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DesastresLíbia

Inundações na Líbia: "Há muita raiva" contra as autoridades

Jennifer Holleis
19 de setembro de 2023

Apesar dos apelos públicos à responsabilização após as inundações em Derna, na Líbia, os observadores têm poucas esperanças de que o Governo apoiado pelos militares faça outra coisa senão garantir o seu próprio poder.

Milhares de manifestantes pediram na segunda-feira que houvesse responsabilização pelas enchentes que mataram mais de 11.000 pessoas na regiãoFoto: Zohra Bensemra/REUTERS

Os líbios da cidade de Derna começaram a sair às ruas. Na tarde de segunda-feira (18.09), milhares de pessoas pediram a responsabilização dos líderes militares e expressaram a sua fúria pelo que consideram ser uma má gestão por parte das autoridades regionais, depois de as inundações que assolaram a região na semana passada terem matado pelo menos 11.300 pessoas. Cerca de 10 mil continuam desaparecidas.

Durante horas, os manifestantes gritaram "Aguila, não te queremos! Todos os líbios são irmãos!" na praça central Sahaba, em Derna. A população em protesto exige compensações pelas perdas decorrentes das enchentes e pede que grupos internacionais supervisionem a reconstrução da cidade devastada.

"Há muita raiva em relação ao Parlamento [oriental], pois demorou quatro dias para se reunir e, então, o presidente da Câmara dos Representantes da Líbia [Aguila Saleh] realmente criticou os líbios por ousarem culpar os políticos e por ousarem questionar o que aconteceu", comentou à DW Tarek Megerisi, investigador líbio no Conselho Europeu de Relações Internacionais (ECFR).

Colapso das barragens

Na semana passada, Saleh disse que a inundação foi um "ato de Deus" e que os políticos não eram culpados pelo sucedido. No entanto, vários relatórios já vieram confirmar que as barragens, cujo colapso causou inundações devastadoras, não eram alvo de manutenções há vários anos.

No ano passado, Abdelwanees Ashoor, professor de engenharia civil, escreveu num artigo científico publicado pela Universidade Sabha o seguinte: "Em caso de uma grande inundação, as consequências serão desastrosas para os residentes do vale e da cidade".

Foi exatamente isso que aconteceu no dia 11 de setembro, depois de chuvas torrenciais terem causado o colapso de duas barragens nos arredores de Derna. A inundação destruiu um quarto da cidade costeira.

Pessoas relatam um cheiro insuportável a cadáver em toda a cidade de Derna Foto: Zohra Bensemra/REUTERS

Enquanto equipas de apoio internacionais continuam a procurar corpos, as organizações de saúde alertam para o risco das minas terrestres desenterradas e para a disseminação de doenças como a cólera.

Bodes expiatórios políticos

Entretanto, al-Sediq al-Sour, o procurador da administração oriental da Líbia, suspendeu o presidente da Câmara de Derna, Abdel Moneim al-Gaithi, enquanto decorrem investigações.

Os observadores, porém, não atribuem muito peso a esta medida, uma vez que a administração é conhecida pelo seu nepotismo. "E Al-Gaithi é familiar do presidente do Parlamento, Aguila Saleh", diz Megerisi à DW.

Sami Hamdi, diretor da empresa especializada em riscos International Interest, com sede em Londres, vê "poucos sinais de que haverá qualquer responsabilização".

Mas a falta de confiança nas instituições públicas pode levar os manifestantes a fazer justiça pelas próprias mãos. Na noite de segunda-feira, um grupo de pessoas incendiou a casa do presidente da Câmara de Derna, relata a agência de notícias Reuters. Por outro lado, o anúncio de um fundo de reconstrução, a ser gerido pelo autarca, por Aguila Saleh e por Saddam Haftar, filho do marechal líbio Khalifa Haftar, também pode ter enfurecido a população.

Autoridades desinfetam ruas de Derna para mitigar disseminação de doenças transmissíveisFoto: KARIM SAHIB/AFP

De acordo com a organização de direitos humanos Amnistia Internacional, as forças comandadas por Saddam Haftar têm sido responsáveis por um "catálogo de horrores" contra civis líbios desde 2016.

Além disso, esses três homens foram responsáveis por outro fundo de reconstrução: "Eles estavam encarregados do fundo para reconstruir Derna após a guerra do general Haftar contra o Estado Islâmico em 2018 e 2019", lembra Megerisi. Esse mesmo fundo, no entanto, desapareceu sem apresentar trabalho feito, acrescenta.

Esta visão é confirmada pelo antigo chefe da Missão de Apoio da ONU na Líbia (UNSMIL), Ghassan Salamé, que concluiu em 2018 que "as agendas predatórias individuais continuam a prevalecer à custa do bem coletivo".

Em 2022, a organização não-governamental Transparência Internacional classificou a Líbia na 171ª posição entre 180 países no seu Índice de Percepção de Corrupção.

Repressão política

Dado que a cidade de Derna, atingida pela catástrofe, está sob a administração do primeiro-ministro Ossama Hamad, que é apoiado pelo poderoso marechal Khalifa Haftar, um homem conhecido por reprimir impiedosamente a dissidência, os observadores não têm esperança de que as exigências dos manifestantes sejam ouvidas.

"A opinião popular não é considerada de particular importância entre as milícias ou fações políticas", considerou Sami Hamdi à DW, acrescentando que "há um consenso entre as fações políticas de que todas são coletivamente impopulares entre os líbios e o eleitorado líbio".

Se os protestos continuarem, os observadores não descartam a repressão violenta dos manifestantes. "Os políticos e as elites estão muito conscientes da raiva crescente e já estão a reagir", adverte Megerisi.

Além disso, Wolfram Lachner, investigador do Instituto para Assuntos Internacionais e de Segurança, um centro de pesquisa alemão, alertou na segunda-feira nas redes sociais que as forças de segurança líbias interromperam a transmissão de uma entrevista depois de a pessoa entrevistada criticar o presidente da Câmara de Derna e o líder do Parlamento, Aguila Saleh.

Entretanto, vários jornalistas foram expulsos da região. O repórter líbio Mohammed Elgrj informou na rede social X, o antigo Twitter, que houve ordens superiores para "retirar as equipas jornalísticas da cidade de Derna", tal como explica uma outra profissional no terreno.

O investigador líbio Tarek Megerisi não tem esperança de que a fúria do povo possa levar a uma colaboração frutífera entre os grupos rivais que ditam a divisão política do país.

"Se há uma coisa em que Haftar e os políticos líbios são bons é em suprimir a raiva, prender pessoas por ousarem protestar e enfrentar tempestades políticas", admitiu à DW.