O líder do Movimento Popular de Libertação de Angola fez do combate à corrupção a sua bandeira, mas muitas promessas ficaram por realizar. O perfil de João Lourenço é o último da nossa série de candidatos à Presidência.
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JLo, como é popularmente conhecido João Manuel Gonçalves Lourenço, candidato do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) às eleições gerais de 24 de agosto, chegou ao poder pelas mãos do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, sucedendo-lhe no cargo de Presidente da República e, mais tarde, à liderança do partido no poder desde 1975.
É natural do Lobito, província de Benguela, onde nasceu há 68 anos. Entre várias funções, foi comissário político nas províncias do Moxico e Benguela. Depois da implantação do multipartidarismo, em 1991, penetrou nos corredores da cúpula dirigente do "partido dos camaradas", onde ocupou o cargo de secretário para a Informação do Bureau Político, presidente da bancada parlamentar e secretário-geral.
A escolha de João Lourenço começou a ser desenhada a partir de 22 de abril de 2014, quando foi nomeado ministro da Defesa Nacional. Dois anos mais tarde, em agosto de 2016, foi indicado para vice-presidente do MPLA e confirmado pelos membros do Bureau Político na primeira reunião ordinária do Comité Central.
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Exonerador "implacácel"
Na primeira declaração à imprensa, nas vestes de número 2 de José Eduardo dos Santos, João Lourenço dizia que as "brincadeiras" tinham os dias contados.
"Temos de imprimir a necessidade de haver maior rigor, maior disciplina, em todo o trabalho que realizarmos. Portanto, brincadeira é brincadeira, trabalho é trabalho, e temos de levar o trabalho a sério", sublinhou então.
Não demorou muito tempo para João Lourenço ser apresentado, a 3 de fevereiro de 2017, como o cabeça de lista às eleições gerais daquele ano, pelo então líder do MPLA, José Eduardo dos Santos, que cinco meses antes da indicação de JLo como vice-presidente, confirmava a sua despedida perante a cúpula dirigente presente na XI reunião do Comité Central do Bureau Político: "Caros camaradas, tomei a decisão de deixar a atividade política ativa em 2018."
Realizadas as eleições gerais de 2017, João Lourenço é declarado vencedor. Toma posse a 26 de setembro e, 51 dias depois, faz uma exoneração inesperada, afastando a filha do seu antecessor, Isabel dos Santos, do cargo de presidente do conselho de administração da petrolífera estatal Sonangol.
No mesmo dia, ordenou a rescisão do contrato entre a Televisão Pública de Angola (TPA) e a empresa Semba Comunicações, detida por Welwítschia "Tchizé" dos Santos e José Paulino dos Santos "Coreon Dú", para a gestão do Canal 2.
Passados quase dois meses, a 10 de janeiro de 2018, João Lourenço volta a afastar outro filho de José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos "Zénu", da gestão do Fundo Soberano de Angola (FSDEA). Em março de 2018, a Procuradoria-Geral da República (PGR) anuncia que foram constituídos arguidos Zénu dos Santos, o ex-governador do BNA, Walter Filipe, o então chefe do Estado-Maior-General das FAA, general Sachipengo Nunda, e o então porta-voz do MPLA, Norberto Garcia.
Essas ações colocaram em alta a popularidade de João Lourenço. Consolidando a imagem de Presidente anti-Dos Santos, afirmou, em entrevista ao jornal português Expresso, ter encontrado os cofres do Estado vazios.
José Eduardo dos Santos não gostou e reagiu de imediato: "Não deixei os cofres de Estado vazios quando, na segunda quinzena do mês de setembro de 2017, fiz a entrega das minhas funções ao novo Presidente da República."
Em Berlim, João Lourenço fala sobre corrupção e a RDC
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"Picadelas dos marimbondos"
Na sequência destas declarações do antecessor, surge uma das expressões icónicas da governação de João Lourenço: "Quando nos propusemos a combater a corrupção em Angola, tínhamos noção de que precisamos ter muita coragem, e sabíamos que estávamos a mexer no ninho de marimbondo e que podíamos ser picados. E já começamos a sentir as picadelas."
Além da bandeira do combate à corrupção, o Governo de João Lourenço destaca as infraestruturas construídas no mandato prestes a terminar. E embora reconheça que muitas promessas ficaram por realizar, atribuindo as culpas à Covid-19, João Lourenço, que concorre à sua própria sucessão, diz que, se for reeleito, deixará o país "melhor do que encontrou".
"Nós somos os únicos que viemos para esta corrida com obra feita. Temos obras para mostrar. Em termos de reconstrução, em 15 anos, o Executivo do MPLA investiu bastante na recuperação ou construção de raiz de importantes infraestruturas."
Angola: 16 polémicas que marcaram a governação de João Lourenço
Com o fim do mandato de cinco anos à espreita, passamos em revista algumas das polémicas que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço, da corrupção ao desemprego, com centenas de exonerações pelo caminho.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Images/J.-F. Badias
"Operação Caranguejo"
Nesta operação, a justiça apreendeu milhões de dólares, euros e kwanzas na posse de oficiais da Casa de Segurança do PR, suspeitos de peculato, retenção de moeda e associação criminosa. Mais de 10 oficiais, incluindo o ministro de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, Pedro Sebastião, foram exonerados. Pedro Lussaty, chefe das finanças da banda musical da Presidência, foi detido.
Foto: DW/B. Ndomba
Viagem polémica ao Dubai
Viagem privada de João Lourenço, em março de 2021, ao Dubai suscitou polémica. As opiniões dividiram-se, mas a visita foi vista por alguns cidadãos em Angola como oportunidade de JLo acertar as contas com o seu antecessor, José Eduardo dos Santos, e uma possível negociação com a empresária Isabel dos Santos. No início do mandato, Lourenço acusou o antecessor de deixar os cofres do Estado vazios.
Foto: Imaginechina/Tuchong/imago images
Investigação Pangea-Risk
Um relatório da consultora Pangea-Risk associa João Lourenço, a mulher, Ana Dias Lourenço, e um círculo próximo a alegadas práticas de fraude, corrupção e peculato, em violação de leis e regulamentos dos EUA. Menciona subornos que teriam sido pagos pela Odebrecht a empresas ligadas ao Presidente de Angola. A construtora brasileira desmentiu o relatório e negou alegados pagamentos indevidos.
Caso Edeltrudes Costa
Segundo uma reportagem da TVI, o "braço direito" e chefe de gabinete de João Lourenço terá sido favorecido pelo Governo em contratos públicos com a sua empresa de consultoria EMFC. O negócio de prestação de serviços terá valido a Edeltrudes Costa vários milhões de euros. A seguir à denúncia, manifestantes saíram à rua pedindo a sua demissão. PGR estaria ainda a "apurar dados para investigar".
Foto: Xinhua/Imago Images
Filha na administração da BODIVA
Cristina Dias Lourenço, filha de João Lourenço, foi indigitada em 2020 pela ministra das Finanças para o cargo público de administradora executiva da Bolsa de Dívida e Valores de Angola (BODIVA). A nomeação foi criticada pela sociedade civil, havendo quem falasse em nepotismo e tráfico de influência que manchavam, assim, os princípios da boa governação e transparência propagados pelo Governo.
Foto: picture-alliance/W. Ying
Nomeação de Manuel da Silva "Manico"
Manuel da Silva Pereira "Manico" foi empossado como presidente da Comissão Nacional Eleitoral em fevereiro de 2020, entre muitos protestos da oposição e da sociedade civil que o acusam de "falta de idoneidade moral e legal" ao cargo e falam num concurso pouco transparente. A tomada de posse foi aprovada apenas pelo MPLA, sem os partidos da oposição. O jurista estaria arrolado em caos de corrupção.
Foto: DW
Caso Manuel Vicente | "Operação Fizz"
Conhecido como "Operação Fizz", assenta na acusação de que o ex-vice-Presidente, Manuel Vicente, corrompeu o ex-procurador português Orlando Figueira com o pagamento de 760 mil euros para que arquivasse dois inquéritos em que estava a ser investigado. Acusado dos crimes de corrupção ativa e branqueamento de capitais, tem estado protegido pela imunidade dada a antigos governantes por cinco anos.
Foto: Getty Images
Caso IURD Angola
O conflito interno na IURD Angola começa quando um grupo de dissidentes angolanos decide afastar-se da direção brasileira da igreja com alegações de crimes como evasão de divisas e racismo. Na justiça angolana tramitam vários processos judiciais e missionários brasileiros foram deportados do país. Em maio de 2021, a direção da IURD anunciou nova liderança apenas composta por cidadãos angolanos.
Foto: DW/J.Beck
Lixo em Luanda
O problema do lixo na capital angolana não é novo e parece não ter fim à vista. No período das chuvas, a situação agrava-se colocando em "guerra aberta" moradores descontentes e a governadora Joana Lina, acusada de má gestão. João Lourenço criou uma comissão multissectorial para apoiar o Governo de Luanda a resolver os problemas inerentes à acumulação, recolha e tratamento do lixo.
Foto: Manuel Luamba/DW
Cafunfo e o silêncio do Presidente
Um "massacre" na vila de Cafunfo, na Lunda Norte, chocou o país, a 30 de janeiro de 2021. Violentos confrontos entre a polícia e manifestantes resultaram em dezenas de feridos e mortes. Com a região debaixo de fogo, o incidente mereceu atenção internacional enquanto João Lourenço se remetia ao silêncio - que não passou despercebido. O PR falou pela primeira vez sobre o caso a 2 de março.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Protestos e repressão policial
Um pouco por todas as províncias, os protestos têm pintado as ruas do país com cartazes e palavras de ordem. Muitos ficaram marcados por forte repressão das forças de segurança e terminaram em detenções, feridos e até mortes como foi o caso do jovem Inocêncio de Matos, que perdeu a vida na sequência de ferimentos graves durante protestos na capital em novembro de 2020, ou do médico Sílvio Dala.
Foto: DW/Borralho Ndomba
Desculpas públicas pelo 27 de Maio
Volvidas mais de quatro décadas do massacre de 27 de Maio de 1977, Luanda quebrou o silêncio. João Lourenço reconheceu que a resposta do Estado ao que considerou ser uma tentativa de golpe foi desproporcional e vitimou inclusive inocentes. Pediu desculpas públicas às vítimas e aos familiares e encorajou outros atores que participaram nos conflitos políticos a terem o mesmo procedimento.
Foto: Borralho Ndomba/DW
Adiamento das autárquicas
Na primeira reunião do Conselho da República depois das eleições de 2017, João Lourenço levou a proposta aos conselheiros: realizar as primeiras eleições autárquicas do país em 2020. Mas tal não aconteceu e não existe, até então, previsão de uma data. Os motivos alegados vão desde a Covid-19 à falta de conclusão do Pacote Legislativo Autárquico. Analistas falam em falta de vontade política.
Foto: António Domingos/DW
Desemprego
A criação de 500 mil postos de trabalho foi uma das promessas eleitorais de JLo em 2017 e os angolanos não se esquecem disso. Apesar da aprovação, em abril de 2019, do Plano de Ação para Promoção da Empregabilidade, com um fundo de 58 milhões de euros, os números do desemprego no país geram descontentamento no povo que sai às ruas para exigir mais oportunidades e melhores condições de vida.
Foto: DW/M. Luamba
Envolvimento no caso "Dívidas Ocultas"
O Presidente viu o seu nome associado ao escândalo das "Dívidas Ocultas" de Moçambique pela EXX Africa. A consultora denunciou a alegada ligação entre a empresa Privinvest e o Governo de Angola quando João Lourenço era ministro da Defesa. O Ministério da Defesa de Angola terá feito um contrato de 495 milhões de euros para comprar barcos e capacidade de construção marítima à Privinvest.
Foto: Privinvest
"Exonerador implacável"
Na sua "cruzada contra a corrupção", João Lourenço ficou conhecido como o "exonerador implacável". Logo no primeiro de cinco anos de mandato, 2017, afastou governantes, chefias militares, gestores de empresas públicas e antigas figuras associadas ao anterior regime de José Eduardo dos Santos. Isabel dos Santos e José Filomeno dos Santos, filhos do antigo Presidente, foram dois dos muitos visados.