As matas são agora as novas residências de centenas de deslocados, na sequência dos ataques de insurgentes. Nas vilas-fantasma, para muitos, o esforço de uma vida ficou reduzido a pó. Quem vela pelos deslocados internos?
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As ações destemidas e arrojadas dos insurgentes em Cabo Delgado fazem as manchetes da imprensa moçambicana e internacional. Tal como desencadeiam debates as estratégias do Governo, ou falta delas, a presença de mercenários estrangeiros e muitas outras coisas. Mas a desumanização crescente das vítimas dos insurgentes não vende tanto. Contudo, ela está lá, se não nas mãos dos insurgentes, está nas matas onde a população procura escapar à morte.
"Estou nas matas de Macomia e vim dar ao distrito de Meluco. Assim, não sei como posso regressar para o distrito de Macomia, porque dizem que os malfeitores já saíram de lá. Então, estou a tentar estabelecer comunicação com a minha família a ver se consigo transporte. Aqui em Meluco há transporte e dizem que em Macomia já ontem passaram carros", relata-nos Momade Buanali, nome fictício.
Nalguns momentos, perde a concentração, denunciando sinais de choque ou perturbação mental. As datas deixaram de lhe ser importantes, não se lembra exatamente do dia em que abandonou o único lugar onde sempre viveu. Mas adivinha que passem já cerca de quatro dias, quatro dias desprovido dos seus bens essenciais, como milhares de outros deslocados internos, contabilizados pelas autoridades.
Como sobrevivem os deslocados internos?
De que vivem Momade e muitos outros? "Desenrasca. Por exemplo, quando chegamos aqui na vila, a população fez uma contribuição de milho ao nível da população. A população leva as folhas de mandioqueira e dão às famílias para pilar e conseguirem ter caril", responde o deslocado.
Vítimas de ataques em Cabo Delgado em fuga pela vida
01:49
Abiba Salimo, assim vamos chamá-la, teve melhor sorte que Momade. Em janeiro de 2020, refugiou-se na capital da província, onde ainda não se ouve o cantar das armas. Em Pemba, a jovem de 29 anos conseguiu, graças à família que a acolheu, pôr os seus filhos de novo na escola.
Mas lamenta a perda dos frutos de uma vida: "Fiquei a perder muitas coisas, a minha casa, os meus bens... Estou aqui desalojada, a pedir um lugar para poder viver. Eles entravam à noite e nós éramos obrigados a sair com as nossas crianças e a dormir no mato. Assim, chegámos aqui via Lupite e alguns até vinham a pé".
Vilas fantasma
Os distritos preferenciais dos insurgentes começam a ser lugares fantasma. E as matas outrora fantasma passaram a ser casa de humanos. Tudo às avessas. Abiba Salimo conta que "muitos já saíram [de Quissanga] porque dizem que esses homens até agora estão a circular lá. Desaparecem por um tempo e depois voltam".
Também Momade Buanali diz o mesmo: "A maioria da população está a sair [das vilas alvo dos insurgentes]."
A luta pela sobrevivência já chegou ao ponto de fazer com que as pessoas se roubem umas às outras. É o salve-se quem puder, pois a Lei dos direitos humanos parece ser letra morta em Cabo Delgado. Quem assiste a esta gente?
Macomia: Uma das vilas mais destruídas pelo ciclone Kenneth em Moçambique
O distrito de Macomia é uma das vilas mais afetadas pela passagem do ciclone Kenneth em Cabo Delgado, província nortenha de Moçambique. Casas e infraestruturas do Estado foram destruídas ou parcialmente danificadas.
Foto: DW/A. Chissale
Cenário da destruição
A vila de Macomia, a norte da província de Cabo Delgado, em Moçambique, é uma das que mais regista prejuízos após a passagem do ciclone Kenneth, que chegou quinta-feira (25.04) à região. Em todos os bairros do distrito, o cenário é bem semelhante: casas bastante danificadas, pertences das vítimas espalhados e quase ninguém no local.
Foto: DW/A. Chissale
Árvores tombadas
Em todos os bairros há árvores, chapas de zinco que já foram telhados espalhadas por todo o lado, dobradas, prova de que foram arrancadas pela ventania.
Foto: DW/A. Chissale
Sem eletricidade
Além das árvores, também muitos postes de eletricidade foram tombados pelo ciclone Kenneth. O que piorou a situação dos residentes daquela localidade, que estão sem energia elétrica desde que a subestação elétrica que alimentava Macomia e outros quatro distritos também foi afetada pelo desastre.
Foto: DW/A. Chissale
Acesso prejudicado
As estradas que dão acesso ao distrito de Macomia estão bloqueadas por causa das árvores ou postes de energia que foram tombados, tal como esta na localidade de Chai. Também algumas pontes da região foram danificadas. Segundo o correspondente da DW África na região, Arlindo Chissale, a principal estrada que dá acesso à Tanzânia também está bloqueada.
Foto: DW/A. Chissale
"Mais de 60% das casas destruídas"
O correspondente da DW África, Arlindo Chissale, informou também que mais de 60% das residências de Macomia foram destruídas ou parcialmente danificadas após a passagem do ciclone Kenneth na região.
Foto: DW/A. Chissale
Maternidade danificada
Várias infraestruturas do Estado foram destruídas por árvores. Na foto, vê-se a maternidade da vila de Macombia parcilamente danificada.
Foto: DW/A. Chissale
Comando da polícia
Também o comando da polícia foi prejudicado após a queda de postes de eletricidade, fios elétricos e árvores. Também vê-se chapas de zinco espalhadas pelo vento. A polícia transferiu pelo menos 40 presos depois do ciclone, mas, por falta de comunicação, não há informação para onde os detentos foram levados.
Foto: DW/A. Chissale
Sede do Governo distrital
A sede do Governo local de Macomia teve o telhado parcialmente danificado. De acordo com o correspondente da DW no local, Arlindo Chissale, vários documentos foram danificados. Além deste edifício público, a bomba do principal posto de combustível da vila foi arrancada do chão, tal como o edifício de um dos principais bancos do distrito.
Foto: DW/A. Chissale
Difícil comunicação
Esta é a sede da rádio comunitária de Nacedje, em Macomia. O local também foi comprometido após a passagem do ciclone Kenneth. Outras infraestruturas de comunicação, tal como as antenas de telefonia móvel, também foram prejudicadas.