Inundações em Moçambique: Falta "estratégia política"
Carlos Matsinhe (Xai-Xai)
9 de fevereiro de 2017
As cheias do rio Limpopo, em Gaza, obrigaram à retirada de 1170 pessoas das suas residências para zonas mais seguras. Analista diz que solução para os problemas cíclicos de inundações passa pela construção de represas.
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Na província de Gaza, sul de Moçambique, a bacia hidrográfica do Limpopo transbordou. Como consequência estradas ficaram cortadas e campos agrícolas já semeados foram inundados.
Uma forte onda hídrica, de quatro mil metros cúbicos por segundo, atinge, desde a semana passada, os distritos de Chokwé, Chibuto, Chicualacuala, Guijá e Mabalane.
A subida do nível das águas do Limpopo está a destruir as alternativas de sobrevivência de uma parte das 224 mil pessoas afetadas pela fome em Gaza, na sequência da estiagem severa dos últimos dois anos.
Avisos atempados
No povoado de Chiduachine, muitas pessoas, por viverem em zonas de risco, foram forçadas a abandonar as suas habitações com o transbordo do rio Limpopo.
José Ussivane sublinha que, este ano, a população foi prevenida a tempo. "Acabamos vivendo nestas zonas de risco, porque é onde praticamos a agricultura, criamos os nossos animais. Este ano pelo menos fomos informados a tempo desta onda e conseguimos sair com os nossos bens", conta.
Ussivane, de 43 anos, deixa ainda um pedido às autoridades: "Queremos que o Governo nos crie condições de melhorar a água porque os poços foram atingidos pelas inundações."
Até ao momento, nenhuma família precisou de ser deslocada para centros de acomodação, segundo Manuel Machaieie, delegado do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades em Gaza.
Cheias podem repetir-se
As estradas Guijá-Mabalane, Guijá- hivonguene, Guijá-Chibuto e Chibuto- Chissano estão cortadas. A travessia é assegurada por embarcações a motor e a remo. Manuel Machaieie, do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC), avisa que as populações devem continuar atentas.
"Continuamos a apelar às populações que vivem nas zonas de risco de inundações ou cheias que se devem retirar da zona de risco porque ainda estamos no meio do segundo período da época chuvosa. Significa que podemos [voltar a] ter situações similares às que tivemos agora", alerta.
Manuel Machaieie reitera que a população deve continuar a "fixar-se nas zonas seguras ou em casa dos familiares”, levando "aquilo que têm para usar onde estiverem."
Represas como solução
Para Carlos Mhula, analista social em Gaza, os problemas cíclicos de inundações e seca devem-se à "falta de estratégia" dos decisores políticos para uma zona tão arável como o vale do Limpopo.
Na opinião do analista, a solução passa pela construção de represas ao longo dos rios que atravessam a província do sul de Moçambique. "Com as represas podemos ter água que pode fazer com que os animais sobrevivam, as pessoas façam alguma produção agrícola. Isso é falta de estratégia, de imaginação", afirma.
Problemas cíclicos de inundações em Moçambique devem-se a falta de estratégia política, diz analista
Carlos Mhula dá ainda o exemplo da África do Sul e do Zimbabué que "vivem de represas", sublinha. "Nós não podemos fugir disso", constata.
Para o analista, o projeto em carteira de construção de uma barragem na Bacia do Limpopo, no distrito de Mapai, é bem-vindo. Ainda assim, Mhula sublinha que essa pode não ser a solução, perante o fenómeno das mudanças climáticas, caracterizado por secas severas e, por vezes, chuvas acima do normal.
A barragem de Massingir, na província de Gaza, pode ser um exemplo: ficou mais de dois anos sem água para irrigar campos agrícolas. Os efeitos não seriam tão drásticos, segundo o analista social Carlos Mhula, se houvesse ao longo Limpopo pequenas represas.
Mudanças climáticas: motivo de mais chuvas e inundações na Beira
A Beira está ameaçada pelas alterações climáticas. A segunda maior cidade de Moçambique tem de se adaptar, já que as inundações são cada vez mais frequentes. Para isso, conta com o apoio da Alemanha.
Foto: DW/J. Beck
A força do mar
O quebra-mar destruído no bairro das Palmeiras mostra a força das ondas do Oceano Índico, na costa da Beira, a segunda maior cidade de Moçambique. Mesmo em condições normais, o nível do mar varia sete metros entre maré baixa e maré alta. Quando há ciclones e ondas criadas por tempestades, essa diferença é ainda maior. E as mudanças climáticas elevam ainda mais o nível do mar.
Foto: DW/J. Beck
Bairros inteiros ameaçados
Alguns bairros da cidade da Beira já estão tão perto do mar que algumas casas já nem podem ser habitadas. É o que acontece em Ponta-Gêa e Praia Nova. As residências já foram parcialmente destruídas pelas ondas. Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC), o nível do mar deverá subir de 40 a 80 centímetros até 2100.
Foto: DW/A. Sebastiao
Aposta na proteção
Novos canais e mais cancelas, como aqui no bairro das Palmeiras, deverão proteger a Beira de inundações nas partes baixas da cidade. Em caso de chuvas fortes, a cancela abre-se e auxilia na drenagem da água. Até agora, a água das chuvas ficava acumulada - por vezes durante semanas. Um local ideal para a reprodução dos mosquitos transmissores de malária.
Foto: DW/J. Beck
Centro da cidade protegido de inundações
Está a ser construída mais uma cancela perto do porto de pesca. A ideia é melhorar o controlo da entrada e saída das águas na foz do rio Chiveve. O canal de entrada no porto já não precisará de ser dragado com tanta frequência. O projeto de cooperação para o desenvolvimento é financiado pelo banco estatal alemão de desenvolvimento KfW. O valor é 13 milhões de euros.
Foto: DW/J. Beck
Daviz Simango quer mudar a Beira
A luta do edil Daviz Simango para conseguir o dinheiro necessário para a transformação do rio Chiveve levou mais de cinco anos. O presidente da Câmara da Beira, que é do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), da oposição, queixou-se várias vezes da falta de apoio do Governo de Maputo.
Foto: DW/J. Beck
Limpar e mudar o percurso do rio
O rio Chiveve deverá ser limpo e o seu percurso mudado, de forma a passar por um parque urbano. A ideia é que o rio assuma melhor o seu papel natural na drenagem da cidade. Isso protegerá a Beira de inundações, após fortes chuvas, ajudando também a cidade a adaptar-se às mudanças climáticas.
Foto: DW/J. Beck
Área verde no centro da cidade
Depois do rio, a próxima fase do projeto será fazer um parque em torno do Chiveve. O rio é o único espaço verde no centro da cidade da Beira, que tem cerca de 600 mil habitantes - o que a torna a segunda maior cidade de Moçambique. Localizada no centro do país, a Beira tem sido considerada cinzenta e desinteressante.
Foto: DW/J. Beck
Arborizar os mangais
Para fazer as planeadas mudanças no rio, foi necessário retirar muitas árvores dos mangais. Por isso, é necessário um reflorestamento após o final do projeto. Mudas de diferentes espécies já estão a ser cultivadas para esse fim. Elas são muito importantes para a preservação do ecossistema local. Apenas estas espécies sobrevivem tanto em água doce quanto salgada.
Foto: DW/J. Beck
Construtora chinesa
A empresa chinesa CHICO (China Henan International Cooperation Group ) venceu o concurso para pôr em prática os planos para o rio Chiveve. Os meios vêm do banco estatal alemão de desenvolvimento KfW e da cidade da Beira. Além de engenheiros chineses, a CHICO também emprega diversos moçambicanos, tanto homens como mulheres.
Foto: DW/J. Beck
Poluição no rio continua
O projeto de limpeza no rio Chiveve pode estar ameaçado. Não muito longe do centro fica o bairro informal do Goto. Parte do lixo e esgotos dos quase 12 mil habitantes dessa localidade vão parar ao rio. A tão sonhada área verde poderá nunca existir.
Foto: DW/J. Beck
Recolha do lixo com carrinhos de mão
Com a ajuda da agência alemã do desenvolvimento GIZ, a Beira implantou um sistema de recolha de lixo no bairro do Goto. Até agora, os moradores tinham que levar o lixo para os arredores do bairro, para depositá-lo em contentores próprios. Agora, funcionários munidos de carrinhos de mão vão até às ruas estreitas do bairro e recolhem-no. O objetivo é que menos lixo vá parar ao rio.
Foto: DW/J. Beck
Adaptação às alterações climáticas, saúde e parque
No entanto, ainda é difícil imaginar como o Chiveve estará após a finalização do projeto em 2016. Se tudo correr bem, a Beira estará mais preparada para lidar com as mudanças climáticas e sofrerá menos com doenças como a malária. Além disso, o centro seria mais bonito com áreas arborizadas e um parque em torno do Chiveve.