Cenário de "guerra mundial" é exagerado, diz especialista
8 de janeiro de 2020Os ataques do Irão contra bases norte-americanas no Iraque, na madrugada desta quarta-feira (08.01), aumentaram os receios de uma espiral de violência e de um agravamento da tensão no Médio Oriente.
A televisão estatal iraniana afirmou que os mísseis disparados sobre as bases norte-americanas deixaram 80 mortos. No entanto, o Presidente Donald Trump desmentiu a informação, assegurando: "todos os nossos soldados estão seguros e as nossas bases militares sofreram apenas pequenos danos".
Em entrevista à DW, José Pedro Teixeira Fernandes, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais, afasta, para já, um cenário de guerra mundial, apesar dos riscos e do impacto que os últimos acontecimentos podem ter na estabilidade no Médio Oriente.
DW África: Depois dos ataques desta terça-feira, muitos dos nossos ouvintes têm comentado que receiam uma retaliação dos EUA e "em dobro". É algo que se pode esperar nos próximos dias?
José Pedro Teixeira Fernandes (JPTF): Para já, penso que, da parte dos Estados Unidos, e se efetivamente os ataques que terão ocorrido à base norte-americana no norte do Iraque não tiverem causado danos significativos, poderá não haver nenhuma reação significativa ou resposta militar. Julgo que o Irão está, neste momento, com uma situação de necessidade de ter que dar uma resposta para "consumo interno", no sentido em que o general iraniano Soleimani era, obviamente, uma figura muito importante do ponto de vista militar e também com prestígio grande dentro do Irão. Por outro lado, o próprio Irão fez todo um discurso de reação, vingança e retaliação. E, nestes últimos dias, as cerimónias fúnebres e toda a emoção e sentimento nacionalista alimentou ainda mais esse processo.
DW África: Acha que o Irão poderá, em breve, avançar para uma resposta nuclear ou isso seria ir demasiado além, neste momento?
JPTF: Eu penso que isso, no imediato, está afastado. Não estou a dizer que o problema nuclear está afastado de maneira nenhuma. Mas precisamos de perceber que, mesmo no cenário mais rápido de o Irão avançar com o seu programa nuclear no sentido de enriquecer urânio e poder, efetivamente, usá-lo para fins militares, tudo indica que seria necessário à volta de um ano [para o fazer]. Eu julgo que o Irão vai fazer aqui um jogo mais subtil - aliás, como foi a sua própria declaração de saída do acordo nuclear, na realidade, não fechando concretamente a porta ao acordo, [mas] dando mais um passo de saída. Porque isto para o Irão levanta também um dilema muito grande. Se, efetivamente, começar a haver essa perceção de que o Irão está avançar decisivamente e rapidamente para o enriquecimento de urânio, ou seja, a aproximar-se do programa nuclear, seria praticamente inevitável que, da parte dos Estados Unidos ou de Israel, houvesse uma resposta. E, neste momento, da parte do Irão, isso seria também extraordinariamente mau, porque nós não podemos deixar de ter em conta que, se o Irão tem uma presença expressiva no exterior, na Síria, no Iraque, no Iémen, no Líbano, isso tem custos muitos grandes para o país em termos militares e de financiamento, e a sua população está também numa situação difícil.
DW África: Portanto, acha exagerado dizer-se que a morte do general iraniano, seguido deste ataque, são sinais claros de que se pode estar à beira de um conflito armado? Há quem diga até que se está perante uma possível Guerra Mundial…
JPTF: Um conflito armado não é um conflito nuclear. Se falamos num conflito armado no sentido de poderem existir ações militares mais ou menos localizadas, de retaliação de um lado e de outro, isso infelizmente é plausível e possível. Quanto às consequências para o resto do Médio Oriente e no limite para a tal questão da III Guerra Mundial, sinceramente julgo que serão muito exageradas. Obviamente que há aqui riscos e que não podemos subestimar o impacto que isto tem na estabilidade do Médio Oriente e na estabilidade internacional.
DW África: Este ataque dos Estados Unidos pode ser visto como uma espécie de manobra de diversão em ano de eleições, numa altura em que Donald Trump se prepara para enfrentar um processo de destituição?
JPTF: Este ataque terá dois tipos de explicações: uma na lógica da política interna dos Estados Unidos, e aí parte do argumento importante é esse que referia. Certamento no cálculo político de Donald Trump pesou a questão do impeachment, e pesou também provavelmente o entedimento que "isto vai tornar mais díficil a tarefa da oposição democrata, numa altura em que o país está envolvido numa tensão internacional e ainda é preciso mobilizar o interesse nacional". Mas também me parece excessivo explicar tudo por aí, porque há também aqui uma outra faceta externa que terá pesado. Os Estados Unidos têm aqui um problema também de credibilidade junto do Médio Oriente e dos seus aliados, porque [nos últimos meses] vários dos seus aliados (como a Arábia Saudita e os países do Golfo) foram afetados. E os Estados Unidos enfrentam também uma competição de influência na região, por exemplo, da Rússia. E, infelizmente, a linguagem da força conta muito no Médio Oriente. Por isso, eu interpreto isto também muito como uma tentativa da parte dos Estados Unidos e de Donald Trump de marcarem o terreno, em como continuam a ser a potência liderante e a potência que tem supremacia nesta questões.