Académicos consideram que más relações entre Portugal e Angola podem dificultar repatriamento de capitais e acusam lei de impunidade e pouca transparência. Portugal recebeu grande parte do dinheiro exportado ilegalmente.
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Angola anunciou que já recuperou os 500 milhões de dólares transferidos, de forma ilícita, para uma conta bancária em Londres, no Reino Unido, numa operação que envolveu José Filomeno dos Santos, filho do ex-Presidente angolano, José Eduardo dos Santos. De acordo com o Ministério das Finanças angolano, o valor em causa já está na posse do Banco Nacional de Angola, "como resultado de várias diligências" junto das autoridades britânicas.
À margem de uma mesa redonda sobre a lei do repatriamento de capitais aprovada pelo Governo de João Lourenço, que decorreu em Lisboa, a DW África tentou saber junto de dois académicos se Portugal pode cooperar com Angola no processo de repatriamento de capitais, a exemplo do que fez o Reino Unido.
Para o professor Eduardo Vera-Cruz, a questão é se Portugal quer cooperar. "Falta saber se Portugal está disposto e para isso é que há a diplomacia e a política para que as condições sejam criadas. Estando criadas as condições pode ser uma grande ajuda", refere.
Relações "frias"
Eduardo Vera-Cruz explica que tudo dependerá de um eventual pedido formalizado pelas autoridades competentes de Angola. No entanto, o académico angolano considera que é "uma péssima altura para isso", uma vez que as relações entre os dois países atravessam uma fase má, devido a processos judiciais a decorrer que envolvem portugueses e altas figuras da elite angolana, como a Operação Fizz.
Cátia Miriam Costa, investigadora do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE), também refere as relações precárias entre os países. Lembra que Portugal tem denunciado alguns casos e nomes, como o do ex-vice-Presidente de Angola Manuel Vicente, e isso nem sempre é bem visto do lado angolano.
"Quando são altas figuras, muitas das pessoas que extraíram capitais, legal ou ilegalmente de Angola foram pessoas ligadas ao poder político ou estreitamente protegidas pelo poder político. Agora tudo depende da relação que essas pessoas mantêm com o atual poder", comenta.
Lei pouco punitiva e transparente
À semelhança de muitos cidadãos angolanos, a académica portuguesa deixa críticas à nova lei angolana de repatriamento de capitais, nomeadamente por por não haver uma publicitação e punição dos principais responsáveis.
"É dado um período para as pessoas declararem livremente e sem qualquer castigo, ou seja, sem qualquer efeito pelo facto de terem retirado ilegalmente capitais ou adquirido património com capitais retirados ilegalmente de Angola", explica à DW.
Repatriamento de capitais: Irá Portugal cooperar com Angola?
Cátia Costa lamenta também a falta de transparência, uma vez que ainda não se sabe que parte de capitais que vão ser recuperados e como é que eles vão voltar a Angola. O que pode dificultar a deteção de transferências ilegais.
"Os países dentro da União Europeia (UE) - e não só Portugal - obrigaram-se a relatar ao Governo de Angola todas as situações irregulares que detetassem. Esta opacidade limita de certa forma a execução da própria lei. A não ser que o sistema judicial angolano consiga localizar todas as fugas que existiram e consiga, realmente, que elas retornem ao país, a Angola2, afirma.
Cátia Costa e Eduardo Vera-Cruz foram oradores na primeira sessão de uma mesa-redonda a decorrer no ISCTE, para debater a nova lei para o repatriamento de capitais no estrangeiro aprovada pelo Governo angolano. A iniciativa, promovida em parceria com a Plataforma de Reflexão Pensar Angola, visa perceber os mecanismos que o Governo do Presidente João Lourenço pode usar, no âmbito da cooperação internacional, para a recuperação do capital exportado de forma ilegal para o exterior.
Mesmo sem a Sonangol, Isabel dos Santos ainda tem um império empresarial
A mulher mais rica de África, filha do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, foi exonerada da liderança da petrolífera estatal angolana. Mas continua a ter uma grande influência económica em Angola e Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Bilionária angolana diz adeus à Sonangol
A 15 de novembro, Isabel dos Santos teve de renunciar à presidência do conselho de administração da Sonangol. Em meados de 2016, o seu pai, o então Presidente José Eduardo dos Santos, nomeou-a para liderar a companhia petrolífera estatal. A nomeação era ilegal aos olhos da lei angolana. O novo Presidente angolano, João Lourenço, estava, por isso, sob pressão para demitir Isabel dos Santos.
Foto: picture-alliance/dpa
Carreira brilhante à sombra do pai
Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos e da sua primeira mulher, a jogadora de xadrez russa Tatiana Kunakova, nasceu em 1973, em Baku. Durante o regime do seu pai, no poder entre 1979 e 2017, Isabel dos Santos conseguiu construir um império empresarial. Em meados de 2016, a liderança da Sonangol, a maior empresa de Angola, entrou para o seu currículo.
Foto: picture-alliance/dpa
Conversão aos princípios "dos Santos"
Isabel dos Santos converteu o grupo Sonangol, sediado em Luanda (foto), às suas ideias. Nomeou cidadãos portugueses da sua confiança para importantes cargos de gestão e foi muito criticada pela ausência de angolanos em posições-chave na empresa.
Foto: DW/N. Sul d'Angola
Presença firme nas telecomunicações
Mesmo após o fim da sua carreira na Sonangol, Isabel dos Santos continua forte no meio empresarial: possui 25% da UNITEL desde o seu lançamento, em 2001, a empresa tornou-se a principal fornecedora de serviços móveis e de internet em Angola. Através da UNITEL, dos Santos conseguiu estabelecer vários contactos comerciais e parcerias com outras empresas internacionais, como a Portugal Telecom.
Foto: DW/P. Borralho
Redes móveis em Portugal e Cabo Verde
Isabel dos Santos detém a participação maioritária na ZON, a terceira maior empresa de telecomunicações de Portugal, através de uma sociedade com o grupo português Sonae. Também em Cabo Verde, dos Santos - com uma fortuna estimada em 3,1 mil milhões de dólares, segundo a revista Forbes - está presente nas telecomunicações com a subsidiária UNITEL T+.
Foto: DW/J. Carlos
Expansão com a televisão por satélite
Lançada em 2010 por Isabel dos Santos, a ZAP Angola apresenta-se como o maior fornecedor de televisão por satélite no país. Desde 2011, a ZAP está presente também em Moçambique, onde conquistou uma parcela importante do setor. Em Moçambique, a empresa compete com o antigo líder de mercado, a Multichoice (DSTV), da África do Sul.
Foto: DW/P. Borralho
Bancos: o segundo pilar do império
Atrás das telecomunicações, o setor financeiro é o segundo pilar do império empresarial de Isabel dos Santos. A empresária detém o banco BIC juntamente com o grupo português Américo Amorim - o empresário português conhecido como "o rei da cortiça" que morreu em julho de 2017. É um dos maiores bancos de Angola, com cerca de 200 agências. É também o único banco angolano com agências em Portugal.
Foto: DW/P. Borralho
Com a GALP no negócio do petróleo
Também no petróleo, dos Santos fez parceria com Américo Amorim. Através da empresa Esperanza Holding B.V., sedeada em Amesterdão, a empresária angolana está envolvida na Amorim Energia que, por sua vez, é a maior acionista da petrolífera portuguesa GALP. A GALP também administra os postos de gasolina em Moçambique (na foto) e em Angola onde, curiosamente, compete com a Sonangol.
Foto: DW/B.Jequete
Supermercado em Luanda
Em 2016, abriu em Luanda o Avennida Shopping, um dos maiores centros comerciais da capital angolana. Várias empresas do império dos Santos operam neste centro comercial, como o Banco BIC, a ZAP e a UNITEL. Assim, a empresária beneficia em várias frentes do crescente mercado de bens de consumo em Luanda.
Foto: DW/P. Borralho
350 milhões de dólares em supermercados
Uma das maiores lojas do Avennida Shopping é o hipermercado Candando. É operado pelo grupo Contidis, controlado por Isabel dos Santos. Nos próximos anos, deverão ser construídos em Angola vários Candando. No total, a Contidis quer investir mais de 350 milhões de dólares nas filiais.