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MédiaAlemanha

Johannes Beck: "O que importa é a verdade"

30 de dezembro de 2021

Johannes Beck, chefe de redação da DW África, está de saída. Sai preocupado com a liberdade de imprensa em Moçambique e teme tempos difíceis em Angola. De uma coisa está certo: o jornalismo faz cada vez mais falta.

DW Johannes Beck
Durante 16 anos, de 1 de janeiro de 2006 a 31 de dezembro de 2021, Johannes Beck foi chefe de redação da DW Português para ÁfricaFoto: Philipp Böll/DW

É de máscara, e com uma distância de segurança, que nos sentamos a conversar.

A Alemanha endureceu as restrições por causa da quarta vaga do coronavírus, a pior de todas – para entrar no trabalho é preciso mostrar o teste negativo ou estar vacinado. Muitos jornalistas têm de trabalhar a partir de casa, para evitar aglomerações. "É um desafio", resume o chefe de redação da DW África, Johannes Beck.

A pandemia transformou a vida de todos, e também das redações.

Johannes Beck nos estúdios da DW em Bonn (foto de 2011)Foto: DW

É nestes tempos atípicos – mas de certa forma já típicos após 22 meses de restrições – que Johannes Beck vai sair da DW África, depois de 16 anos como chefe de redação. Johannes Beck diz que sai de consciência tranquila. "A redação está muito bem preparada para os desafios do futuro". Será chefiada pelo jornalista Marcio Pessôa.

Mas os desenvolvimentos em dois dos principais mercados da DW África, Angola e Moçambique, inquietam-no.

Johannes Beck diz que está preocupado com a liberdade de imprensa em Moçambique, particularmente desde que se falou na possível introdução de novas leis para a comunicação social e radiodifusão que restringiriam as atividades dos jornalistas. Neste capítulo, Angola também está numa senda difícil, refere: "Como [2022] é ano de eleições, poderá haver alguns momentos críticos."

De uma coisa Johannes Beck não tem dúvidas: o jornalismo independente faz cada vez mais falta e tem de ser protegido – foi isso que a pandemia também nos ensinou.

DW África: Como é que se pode resumir este ano de 2021?

Johannes Beck (JB): Como um ano realmente muito marcado pelo coronavírus e por mudanças quase constantes. Em 2020 já tivemos muitas mudanças na estrutura da redação, agora temos muitas pessoas em teletrabalho, que já não estão aqui nos estúdios da DW. Tem funcionado bastante bem, mas também tem os seus limites, principalmente no que diz respeito à integração de novos membros na equipa. É um desafio, porque as pessoas chegam aqui e encontram poucos colegas no trabalho. Já não funciona aquele convívio, que eu acho que também é importante para a consolidação e construção de uma equipa.

DW África: Em geral, o jornalismo está diferente depois desta pandemia?

JB: Acho que sim. Há uma procura maior de fontes credíveis, por notícias. Na Alemanha e em muitos outros países, a televisão tornou-se novamente relevante, depois de um declínio de muitos anos, marcado pelo sucesso das redes sociais. E muitas pessoas perceberam a diferença entre um jornalismo construtivo, que se baseia em factos, e um jornalismo que aposta no sensacionalismo.

Verificar os factos e combater as "fake news" - notícias falsas - é uma tarefa cada vez mais pedida aos jornalistasFoto: Boureima Salouka/DW

DW África: E isso num contexto de teorias da conspiração e "fake news". É preciso um jornalismo mais factual ou, pelo menos, que verifique todas essas coisas?…

JB: É preciso basearmo-nos em factos e, por vezes, dizer que não sabemos. Por exemplo, nos momentos em que se descobriu novas variantes do coronavírus e não sabemos qual será o próximo passo. Isto também é importante no jornalismo: admitir que, às vezes, só temos parcialmente uma ideia do que se passa.

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, nós não temos uma agenda, não queremos dirigir ou manipular países. Sim, somos guiados por valores como a democracia e os direitos humanos, mas o que importa no jornalismo é procurar a verdade.

DW África: O ano está a chegar ao fim e, com ele, estás também de saída do cargo de chefe de redação da DW em Português para África, após 16 anos. São praticamente os mesmos anos que a chanceler Angela Merkel esteve no cargo. Merkel disse que saiu de consciência tranquila. Podes dizer o mesmo?

JB: Creio que sim. A redação está muito bem preparada para os desafios do futuro. Temos uma equipa fantástica em Bona e em Berlim, temos uma rede maravilhosa de correspondentes no terreno, que contribuem com áudios para as emissões de rádio, que produzem vídeos… Realmente, é bom saber que deixo esta redação numa fase em que ela tem muito mais pessoal, em que fazemos diretos de TV todas as semanas, em Moçambique e em Angola, em que temos dois magazines televisivos, o EcoÁfrica e os 77%, e em que temos uma forte presença online no Facebook e na nossa página, e em que mantemos as duas emissões de rádio com boas audiências. Estamos entre os líderes de mercado em Moçambique e em Angola.

Johannes Beck e colegas da redação suaíli durante a entrega do Prémio Paridade pelas radionovelas do "Learning by Ear - Aprender de Ouvido", em 2009Foto: DW

DW África: Porquê sair?

JB: É um pouco como aconteceu com Angela Merkel. Depois de 16 anos, quis procurar algo diferente. Foi bom trabalhar no dia-a-dia da redação durante 16 anos – aprendi imenso – mas nos últimos anos comecei a notar um certo cansaço e quero agora apostar mais no desenvolvimento de formatos na DW. Se tivesse saído há cinco ou seis anos, não o teria feito de consciência tranquila, porque a redação estava a atravessar uma crise. Senti-me um pouco obrigado a continuar no cargo, para inverter esse cenário.

DW África: Isso foi em 2014, um ano muito difícil para a redação, que esteve para fechar. Como é que foi na altura convencer a DW a manter a redação "no ar"?

JB: Quando conseguimos mostrar que tínhamos relevância, nomeadamente em Angola e Moçambique, os nossos mercados principais, a nova direção começou pouco a pouco a pensar se aquela era uma decisão acertada. E o que ajudou na altura foi o apoio que tivemos de muitas organizações, em Angola, em Moçambique e também aqui na Alemanha… 

DW África: Uma dessas vozes era do jornalista José Milhazes, que escreveu a propósito do fecho da redação, anunciado na altura, que lamentava a "falta de perspicácia" na Alemanha. Dizia ainda que era "triste" que as autoridades alemãs "não entendessem" o mundo lusófono. Elas entendem? Ou entendem hoje mais do que na altura?

JB: Creio que aprenderam com a nossa discussão, mas também com muitos fóruns económicos em Angola, em Moçambique. Por exemplo, com o crescimento dos investimentos em Moçambique, que voltou a ganhar alguma relevância para além da ajuda ao desenvolvimento e da cooperação, em que a Alemanha sempre desempenhou um papel – e a Alemanha Oriental também, diga-se. Mas o grande problema que eu vejo é a barreira linguística, que não permite uma boa penetração destes dois mercados, além de outros como a Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. Um dos motivos para isso é que há poucos jornalistas alemães nestes países… e o foco da Alemanha em África é pequeno quando comparado com Portugal, por exemplo. A Alemanha olha sobretudo para os grandes países – Etiópia, Nigéria, Quénia – e para antigas colónias alemãs, como a Namíbia, a Tanzânia e os Camarões.

Johannes Beck numa discussão da DW na universidade Eduardo Mondlane em Maputo, em 2016Foto: DW/L. Matias

DW África: Não há interesse das pessoas em conhecer outras realidades?

JB: Há muitos fatores que contribuem para isso. Um dos fatores é que África, não só na Alemanha como em muitos países do mundo, é vista como uma espécie de continente homogéneo. E, quando não vamos ao fundo destas realidades em África muito diferentes, será sempre difícil conseguir um papel especial para os países africanos lusófonos.

DW África: Como está a saúde da imprensa em Moçambique e Angola?

JB: Estou muito preocupado em relação a Moçambique. Vimos o projeto de uma nova lei de imprensa e de radiodifusão: ambas as propostas eram muito pouco a favor da liberdade de imprensa e muito a favor de um controlo cada vez maior do próprio Estado, do próprio Governo. Havia coisas inacreditáveis, como a possibilidade de o chefe de Estado não ter de apresentar qualquer prova de factos em tribunal num caso de alegada difamação contra ele, além da possibilidade de serem proibidas as retransmissões de programas políticos e de atualidade de emissoras internacionais, algo que iria afetar a DW.

Em geral, creio que, nos últimos anos, houve um retrocesso em Moçambique. Há cada vez menos meios de comunicação independentes – também em termos económicos – capazes de fazer uma cobertura nacional. Ainda há muitos meios de comunicação regionais, mas falta imprensa ao nível das províncias, há muitos poucos jornais disponíveis. Penso que Moçambique está numa fase crítica em relação aos meios de comunicação.

Em Angola, creio que houve algumas melhorias com o Presidente João Lourenço, nos primeiros anos do seu mandato, mas nota-se agora um apertar da situação, também com a nacionalização de vários meios de comunicação e a falta de perspetivas económicas, algo que não só tem a ver com o Governo, mas também com as circunstâncias em que trabalham. Acho que desapareceu muito espaço independente nos meios de comunicação. Não é ainda o panorama do Presidente anterior, José Eduardo dos Santos, mas, no próximo ano, como é ano de eleições, poderá haver alguns momentos críticos, com mais repressão contra jornalistas, por exemplo, durante manifestações. 

DW África: No início, falaste um pouco sobre as mudanças na redação da DW África, antes com um programa virado maioritariamente para a rádio, mas que hoje faz também televisão, além de estar presente em várias plataformas digitais. O futuro passa por aqui, por esta mistura? Ou passa por mais televisão e menos rádio, por exemplo?

JB: É difícil dizer qual será o futuro. É bom termos os três elementos, TV e rádio clássicas, redes sociais e online. Ao olhar para os mercados mais avançados em termos tecnológicos, acredito que haverá sinergias cada vez maiores entre a TV clássica e o uso das redes sociais e dos vídeos, online. Pessoalmente, acho que haverá uma convergência, com uma oferta cada vez mais direcionada para o uso on demand, à hora que o utilizador quiser.

Equipa da DW África em abril de 2015Foto: DW/M. Müller

DW África: Na tua nova função, depois da saída da redação em Português para África, quais são os novos formatos da DW em que irás trabalhar?

JB: No início, serão principalmente formatos em cooperação com redações africanas. Uma das ideias em cima da mesa é apostar no social audio, isto é, na divulgação de peças de rádio ou emissões radiofónicas nas redes sociais. A seguir, dependerá um pouco dos planos da DW, mas o foco será certamente o desenvolvimento de formatos para redes sociais e online. Portanto, formatos digitais e não tanto formatos de rádio ou TV. Espero também que haja espaço para fazer trabalhos com outras redações, para além das redações africanas. É bom continuar com as redações africanas, mas um desejo meu foi também expandir um pouco os meus horizontes.

DW África: Agora, ficarás com mais tempo para ir a Lisboa, um dos teus locais de eleição?

JB: Sim, vou continuar a ser freguês habitual em Lisboa, mais nos tempos privados do que pela DW. É a minha segunda casa. Tenho um fascínio muito grande pela cidade, vou às praias… acho que conheço Lisboa até melhor do que a cidade em que vivo aqui, que é Colónia…

DW África: Que mensagem gostarias de deixar após 16 anos na redação da DW África?

JB: Queria dizer para continuarem connosco, com a DW. Foi um prazer ter trabalhado neste mundo maravilhoso da língua portuguesa. Foi também um prazer ter estado nestes países africanos – espero que um desses dias possa voltar.

Guardo muito boas memórias destes tempos. Um abraço da minha parte e até sempre.

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