Simão Zacarias, distinguido com o Prémio Global de Inovação em Aquacultura 2020, pede um maior investimento na investigação em Moçambique. Em entrevista à DW, defende políticas e estratégias mais claras para o setor.
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O pesquisador moçambicano Simão Zacarias, do Instituto de Aquacultura da Universidade de Stirling, na Escócia, venceu o Prémio Global de Inovação em Aquacultura 2020, atribuído pela Global Aquaculture Alliance (GAA), uma organização não-governamental com sede nos Estados Unidos.
Aos 31 anos de idade, Simão Zacarias é o primeiro moçambicano e africano a vencer este prémio. O académico foi escolhido num universo de 30 concorrentes, oriundos de 17 países, nomeadamente Bélgica, Canadá, Chile, Dinamarca, Índia, Indonésia, Israel, Malásia, México, Holanda, Noruega, Panamá, Espanha, Reino Unido, Estados Unidos, Tanzânia e Tailândia.
Nascido no Bairro da Manga, arredores da cidade da Beira, Simão Zacarias é licenciado em Biologia Marinha pela Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo, e mestre em Aquacultura pela Universidade de Santa Catarina, no Brasil. Concorreu ao prémio da Universidade de Stirling com o estudo "A robustez/resistência do camarão a enfermidades melhora sem uso da ablação ocular".
Em entrevista à DW África, o investigador diz sentir-se orgulhoso pelo galardão, porque é fruto do esforço que tem vindo a fazer desde a infância, "principalmente quando se vem de uma família humilde", destaca. Zacarias apela ao Governo moçambicano para que aposte seriamente na investigação no setor de aquacultura.
DW África: O que é que esta distinção representa para si?
Simão Zacarias (SZ): Este prémio representa um dos maiores sonhos que já alcancei na vida e é também o resultado do esforço que tenho feito desde a minha infância. Principalmente quando você sai de uma família humilde e tem de lutar pela vida. E para o país é o primeiro africano e moçambicano a ganhar este prémio. Então, devo estar muito orgulhoso disso, mostrando que no país existe gente que se, existirem condições apropriadas para promover a investigação e inovação, é possível se alcançar este tipo de prémios.
DW África: O facto de ter sido eleito num universo de mais de 30 candidatos representa um grande desafio ou não?
SZ: Realmente, representa. Esse é um prémio muito concorrido. Geralmente concorrem a este prémio empresas e/ou organizações. E raramente pessoas singulares conseguem ser selecionadas entre os três finalistas. Então, é um desafio enorme. No princípio parecia ser impossível, mas no final, quando você consegue apresentar algo inovador e que responde às questões atuais ou modernas na indústria de aquacultura, acaba vencendo o prémio, assim como eu fiz.
DW África: E quais são os próximos projetos que está a preparar para o sector de aqualcutura?
SZ: Esse prémio é algo que vem daquilo que fiz durante as minhas pesquisas de doutoramento, nas quais estive muito preocupado na melhoria das boas práticas no bem-estar do cultivo [produção em tanques] do camarão. Nas várias pesquisas que fiz, uma delas aborda a sanidade, porque na aquacultura, principalmente na indústria do camarão, o grande problema tem a ver com as enfermidades. E a minha pesquisa foi selecionada exatamente por causa das soluções que apresentei para ajudar no combate das doenças na indústria do camarão. Depois deste prémio, a ideia é continuar a trabalhar nas questões de inovações na aquacultura, trazendo outras soluções para o setor, porque o setor ainda tem muito desafios.
DW África: Qual é a "varinha mágica" em termos de soluções para combater as enfermidades na produção do camarão em Moçambique?
SZ: Na verdade, o que devemos fazer é nos adaptar e saber conviver com as enfermidades. É o que a indústria do camarão está a fazer o nível mundial. Sei que em Moçambique o setor do camarão está a apostar em sistemas de maior biossegurança, que em principio é um sistema fechado. Esta técnica também está a ser usada a nível mundial.
DW África: Olhando para Moçambique, como é que se pode tornar o setor de aquacultura mais sustentável?
SZ: Primeiro temos de tornar as políticas e estratégias do setor mais claras, que permitam ou impulsionem o desenvolvimento da aquacultura. O país tem as potencialidades que tem, então temos que deixar claro quais são as espécies que precisamos para impulsionar o setor. Outra das questões importantes tem a ver com os investimentos. Ainda não temos no país [um local] onde os produtores que queiram apostar no desenvolvimento da aquacultura possam se dirigir para buscar financiamento.
DW África: Acredita que a forma que o país tem estado a olhar para a aquacultura pode dar bons resultados? Ou é preciso fazer um pouco mais?
SZ: Não é preciso fazer um pouco mais, é preciso fazer muito mais. É preciso que o país invista muito na investigação porque isso vai ajudar Moçambique a encontrar soluções locais.
Lago Niassa - um lago ainda por explorar
Partilhado pelo Malawi, Moçambique e pela Tanzânia, o Lago Niassa é o nono maior do mundo e o terceiro maior de África. O Lago Niassa tem uma biodiversidade rica que ascende a 700 mil espécies diferentes.
Foto: DW/Johannes Beck
O terceiro maior de África
O Lago Niassa é um imenso azul partilhado pelo Malawi, por Moçambique e pela Tanzânia. É o nono maior do mundo e o terceiro maior do continente africano, a seguir aos Lagos Victória e Tanganika. Localizado no Vale do Rift, o lago tem 560 quilómetros de comprimento, 80 quilómetros de largura e 700 metros de profundidade. Em língua chinhanja, falada na orla moçambicana, "niassa" significa lago.
Foto: DW/Johannes Beck
Ecossistema único
Nas águas azuis, transparentes e limpas do lago vivem cerca de mil espécies ciclídeos (família de peixes de água doce), das quais apenas 5% existem noutros lugares do Planeta. As praias e toda a região do Lago Niassa têm uma biodiversidade rica que ascende a 700 mil espécies diferentes, a nível de fauna e flora, pelo que tem elevado valor para a investigação científica.
Foto: DW/G. Sousa
Verde e azul
A província do Niassa pinta-se do verde, dos imensos planaltos, e do azul, do lago e do céu. Na viagem até ao Lago, percorrem-se dezenas de quilómetros de floresta virgem, com comunidades muito dispersas. Localizada no noroeste de Moçambique, a província do Niassa é a mais extensa e a menos habitada do país, com uma densidade populacional de cerca de oito habitantes por quilómetro quadrado.
Foto: DW/G.Sousa
Riquezas do lago
As águas límpidas do Lago Niassa convidam aos banhos e a passeios de barco. As suas profundezas escondem um bem valioso, hidrocarbonetos. A corrida ao "tesouro" levou o Malawi, em 2012, a iniciar trabalhos de prospeção de petróleo e gás natural sem o consentimento dos seus vizinhos, Moçambique e Tanzânia. As relações entre o Malawi e a Tanzânia esfriaram.
Foto: DW/G. Sousa
A quem pertencem as águas?
Carregando água, estas meninas levam o Niassa para casa, que ajudará nas lides domésticas. Mas a quem pertencem as águas do Niassa? O Malawi exige o domínio do lago, a que chama Lago Malawi, à exceção da parte que banha Moçambique, no âmbito do Tratado Anglo-Germânico de 1890. A Tanzânia rejeita, diz que o acordo tem lacunas. Os dois países disputam há mais de 50 anos a soberania do Lago Niassa.
Foto: DW/G. Sousa
Loiças, roupas, banhos
O lago faz parte do quotidiano das comunidades da região. É lá onde, todos os dias, as mulheres lavam a loiça e as roupas de toda a família. Tal como elas, crianças e homens tomam ainda banho nas águas mornas do Niassa. Na altura do banho, elas agrupam-se de um lado e os homens afastam-se para outro.
Foto: DW/Johannes Beck
A pesca
Em Meluluca, assim como em quase toda a costa do lago, quase todos os homens se dedicam à pesca. Contudo, muitas vezes, os pescadores utilizam redes mosquiteiras, prática nefasta que arrasta grandes quantidades de peixe, de vários tamanhos, alerta a organização de defesa do meio-ambiente WWF (Fundo Mundial para a Natureza).
Foto: DW/G. Sousa
Ussipa em Lichinga
Parecido com a sardinha, o ussipa é o peixe mais capturado nas águas do Niassa. É vendido em vários mercados, como neste em Lichinga, a capital provincial. O preço varia, normalmente um balde, com capacidade de 10 litros, carregado de ussipa custa 80 meticais (equivalente a dois euros). Mas se o ussipa escasseia, o preço sobe para cerca de 100 a 150 meticais (entre 2,50 e 3,80 euros).
Foto: DW/J.Beck
Embarcações em terra
Durante o dia, e em tempo de férias escolares, as crianças divertem-se no lago junto das embarcações enquanto os pescadores descansam. Voltarão à faina quando no céu se contarem as estrelas. Recorrem, frequentemente, à pesca noturna com atração luminosa para a captura do ussipa.
Foto: DW/Johannes Beck
Reserva de Moçambique
Utilizado diariamente pelas comunidades, o lago está sob o olhar atento das autoridades. A proteção do lago é uma preocupação do governo de Moçambique, que o declarou reserva em 2011. No mesmo ano, o Lago Niassa e zona costeira passaram a integrar a lista de zonas húmidas protegidas pela Convenção de Ramsar, a Convenção sobre Zonas Húmidas de Importância Internacional.
Foto: DW/Johannes Beck
Estradas de terra
As vias na costa do Lago Niassa são de terra batida. Existe apenas uma estrada em boas condições, alcatroada, que liga a capital provincial, Lichinga, a Metangula, sede do distrito do Lago. As fracas acessibilidades dificultam o investimento na região, em particular no sector do turismo.
Foto: DW/G. Sousa
Costa selvagem
A costa moçambicana do lago é considerada semi-selvagem, sendo frequente encontrar-se animais como macacos. Dois investimentos internacionais de turismo beneficiam da natureza em estado virgem e apostam em turismo de conservação: um localiza-se próximo do posto administrativo de Cobué, no extremo norte da província; e o outro mais a sul, a cerca de 15 quilómetros de Metangula.
Foto: DW/G. Sousa
Uma região a descobrir
A beleza natural do Lago Niassa confere à região um imenso potencial de turismo ainda por explorar. Os moçambicanos defendem que têm as praias mais bonitas de todo o lago, lamentando que, no entanto, as do vizinho Malawi sejam muito mais conhecidas e frequentadas. Na costa moçambicana, existem ainda poucas unidades hoteleiras e infraestruturas de apoio, além dos acessos difíceis.