Interroga-se porque um empresário da envergadura de Erik Prince quer investir nas moçambicanas Ematum, MAM e ProIndicus – já conhecidas pelas dívidas ocultas. Será que este investimento é a salvação?
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Em Moçambique, a Ematum, uma das empresas envolvidas nas chamadas dívidas ocultas, anunciou a entrada de um novo investidor. Trata-se da Frontier Services Group, cujo dono tem um histórico empresarial considerado duvidoso.
Por exemplo, Erik Prince teve a sua empresa de segurança Blackwater envolvida na morte de 18 pessoas a quando da guerra no Iraque. Esta mesma empresa prestou serviços ao Governo dos Estados Unidos avaliados em cerca de 2 mil milhões de dólares.
Para o analista moçambicano Jaime Macuane, a natureza deste investimento do empresário norte-americano ainda precisa ser esclarecida. Da mesma forma, Macuane lembra que as empresas públicas ainda devem explicar com mais clareza o destino dos empréstimos contraídos ilegalmente entre 2013 e 2014.
Confira a íntegra da entrevista:
DW África: A entrada da Frontier na Ematum, MAM e ProIndicus seria a salvação das companhias moçambicanas?
Jaime Macuane (JM): Depende do quê que se quer salvar, porque existem questões que não foram respondidas nesse tempo todo, por exemplo – o que é uma demonstração de qual é o potencial da existência deles [dos dados das empresas]. Nunca vi estes números. Isso é uma coisa que mais tarde já foi arrolada. Uma parte foi para gastos com a defesa. Então, ainda tenho dúvidas do modelo de negócio existente aí, o quê que de facto estavam à espera de rentabilizar, e qual é a magnitude de empréstimo que é de facto realista do ponto de vista de investimento para se ter o retorno. Então, tenho dúvidas a esta altura se isto muda algo ou não.
DW África: Erik Prince tem um passado empresarial duvidoso. Foi dono de uma empresa de segurança, a Blackwater Security, que esteve envolvida na morte de 18 iraquianos há alguns anos. Este seria o perfil ideal para o investidor para empresas públicas, ainda por cima empresas polémicas à partida?
JM: É legítimo que um Estado como Moçambique, não só por uma questão de manter a sua soberania e integridade territorial, tenha segurança marítima. Mas torna-se também importante que assim o faça neste momento, quando aumentam os riscos pelo facto de ter muitas riquezas. Isso explica. Agora, o que não ficou claro nesta operação, infelizmente, é que, ao invés de se discutir isso, houve uma espécie de "diabolização" quando se pôs este assunto, pelos menos por parte daqueles que arquitetaram esta ideia supostamente patriótica de defesa da soberania. Estamos a mudar o modelo de organização da nossa defesa. Por exemplo, empresas já passam a fazer parte disto. Este é que é o ponto que, para mim, é fundamental. Essa entrada [da Frontier] mantém este modelo e adia uma discussão de soberania fundamental, que faz sentido que a gente confie às empresas a defesa de parte do nosso território. Repare que há países que fazem isto. Portanto, não é nada novo. A questão é que, se nós estamos a adotar esta forma, será que esta ideia se discutiu nos fóruns próprios, e está a ser feito em respeito à Constituição, além, claro, do que foi feito às dívidas ocultas. Para mim há uma questão de princípio.
15.12.17 neu Erik Prince - MP3-Mono
DW África: O que há nessas três polémicas empresas em Moçambique para que o empresário como Erik Prince se interesse em investir. Ele já prestou serviço, por exemplo, para o Governo norte-americano. Moçambique tem um mercado assim, tão atrativo, para uma pessoa desta envergadura?
JM: Moçambique é muito mais atrativo, sem dúvida. Primeiro, pela posição estratégica. Muito mais do que estar a olhar para as riquezas do próprio país, é preciso ter-se em conta que é uma rota comercial importante. Mas, temos também a questão da segurança marítima voltada para os grandes investimentos que vão ser feitos. São dezenas de bilhões de dólares. Sem dúvida que temos aqui um mercado promissor. Principalmente numa região propensa a alguma atuação de piratas. Naturalmente que para alguém que tem experiência na área este é um negócio muita atrativo.
Moçambique: Guerra civil com pausas de paz
A paz nunca foi uma certeza em Moçambique. Ela apenas tem intercalado confrontos militares desde a independência. Acordos de paz mal concebidos parecem estar na origem dos conflitos. Mas há novos bons sinais à vista.
Foto: Presidencia da Republica de Mocambique
O começo da guerra civil
A guerra entre o Governo da FRELIMO e a RENAMO começou em 1977, isso cerca de dois anos após a proclamação da independência do país. A RENAMO contestava a governação da FRELIMo e queria democracia. Este movimento tinha o apoio da ex-Rodésia e da África do Sul, dois vizinhos de Moçambique. A guerra matou milhões de moçambicanos e quase paralisou a economia do país.
Acabar com a guerra era o obetivo deste acordo, alcançado em 1984. Foi assinado entre os antigos Presidentes de Moçambique e da África do Sul, Samora Machel e Peter Botha, respetivamente. Ficou acordado que Pretória deixava de apoiar a RENAMO e Maputo parava o apoio ao ANC. Este último que lutava contra o Apartheid. Mas ninguém respeitou o acordo.
Foto: Avant Verlag/Birgit Weyhe
Acordo Geral de Paz de Roma
Colocou finalmente fim a guerra em 1992. Foi patrocinado pela Comunidade Santo Egídio, instituição católica italiana. Nessa altura o país já estava devastado e tinha transitado do sistema socialista para o da economia de mercado. Afosno Dhlakama, líder da RENAMO, e Joaquim Chissano, ex-Presidene de Moçambique, assinaram um acordo que pôs fim a uma guerra de 16 anos.
Eleições: nova era de desentendimentos
Em 1994 o país dava os seus primeiros passos rumo a democracia: início do multipartidarismo e realização das primeiras eleições, patrocinadas pela ONU. O primeiro Presidente eleito do país foi Joaquim Chissano. A RENAMO contestou, mas acabou por aceitar os resultados eleitorais.
Foto: Getty Images/AFP/Gianluigi Guercia
Eleições 1999: RENAMO revolta-se
Nas segundas eleições, em 1999, Joaquim Chissano e a FRELIMO voltaram a ganhar. Mas o processo foi novamente marcado por graves irregularidades, a RENAMO diz que houve fraude e contestou com mais veemência. E no ano 2000 apoiantes da RENAMO manifestaram-se em Montepuez província de Cabo Delgado, contra os resultados. Cerca de 700 manifestantes terão sido detidos e mortos por asfixia nas celas.
Foto: Marc Dietrich-Fotolia.com
Rastilho para o barril de pólvora já arde
As sucessivas irregularidades nas eleições, a lei eleitoral desajustada e difícil integração dos ex-guerrilheiros da RENAMO no exército nacional foram os principais pontos que aumentaram a tensão com o Governo. A falta de confiança que caracteriza a relação entre as partes aumentou.
Foto: Gerald Henzinger
As armas falam novamente
Em 2013 a polícia e homens da RENAMO confrontaram-se. Era o início dos conflitos armados. Nesse ano a RENAMO recusa a aprovação da Lei Eleitoral e não participa nas autárquicas. Há um interregno no conflito para a realização de eleições gerais em 2014. A RENAMO perde e acusa a FRELIMO de fraude. O país volta a ser palco de guerra. RENAMO exige governar as seis províncias onde diz ter ganho.
Foto: Fernando Veloso
Guebuza e Dhlakama: o braço de ferro até ao fim
Em setembro de 2014 o Presidente Armando Guebuza e o líder da RENAMO chegam a acordo para por fim ao conflito armado. Abriu-se assim caminho para as eleições gerais, onde a RENAMO participou. Mas as negociações entre os dois homens nunca foram fáceis. Para começar os encontros foram poucos.
Foto: Jinty Jackson/AFP/Getty Images
Na guerra vale tudo
Em Setembro de 2015 Dhlakama sofreu dois atentados. Um deles contra a coluna em que viajava, de Manica a Nampula. Afonso Dhlakama saiu ileso, mas segundo relatos morreram várias pessoas. Mais tarde várias viaturas da comitiva do líder da RENAMO foram queimadas. Dhlakama acusou a FRELIMO pelos atentados.
Foto: DW/A. Sebastião
Cerco a casa de Afonso Dhlakama
Em outubro de 2015 a guarda pessoal do líder da RENAMO foi desarmada pelas forças governamentais durante um cerco à sua residência na cidade da Beira. O Governo pretendia um desarmamento forçado dos homens da RENAMO. O desarmamento da maior força da oposição é um dos pontos controversos nas negociações de paz.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Catueira
Diálogo de paz pouco frutífero
Infindáveis rondas marcaram as negociações de paz. E em paralelo as armas falavam nas matas, membros da RENAMO eram assassinados a média de um por mês em 2016. Observadores e mediadores, nacionais e internacionais, entraram e saíram do barulho sem conseguir muito. Houve também adiamentos de rondas e algumas pausas no processo.
Foto: Leonel Matias
Dhlakama e Nyusi: maior proximidade, bons sinais
Em agosto de 2017 o Presidente Nyusi deslocou-se à Gorongosa, bastião da RENAMO, para se encontrar com Dhlakama. Os dois líderes acordaram sobre os próximos passos no processo de paz. Esperavam um acordo de paz até ao final de 2017, mas tal não deverá acontecer. Entretanto, Dhlakama está satisfeito com o andamento das negociações. O sigilo entre os dois parece ser o segredo de um bom entendimento.