Especialistas previam em 2015 um desenvolvimento que beneficiaria a maior parte da população devido aos recursos naturais de Moçambique. Economistas não duvidam que regressão tem que ver com interesses da elite política.
Publicidade
Há cerca de oito anos, havia quem acreditasse que o desenvolvimento económico de Moçambique iria beneficiar a maior parte da população graças à descoberta de recursos naturais.
Chegados a 2023, o que se verifica é o contrário. O Estado já nem consegue pagar a dívida interna, que se situa nos cinco mil milhões de dólares e está acima do Produto Interno Bruto (PIB).
O economista Elcídio Bachita aponta os culpados desta situação: "Existem dirigentes que a nível do Estado, ao nível do Governo usam o seu poder para servirem os seus próprios interesses e não para servir ao povo, razão pela qual existe este fosso elevado entre o pobre e o rico."
Estrela Charles, economista e investigadora do Centro de Integridade Pública (CIP), aponta o dedo às elites. "Temos uma indústria extrativa que só beneficia os proprietários que têm as licenças de exploração que são pessoas também ligadas à elite política do nosso país e estamos a ver uma indústria extrativa que não beneficia diretamente a população" , critica.
Elcídio Bachita estranha que numa altura em que se registam cada vez mais pobres em Moçambique continuem a surgir milionários. "Continuamos com a maior parte da população pobre e a situação tem vindo a deteriorar-se a cada dia que passa porque o poder de compra está a baixar para a maior parte da população moçambicana", diz.
Mais ricos beneficiados
A economista Estrela Charles cita números das desigualdades entre ricos e pobres em Moçambique: "Os 10% da população mais pobre consomem apenas 0,9% daquilo que é produzido a nível de Moçambique e os outros 10% dos mais ricos consomem cerca de 43 %, significa que tudo o que nós produzimos beneficia aqueles que tem um rendimento mais alto."
O problema, diz Elcídio Bachita, passa pela fraca participação do empresariado nacional no setor extrativo.
"O que faz com que o Estado moçambicano tenha um menor poder de negociação em relação aos estrangeiros e as elevadas concessões de isenções ou incentivos fiscais faz com que o estado ou os moçambicanos não beneficiem da indústria extrativa, que tem registado um crescimento assinalável dentro da economia nacional", explica.
"Em termos de impostos, cobrar mais aos que têm e menos aos que não têm e poder tentar equilibrar. É o Estado que deve neste momento, com os impostos que cobra, criar condições nos setores sociais", sugere Estrela Charles.
Moçambique: População lamenta fraco retorno da exploração mineira em Nampula
A Kenmare é uma das multinacionais que explora minérios no distrito de Larde, outrora Moma. Apesar da crise, a sua produção nunca parou. No entanto, a população queixa-se da falta de oportunidades e infraestruturas.
Foto: DW/S. Lutxeque
Mititicoma: um bairro de reassentamento
Com o início da sua atividade, a multinacional irlandesa Kenmare viu-se obrigada a reassentar milhares de famílias. Mititicoma é um dos populosos bairros de reassentamento, onde vivem mais de cinco dos cerca de 27 mil habitantes de toda a localidade de Topuito. Nos dias de hoje, cada casa destas pode custar dois milhões de meticais (cerca de 28 mil euros) mas, na altura, o preço foi inferior.
Foto: DW/S. Lutxeque
Negócios e melhoria de vida
Em Topuito, no distrito de Larde, emergem novas infraestruturas socioeconómicas. Muitos comerciantes que hoje vivem com pequenos "luxos", iniciaram a atividade com um pequeno financiamento da Kenmare que, na altura, não passava dos 200 mil meticais (cerca de 2900 euros) por cada pessoa.
Foto: DW/S. Lutxeque
À beira da falência
Amade Francisco, de 25 anos, é natural de Topuito, onde ainda vive. Encontrou no comércio uma forma de combater o desemprego. Mas, neste período de crise financeira do país, tem receio de ir à falência. "Iniciei o negócio em 2014, através de um empréstimo na Kenmare no valor de 120 mil meticais (cerca de 1745 euros). Já os reembolsei porque [antes] havia muita clientela, agora não".
Foto: DW/S. Lutxeque
Nativos excluídos
O desemprego está a afetar milhares de cidadãos de Topuito. As principais "vítimas", diz Saíde Ussene, são os jovens nativos e ele é um exemplo. Afirma que já tentou, mas sem sucesso, arranjar emprego na Kenmare, pois eles "preferem os cidadãos de Maputo aos nativos". "E nós onde vamos trabalhar se não temos dinheiro para subornar?", questiona o jovem moto-taxista.
Foto: DW/S. Lutxeque
Trocar a pesca pela agricultura
Ainda assim, continua a haver quem potencie o seu próprio emprego. Chiquinho Nampakhiriwa é um dos jovens que aguardava pela sorte de trabalhar na mineradora. Dedicava-se à pesca, mas decidiu trocar o anzol pela enxada e trabalhar na terra. Hoje fornece vegetais e legumes à Kenmare, apesar de ser em pouca quantidade. Também foi a empresa que o financiou incialmente.
Foto: DW/S. Lutxeque
Casamentos prematuros e pobreza
Fátima Ismael tem 17 anos e já é mãe. Vive no bairro de Nalokho, em Topuito e, devido à pobreza, viu-se forçada a ignorar os apelos do governo acerca dos casamentos prematuros. "Casei-me cedo porque não tinha condições [financeiras e materiais] de continuar a estudar. Mas estou feliz com o meu esposo", disse.
Foto: DW/S. Lutxeque
Falta de infraestruturas
Apesar da abundância de recursos minerais, Topuito continua, dez anos após o início da atividade deste tipo de empresas, com um rosto pacato e empobrecido. Existem muitos bairros, dentro da localidade, que têm falta de várias coisas, entre elas infraestruturas socioeconómicas. O bairro de Nalokho é exemplo disso.
Foto: DW/S. Lutxeque
Maus acessos
Entre as preocupações dos residentes do distrito de Larde está a degradação das vias de acesso e a falta da ponte sobre o rio Larde. As estradas que dão acesso à localidade de Topuito, como é visível na imagem, estão em más condições.
Foto: DW/S. Lutxeque
Kenmare minimiza problemas
Regina Macuacua é responsável da área social da Kenmare. Segundo esta responsável, a vida [da população] melhorou significativamente com a chegada da multinacional. "Hoje muitos residentes têm casas melhoradas, carros, há corrente elétrica. Continuamos a prover água e financiamos projetos", afirmou à DW, sem revelar os ganhos dos últimos dois anos.
Foto: DW/S. Lutxeque
Oscilação de preços no mercado
Sabe-se que a internacional irlandesa Kenmare, que explora e comercializa zircão, rutilo, ilmenite, entre outros produtos mineiros, conheceu alguns momentos de "pouca glória" com a oscilação dos preços no mercado internacional, desde 2009.