçambique. Ataques nas aldeias de Mocímboa da Praia, Ntoni e Ilala, em Macomia, deixaram pelo menos 15 mortos e dezenas de casas destruídas. No final do mês, o ministro da Defesa, Atanásio Mtumuke, afirmou que os homens armados responsáveis pelos ataques seriam "jovens expulsos de casa pelos pais".
Foto: Privat
Outubro de 2018
Um ano após o início dos ataques em Cabo Delgado, a polícia informou que os mais de 40 ataques ocorridos, haviam feito 90 mortos, 67 feridos e destruído milhares de casas. Foi também por esta altura que Filipe Nyusi anunciou a detenção de um cidadão estrangeiro suspeito de recrutar jovens para atacar as aldeias. No final do mês, começaram a ser julgados 180 suspeitos de envolvimento nos ataques.
Foto: privat
Novembro de 2018
Novos relatos de mortes macabras surgem na imprensa. Seis pessoas foram encontradas mortas com sinais de agressão com catana na aldeia de Pundanhar, em Palma. Dias depois, o cenário repetiu-se nas aldeias de Chicuaia Velha, Lukwamba e Litingina, distrito de Nangade. Balanço: 11 mortos. Em Pemba, o embaixador da União Europeia oferecia ajuda ao país.
Foto: Privat
6 de dezembro de 2018
A população do distrito de Nangade terá feito justiça pelas próprias mãos e morto três homens envolvidos nos ataques. Na altura, à DW, David Machimbuko, administrador do distrito de Palma, deu conta que "depois de um ataque, a população insurgiu-se e acabou por atingir alguns deles". Entretanto, o Ministério Público juntou mais nomes à lista dos arguidos neste caso. Entre eles está Andre Hanekom.
Foto: DW/N. Issufo
16 de dezembro de 2018
A 16 de dezembro, e após mais um ataque armado no distrito de Palma, que matou seis pessoas, entre as quais uma criança, Moçambique e Tanzânia anunciaram uma união de esforços no combate aos crimes transfronteiriços. 2018 chegava assim ao fim sem uma solução à vista para os ataques que já haviam feito, pelo menos, 115 mortos. O julgamento dos já acusados de envolvimento nos ataques continua.
Foto: privat
Janeiro de 2019
O novo ano não começou da melhor forma. Sete pessoas morreram quando um grupo armado intercetou uma carrinha de caixa aberta que transportava passageiros entre Palma e Mpundanhar. Na semana seguinte, outras sete pessoas foram assassinadas a tiro no Posto Administrativo de Ulumbi. Um comerciante foi ainda decapitado em Maganja, distrito de Palma, no passado dia 20.