Fantasma das dívidas pode suavizar entusiasmo do Presidente em fazer uma ação robusta no setor da Defesa e Segurança no segundo mandato, entende analista. Com que irá contar Nyusi para acabar com insurgência e guerrilha?
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Do seu primeiro mandato, o Presidente moçambicano Filipe Nyusi carrega vários fardos: os ataques armados no norte e no centro do país. Os ataques em Cabo Delgado, que duram já há mais de dois anos, vão se tornado cada vez mais sofisticados, expondo de forma escancarada as fragilidades das Forças de Defesa e Segurança. Um exemplo disso são as fotos de insurgentes em carros da Polícia da República de Moçambique (PRM), cuja autenticidade foi confirmada pela própria instituição.
E, no centro, não é diferente. O exército não consegue deter as ações da autodenominada "Junta Militar" da RENAMO que vai matando cidadãos todas as semanas. O agravamento dos ataques desestabiliza a economia e alimenta a percepção da insignificância do Estado, mostrando claramente que a Defesa e Segurança representa um dos maiores desafios do segundo mandato de Nyusi.
Desafios
Como irá o Presidente da República sair-se dessa a partir de 15 de janeiro? Calton Cadeado é especialista em paz, conflito, defesa e segurança e acredita que "ele pode, no segundo mandato, tomar atitudes mais arrojadas do ponto de vista de Defesa e Segurança - tomando ações, com ações mais pacifistas. Uma das ações enérgicas seria garantir que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) atuassem com força e que tivessem mais meios e capacidades para lidar com esses desafios, porque nós hoje sabemos que há dificuldades em termos de logística para lidar com isso".
E como pode o exército obter mais meios, se o país está mergulhado numa crise financeira, agravada pelas dívidas ocultas? Os sinais, até agora, mostram que boa parte do segundo mandato de Nyusi deverá ser ainda de sufoco financeiro.
Mais um endividamento?
Meio utópico, o analista fala primeiro em esperança para depois apresentar uma proposta bastante controversa como última saída. Entende que "por via do endividamento, em termos de capacidade, porque comprar equipamento de guerra para lidar com insurgentes, é preciso ter dinheiro para isso e isso pode-se muito bem o fazer, porque é uma questão de urgência nacional".
E Cadeado cogita, com base num fator abstarato: "Há a possibilidade de, por meio da recuperação económica, haver algum dinheiro".
Mas Cadeado admite o seguinte: "É verdade que todos os que lidam com questões económicas vão dizer que estão a sobrecarregar a economia".
Justamente por causa do escândalo de corrupção à volta das dívidas ocultas, ao qual o nome do próprio Presidente Filipe Nyusi está associado, a imagem do país caiu nos mercados financeiros internacionais.
Como as dívidas ocultas podem representar obstáculo para o PR?
Por isso, as chances do Estado obter financiamento são ínfimas, o que poderia levar o país a obter crédito a um preço alto ou à custa de contrapartidas pouco ortodoxas, junto de parceiros como a Rússia ou a China.
Como irá Nyusi vencer desafios da Defesa no segundo mandato?
E Calton Cadeado reconhece que o escândalo da dívida pode representar um entrave para o Presidente: "Agora, qual é o obstáculo? É que o Presidente Nyusi pode ter alguma hesitação com base na experiência do que aconteceu com as dívidas ocultas".
E desconfia que "por mais que faça tudo com a devida transparência, ir à Assembleia da República e tudo mais, endividar o Estado para o próximo dirigente ter problemas em lidar com o excessivo peso da dívida pode suavizar o entusiasmo do Presidente em fazer uma ação robusta de equipamento para as FDS".
Mas a incapacidade do Estado ultrapassa as esferas da logística e do armamento. De uma maneira geral, não demonstra preparo para lidar nem com a insurgência no norte e nem com a guerrilha no centro.
A gravidade dos ataques no norte levou o Governo a buscar apoio na Rússia, no país operam mercenários russos da empresa de segurança Wagner. Entretanto, são relatadas pela imprensa nacional e internacional baixas frequentes dessas forças.
Rússia continuará a ser aposta de Nyusi
Continuará a Rússia a ser a aposta de Nyusi no segundo mandato? José Milhazes é especialista em relações Rússia-PALOP e responde: "Penso que, neste momento, ele irá continuar a apostar nessa cooperação com a Rússia, até porque muito dirigentes africanos, não é só o caso do dirigente moçambicano, viram na ação da Rússia na Síria como o sinal de que a Rússia poderá ajudá-los eficazmente - nomeadamente na luta contra o terrorismo. E, neste momento, as coisas parecem continuar a caminhar nesse sentido".
Concluindo, o especialista entende que "não há sinais de que Maputo esteja a mudar radicalmente a sua política em relação à Rússia e a Rússia, neste momento, está extremamente interessada em mostrar eficácia na sua política africana".
Quanto à região centro, a acrescentar a esses fatores há a particularidade de uma solução de paz depender também da RENAMO. Um entendimento interno no seio da maior força da oposição já era um passo em frente, se for verdade que a RENAMO não tem nada a ver com as ações armadas.
Quais as motivações dos ataques armados em Cabo Delgado?
Há mais de nove meses que o norte de Moçambique tem sido palco de violentos ataques armados. Suspeitas há muitas e até já há um estudo, mas até hoje não está claro quem são os atacantes e nem o que os move.
Foto: Privat
Mocímboa da Praia: Era uma vez um lugar pacato...
Até 5 de outubro de 2017 a província de Cabo Delgado vivia na tranquilidade, pelo menos aparentemente. Mas desde essa data tudo mudou quando cerca de 30 homens armados desconhecidos atacaram três postos da polícia do distrito de Mocímboa da Praia, matando cinco pessoas, entre elas polícias, e ferindo mais de dez. Na altura a Polícia disse que estava a investigar o caso.
Foto: DW/G. Sousa
O alastramento dos ataques
Dois meses depois Mocímboa viveu novos ataques e desde essa altura os ataques armados têm vindo a alastrarar-se muito rapidamente para outros distritos. Palma começou a ser alvo a partir de janeiro de 2018.
Foto: DW/Estácio Valoi
Marcha contra um "Islão que não existe"
Uma semana depois do primeiro ataque Mocímboa da Praia marchou pela paz. A iniciativa juntou líderes de diferentes religiões, cristã e muçulmana, estes últimos a maioria na região. Os atacantes, que se dizem muçulmanos, defendem uma visão radical do Islão. As autoridades do distrito consideram que esse é um "Islão "que não existe", e acusam "os bandidos" de usaram a religião como "capa".
Foto: Estácio Valoi
Os indícios que não terão sido tomados a sério
Já em 2016 supostos pregadores do Islão foram expulsos do país por estarem ilegais no país. Também já foi intercetado um angariador de crianças a cujos pais era prometida educação e bons tratos. Mas o destino, passando por Nampula, eram escolas corânicas com o fim de radicalização. Há também detenções de pessoas que propagam a insurgência contra as instituições do Estado.
Foto: Colourbox/krbfss
Detenções e excesso de zelo
Cinco dias após o início dos ataques, a Polícia já tinha detido 52 pessoas, o que assustou alguns líderes religiosos. Mas havia outros líderes que eram a favor, justificando a necessidade de denunciar malfeitores para "purificar fileiras", mesmo que isso leve a excesso de zelo. Mas a Polícia ainda não sabe dizer quem são os atacantes, justificando sempre que está a trabalhar no assunto.
Uma das maiores reservas de gás de mundo está em Cabo Delgado. Em Palma as multinacionais operam no setor. Em Mocímboa da Praia há minas de rubis que são bem cotados nos mercados internacionais. O IESE, MASC e um líder muçulmano realizaram um estudo na sequência dos ataques e concluiram preliminarmente que o objetivo dos atacantes é garantir o tráfico dos inúmeros recursos da região.
Foto: ENI East
Erik Prince, o salvador da pátria?
Empresário norte-americano na área de segurança tem interesses nas empresas envolvidas nas dívidas ocultas. Uma delas a Proindicus, criada para garantir a segurança nas águas moçambicanas. Por outro lado acredita-se que tenha criado uma empresa de segurança e estaria a contar como pagamento pelos serviços os dividendos do gás. Eric Prince já prestou serviços para o Governo dos EUA no Iraque.
Foto: Imago/UPI Photo
Deslocados internos: Existem ou não?
O medo dos violentos ataques fez com que a população fugisse. Mas as autoridades locais garantem que ela regressa às suas comunidades graças à patrulha feita pelo exército e afirmam que são poucas as deslocações. Entretanto, não há números exatos. Quem está a lidar com esses deslocados são as autoridades locais. Até ao momento nenhuma agência da ONU ou ONG humanitária foram chamados a intervir.
Foto: Privat
Participação das FDS na reconstrução
Embora as FDS, Forças de Defesa e Segurança, não consigam impedir as ações dos atacantes elas garantem o patrulhamento depois dos ataques. Também auxiliam diretamente na reconstrução das casas incendiadas pelos atacantes. Isso, segundo as autoridades, permite o retorno da população às suas aldeias.
Foto: Borges Nhamire
Participação das comunidades
Supõe-se que os jovens que integram os grupos armados sejam recrutados nas comunidades. As autoridades pedem, por isso, que as populações se mantenham vigilantes e denunciem qualquer ilícito ou movimentação suspeita.
Foto: Privat
Governador visita comunidades
Os assassinatos tornam-se cada vez mais bárbaros. Há decapitações com recurso à catanas e nem as crianças escapam. Na sequência do recrudescimento dos ataques e do nível de violência o governador da província de Cabo Delgado, Júlio Parruque, visitou familiares das vítimas.
Foto: Privat
Presidente de Moçambique em Cabo Delgado
A 29 de junho de 2018 o Presidente Filipe Nyusi esteve nos distritos alvo dos ataques. Pouco antes disso o estadista tinha sido criticado por alguns setores por nunca se ter pronunciado publicamente sobre os ações violentas. Em Cabo Delgado, Nyusi prometeu proteção contra ataques e mostrou abertura, convidando os atacantes para dialogar.
Foto: privat
Um mar de gente para ouvir Nyusi
Em Cabo Delgado, Filipe Nyusi foi ouvido por milhares de pessoas a quem exortou para que se distanciem de crenças religiosas que estariam na origem da instabilidade: "Estão a recrutar pessoas nos distritos costeiros. Estão a ir também a Nampula recrutar pessoas para vir morrer aqui. Não deixem que isso aconteça. Estão a semear luto nas vossas famílias. E são jovens que vocês conhecem, denunciem".