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PolíticaSão Tomé e Príncipe

Intentona em São Tomé: "CPLP não deve ficar calada"

26 de novembro de 2022

Os acontecimentos que sucederam a aludida tentativa de golpe de Estado em São Tomé e Príncipe deixaram inquietos os são-tomenses radicados em Portugal. Analista defende uma investigação internacional independente.

Arlécio Costa, antigo oficial do 'batalhão Búfalo' que foi condenado em 2009 por uma tentativa de golpe de Estado, alegadamente identificados pelos atacantes como mandantes. Foto: Ramusel Graça/DW

É com "grande preocupação" que Inocência Mata, professora na Faculdade de Letras da Universidade Nova de Lisboa, reage ao que se passa em São Tomé e Príncipe. Em declarações à DW, a académica são-tomense lamenta a morte de pessoas antes detidas para interrogatório. "O Arlécio Costa foi detido, nas palavras do primeiro-ministro [Patrice Trovoada], e apareceu [depois] morto", afirma.  

"Claramente, foi executado", diz convicta Inocência Mata que, perante os acontecimentos, critica a postura do representante das Nações Unidas em São Tomé por imediatamente ter elogiado o Governo, os militares e as instituições judiciais. "O que é que os militares e as instituições judiciais têm a ver com isso quando é o Patrice Trovoada quem passa por cima do Presidente, da Assembleia da República e dos tribunais a comandar as operações, pelos vistos, para silenciar os adversários que ele transforma sempre em inimigos".  

Explicar o inexplicável 

Durante a madrugada de sexta-feira (26.11), quatro homens, civis, atacaram o quartel militar em São Tomé, numa ação que o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, descreveu como "uma tentativa de golpe de Estado".  Dos quatro atacantes, três morreram, bem como o suspeito Arcélio Costa, que tinha sido levado pelos militares para o quartel às primeiras horas da manhã de sexta-feira, disse fonte ligada ao processo. 

Inocência Mata discorda tratar-se de uma tentativa de golpe de Estado e pede que "muitas coisas ainda têm que ser explicadas". Questiona, por exemplo, "como é que quatro civis jovens, entre 22 e 24 anos, invadem um quartel e aparecem completamente dominados, de mãos atadas, e depois sãoexibidos mortos?"

"A CPLP não pode ficar calada", adverte a académica são-tomense, para quem João Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, não pode ficar apenas preocupado. "Se ele tem alguma ascendência sobre os governantes em São Tomé e Príncipe", adianta a professora, Cravinho deve "interpelar o Presidente da República, a Assembleia da República e os tribunais". Patrice Trovoada – acrescenta – "não tem que assumir-se como dono do país e, em conferência de imprensa, tentar explicar o inexplicável". 

Inocência Mata (à esq.) Foto: DW/J. Carlos

Na passada sexta-feira (25/11), o chefe da diplomacia portuguesa condenou a "perturbadora" tentativa de golpe de Estado ocorrida de madrugada em São Tomé, tendo apelado a que a ordem constitucional seja "respeitada absolutamente por todos". 

Interrogações em busca de respostas 

Ao início da manhã de sexta-feira, os militares detiveram, nas suas respetivas casas, o ex-presidente da Assembleia Nacional Delfim Neves, atualmente deputado pelo movimento Basta, e Arlécio Costa, antigo oficial do 'batalhão Búfalo' que foi condenado em 2009 por uma tentativa de golpe de Estado, alegadamente identificados pelos atacantes como mandantes.

Danilo Salvaterra sustenta que, perante as fotos postas a circular nas redes sociais, se torna premente uma investigação internacional independente para apurar os factos e responsabilizar os mentores do que qualifica de "massacre". "Penso que a história recente não se lembra de um cenário tão macabro, tão impossível de justificar como este que nós vimos acontecer em São Tomé e Príncipe", refere. 

O analista político e social são-tomense afirma que, "cada vez que o assunto é explicado mais difícil se torna entender" o que se passou depois da tentativa ocorrida naquela madrugada. Por isso, interroga: "como é que quatro civis, um deles idoso e todos eles desarmados, entram no quartel das Forças Armadas às 10 horas da noite para dar um golpe de Estado?". 

Danilo Salvaterra questiona outro pormenor: "como é que um combate de duas forças, que dura cerca de seis horas, não tenha produzido feridos de nenhuma das partes?". O analista também é de opinião que "alguém tem que explicar todos estes assuntos". 

Cinco pessoas morreram na alegada tentativa de golpe de Estado em São ToméFoto: Ramusel Graca/DW

Para Elias Costa, já não está em causa que Patrice Trovoada ganhou as eleições legislativas de 25 de setembro deste ano com maioria absoluta e que a vitória foi facilmente validada pelo Tribunal Constitucional. "Isso não serve mais de argumento para justificar uma suposta tentativa de golpe de Estado em São Tomé e Príncipe", reage também em declarações à DW.  

Na opinião deste empresário e analista político, "esta situação só prejudica o país", considerando que "o povo são-tomense está há 47 anos à espera de soluções imediatas para os problemas da fome, do desemprego e da miséria". 

Educação cívica  e respeito pela vida 

As imagens que circularam para fora do país, através das redes sociais, traduzem um grande desrespeito pelas famílias das vítimas dos recentes acontecimentos em São Tomé e Príncipe. É o que pensa Ilidiacolina Fátima Vera Cruz, presidente da Men Nón (Associação das Mulheres de São Tomé e Príncipe em Portugal), que expressa"muita tristeza" face à ocorrência, sobretudo por estar em causa a perda decinco vidas humanas.  

Para a dirigente associativa, é fundamental o respeito pelo direito à vida, ocasião que aproveita para lembrar como tem sido preocupante a degradação de valores, o desrespeito pela família, pela Nação e pela coisa pública no arquipélago. 

Vera Cruz, licenciada em Planeamento de Desenvolvimento Turístico, considera que "uma das coisas urgentes" a implementar no país é a educação cívica e moral desde o ensino básico. "E quem sabe retomarmos também a educação de adultos", porque no seu entender "tudo gira à volta do desconhecimento das regras e das leis" que regem São Tomé e Príncipe.  

"O país está entregue à sua própria sorte", constata, aconselhando o uso de todos os meios necessários, independentemente do Governo no poder, para educar as pessoas a respeitarem a Nação, a Constituição e a coisa pública. A dirigente da Men Nón insiste que é urgente resgatar os valores educacionais, do respeito e de bem-estar social e ambiental. 

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