"Este silêncio sepulcral é que não diz bem do respeito que o Governo tem pela sociedade moçambicana e pelos seus eleitores", diz analista. E há também quem defenda que é hora de passar da defensiva para ofensiva.
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O crescente a vontade com que os insurgentes matam e destroem em Cabo Delgado, sem uma resposta ajustada, leva cidadãos a questionarem-se se a província ainda faz parte do Estado moçambicano.
Mas o Executivo matou dois coelhos de uma machadada só esta semana: realizou o conselho de ministros na capital provincial, acalmando parcialmente este grupo, e fez uma manifestação de força aos insurgentes que já mostraram que Pemba, o símbolo do poder governativo, lhes está a mão de semear.
Mas a esta altura de recrudescimento dos ataques, esta mensagem do Governo é a mais adequada?
"A resposta ajustada está na capacidade ofensiva. Se não colocarmos capacidade ofensiva robusta, perseguindo permanentemente [os insurgentes, não acabaremos com os ataques]. Não temos de ser nós a ser perseguidos como Estado, como Forças de Defesa e Segurança (FDS), são as FDS que tem de perseguir os diabólicos que estão a cometer esses atos bárbaros",responde Calton Cadeado, especialista em resolução de conflitos, paz e segurança.
Críticas ao silêncio sepulcral
Já o sociólogo Elísio Macamo diz que não tem como medir as ações do Governo de Filipe Nyusi. É que o silêncio das autoridades não lhe permite e ainda, a seu ver, abre espaço para posicionamentos indesejados.
"É difícil saber porque infelizmente o Governo não informa a ninguém. Não parece ter a preocupação de informar a sociedade sobre o que está a acontecer em Cabo Delgado, o que me parece irresponsável porque dá muito espaço para que se especule e a partir daí surjam várias notícias que possivelmente sejam falsas", diz o académico.
E Elísio Macamo prossegue com o tom acusador: "Agora, este silêncio sepulcral é que não diz bem do respeito que o Governo tem pela sociedade moçambicana e pelos seus próprios eleitores. É de uma irresponsabilidade e um indiferença que realmente são assustadores".
Em momento crítico população quer moralização ou ações?
E num comício, esta semana, em Cabo Delgado, o Presidente Filipe Nyusi pediu, mais uma vez, colaboração a população para ajudar a por termo aos ataques armados. Claramente o apelo enquadra-se numa estratégia de moralização e conquista de simpatias, mas o Governo dá sinais de não ter o controlo da situação.
Num contexto de intensificação de ataques faz sentido ter ainda como aposta principal a moralização?
Piers Pigou é pesquisador do International Crisis Group e entende que sim, que "é Compreensível, a inteligência é um fator importante em qualquer país palco de insurgência. Quando há insurgentes a viverem entre ou perto da população, conseguir a sua confiança é uma tática importante da sua estratégia".
Contudo sublinha um ponto negativo, "a dificuldade é que as populações são apanhadas no meio disso e vemos isso em muitas insurgências, são apanhadas entre as necessidades e exigências dos insurgentes e das FDS e do Governo. Portanto, é compreensível que o Governo peça engajamento as comunidades e insistência".
Baixa confiança nas FDS e a (in)capacidade do Estado
Mas para Piers só faz sentido a campanha de moralização mediante determinadas condições: "Têm de fazer mais para conquistar o coração dessas pessoas, garantir que tenham confiança, segurança, para que elas possam ter esse engajamento que lhes pedem. De momento, a confiança nas FDS é diminuta. Será difícil o cometimento para que, nalgumas áreas, as comunidades se aproximem e sejam proativas."
Mas antes de mais é preciso que as FDS passem da defensiva para a ofensiva, insiste Calton Cadeado. Só que o especialista em segurança tem dúvidas quanto a um aspeto: "Agora, a pergunta que se coloca é: o Estado tem ou não essa capacidade ofensiva? Quando ouvimos o discurso do atual ministro do Interior [no dia 3 de fevereiro], ele deu a entender que ainda não esgotamos todas as nossas capacidades."
Porque o Governo não revela o que sabe?
Ataques em Cabo Delgado: O silêncio ensurdecedor do Governo
Neste conflito, se tem questionado a competência da inteligência. Mas Cadeado desvaloriza as críticas, tomando como base o fato de Filipe Nyusi ter dito publicamente que a insurgência tem origem endógena e exógena. Estar na posse dessa informação anularia potenciais fragilidades da secreta.
Contudo, deixa dúvidas: terão as autoridades moçambicanas medo dos cabeças da insurgência ou aguardam pelo momento certo para uma revelação? A resposta não é para já. Mas o que se advinha para Cabo Delgado a longo prazo?
Cooperação regional e combate à exclusão são determinantes
O pesquisador do International Crisis Group diz que "depende de como o Governo vai responder. Vemos que está a dar mais atenção a situação. Não está claro com que tipo de recursos contam, que tipo de assistência recebem de países vizinhos, vimos, no ano passado, o Presidente Nyusi em consultas com alegados especialistas de inteligência da Tanzânia e do Malawi".
Mas Pigou alerta que as medidas devem ser conjugadas: "Dependerá de um esforço conjunto e se há recursos suficientes no terreno para lidar com as questões de segurança, mas isso tem de ser complementado por um desenvolvimento social e económico, um plano estratégico que lide com a marginalização e exclusão que parecem ser uma das grandes causas do recrutamento."
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".