Jornais alemães acordam para inundações em Moçambique
8 de fevereiro de 2013O diário Der Tagesspiegel deu destaque a Moçambique. "Chuvas fortes deixaram partes do país debaixo d'água, mas não há câmeras de televisão por perto desta vez", escreve a jornalista Dagmar Dehmer.
A repórter faz um relato da "criança mais famosa de Moçambique": Rosita Pedro Mabuiango, "que em poucas semanas fará 13 anos de idade, e o país de hoje se parece com aquele que existia no dia do seu nascimento". É que, em 2000, quando 800 pessoas morreram nas cheias históricas que afetaram o país austral africano, a mãe de Rosita Pedro deu à luz a filha em cima de uma árvore. "Em volta da mãe de Rosita Pedro, só se via águas e correntes fortes. E, nas águas, os crocodilos esperavam".
No sul de Moçambique, lembra o Tageszeitung, o rio Limpopo transformou a paisagem numa de muitos lagos, após fortes chuvas nas últimas semanas. "55 pessoas morreram, 169 mil foram resgatadas ou fugiram para locais mais seguros. Nas cidades de Guija e Chókwè, acabou o fornecimento de luz e água potável. A autoridade anticalamidades alerta para o retorno às cidades, já que o risco de doenças como cólera ainda seja alto demais".
Atualmente, o norte do país também está sofrendo com as cheias. Além das chuvas, ainda há tempestades causadas pelo ciclone Felleng, que cresce a leste do Madagáscar, vizinho insular de Moçambique.
Sem luzes, sem câmera, sem ação
Em 2000, lembra o Tageszeitung, foi também um ciclone que causou as catastróficas inundações em Moçambique. "Naquela altura, a opinião pública mundial participava praticamente ao vivo da tragédia. Sophia Pedro e seu bebê Rosita foram salvas por um helicóptero no qual havia uma jornalista da agência noticiosa France Presse, que fez uma entrevista logo no helicóptero com a mãe do bebê. Durante dias, televisões do mundo inteiro cobriram a tragédia. Na Alemanha, discutiu-se sobre o envio, o mais rápido possível, ao sul da África".
Com espaço aéreo já cheio por causa da tragédia, a Alemanha acabou por enviar, depois de várias discussões, dez helicópteros a Moçambique. "500 milhões de dólares em ajuda internacional foram enviados ao país. E Rosita Pedro ganhou muitos presentes: um frigorífico, um boi, um gerador, paineis solares". O pai vendeu os produtos. Em 2007, perdeu os direitos sobre a filha, que "nunca mais apareceu em manchetes. E essas manchetes também não focam a catástrofe das inundações atuais em Moçambique", diz o jornal.
Apesar de analistas internacionais ouvidos pelo Tageszeitung acharem que as dimensões da tragédia atual não são tão dramáticas quanto em 2000, há agravantes como a perda da colheita de milho no país. O desafio maior, segundo especialistas, será alimentar a população depois das cheias, já que a ajuda nos dias de hoje é muito morosa. E, apesar de o caudal do Limpopo ter voltado a subir esta semana, segundo a agência noticiosa LUSA, os níveis das águas baixavam na semana passada e "não chamam atenção das televisões".
As riquezas dos descendentes de políticos africanos
Como na semana passada, Isabel dos Santos, filha do presidente angolano José Eduardo dos Santos, mereceu um perfil na imprensa alemã. Mas, em vez da Süddeutsche Zeitung, foi diário alemão Die Welt que fez um retrato, com o objetivo de exemplificar a atuação de descendentes de políticos africanos na economia. O título da matéria publicada na quinta-feira (07.02) a descreve como uma "bilionária num país da pobreza".
O texto começa com a descrição da festa de casamento de Isabel dos Santos com o herdeiro milionário congolês Sindika Dokolo, há nove anos atrás, da qual participaram dez mil convidados. A comida foi trazida da França e contrataram um coral da Bélgica. O ministro dos Petróleos foi padrinho do enlace, lembra o jornal.
Porém, "tanta ostentação é mais a exceção do que a regra" para Isabel dos Santos. "A investidora que evita aparecer em meios de comunicação vai gradualmente seguindo os passos do pai, o presidente José Eduardo dos Santos, que se esforça para melhorar a imagem de Angola – um país que ainda ocupa um dos últimos lugares na lista dos países mais corruptos da organização não governamental Transparência Internacional", diz o artigo do Die Welt.
"Também Isabel dos Santos zela pela própria imagem, uma vez que a empresária de 40 anos de idade está construindo um império econômico em Angola e em Portugal", afirma o jornal, que lembra que, quando o jornal italiano La Stampa ligou a ascensão econômica de Isabel ao cargo político mais alto do país, ocupado pelo pai da empresária, ela encaminhou uma queixa à publicação: "Não controlo nenhum capital nem um império financeiro pertencente ao presidente angolano. Tal império simplesmente não existe", cita o Die Welt, ao mesmo tempo em que acrescenta: "Uma afirmação ousada, já que existem poucos setores de negócios em Luanda [a capital angolana] dos quais que o clã Dos Santos não participe".
Exemplo para outros dirigentes africanos
Segundo o diário alemão, "Isabel dos Santos talvez seja o exemplo mais conhecido dos filhos de presidentes africanos que, em vez de postos ministeriais, ambicionam carreiras empresariais, com a ajuda das ótimas relações da família" com representantes do setor. "Seja em Angola, na África do Sul ou em Moçambique, os descendentes da elite política fazem negócios milionários". O Die Welt também lembra que Isabel dos Santos foi apontada como a primeira milionária do continente africano em publicação recente da revista norte-americana Forbes.
"Sob a batuta da família Dos Santos, Angola é um exemplo contumaz para a observação recorrente de que um 'boom' econômico não siginifica necessariamente a melhoria das condições da população", opina o Die Welt.
Entre 2004 e 2008, o crescimento econômico angolano cresceu em média 17%, impulsionado por exportações de petróleo e créditos milionários da China. "Apenas com a crise internacional o crescimento caiu para um dígito".
O Die Welt também lembra que Angola é o segundo maior produtor de petróleo do continente africano, depois da Nigéria, e que em apenas dez anos após o fim da guerra civil (1975-2002) já chegou ao terceiro lugar na lista de maiores economias do continente africano, atrás da África do Sul e da Nigéria. "Mas no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas o país ocupa a posição de número 148 – de 187 países. A organização de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch relata sobre o sumiço de dezenas de milhares de petrodólares alegadamente lavados pelo Banco Central angolano, e a maioria dos cerca de 21 milhões de angolanos vive na pobreza, com menos de dois dólares por dia".
Segundo o jornal alemão, Isabel dos Santos "pertence ao time dos vencedores desde o nascimento": após o divórcio de José Eduardo dos Santos de sua mãe, a russa Tatiana Cergueevna Regan, Isabel cresceu em Londres, durante a guerra civil angolana.
Antes do fim da guerra, em 2002, Isabel abriu um restaurante em Luanda. "Hoje, possui 28,8% das ações da TV a cabo portuguesa ZON. É a acionista majoritária. Tem 19,5% do banco português BPI. Com as participações no banco angolano BIC e na empresa de telefonia celular angolana Unitel, o valor das ações de Isabel dos Santos totaliza mil milhões de dólares".
Atividades ilegais nessas participações não seriam conhecidas, mas "a origem do dinheiro e a organização empresarial não são transparentes", segundo Peter Lewis, professor para estudos africanos na universidade Johns-Hopkins, citado na Forbes. Sobre a falta de transparência, o Die Welt ainda afirma que, se for feita uma lista "das cadeiras mais altas das empresas importantes em Angola, é possível comparar com uma lista da família do presidente José Eduardo dos Santos, do partido governista MPLA e da elite militar do país" – seriam as mesmas pessoas, portanto, diz o jornal.
Filhos de presidentes enriquecem na África e no mundo
Acusações similares, lembra o diário, são feitas à família e aos descendentes do presidente sul-africano Jacob Zuma, e também à família presidencial moçambicana. "A filha do presidente Armando Guebuza, Valentina, de 31 anos, é diretora do conselho de várias empresas do país. As relações da família com elites econômicas são óbvias. Mas ao contrário de outros descendentes presidenciais do continente, até onde se sabe todas as atividades são legais" – o que não acontece com o filho do presidente da Guiné Equatorial, conhecido como Teodorín.
"Como ministro da Agricultura do país, ele não recebe nem 3 mil euros por mês – o que não impediu que ele comprasse uma Bugatti (no valor de 1,1 milhões de euros) e uma Maserati de 700 mil euros", diz o Welt.
Por outro lado, pondera o jornal, tais atividades empresariais não são exclusividade de filhos de presidentes africanos. "Basta lembrar o filho do antigo presidente francês François Mitterrand, Jean-Christophe Mitterand. Nos anos 1990, ele teria recebido quase dois milhões de euros em subornos em troca de apresentar um comerciante de armas ao governo de um grande país africano: Angola".
Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha