Jornalistas temem pela liberdade de imprensa em Angola
Nelson Camuto (Malanje)
13 de setembro de 2021
Vários jornalistas de Malanje, Angola, dizem que são alvo de pressões constantes por parte de governantes e temem escalada das ameaças durante a cobertura das eleições de 2022. Governo local rejeita qualquer intimidação.
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O jornalista António Salatiel diz que tem uma das profissões mais difíceis na província angolana de Malanje. Ele é repórter há sete anos na rádio Ecclesia, a emissora Católica de Angola.
Em entrevista à DW África, conta que já foi suspenso de funções duas vezes, supostamente por ter fugido à "linha" editorial e abordar temas polémicos.
"Nós sentimos represálias muitas vezes. Passei por uma situação em que até fui suspenso da rádio na véspera da visita do Presidente da República [João Lourenço]. Eu dei voz aos ativistas que se mostravam insatisfeitos com algo da governação local e isso pesou-me bastante", recorda.
Na altura, a rádio Ecclesia alegou que o profissional cometeu um ato de indisciplina. "Aproveitando-se da presença do Presidente da República, ele deu voz aos ativistas a ofenderem-no em direto numa rádio da Igreja. Houve mesmo uma indisciplina por parte do Salatiel", justificou Justino Ngodi, diretor de informação daquele órgão de comunicação.
Mas António Salatiel diz que os problemas não se ficam por aqui. O profissional de rádio revela que também já foi alvo de ameaças "dos gabinetes provinciais".
"Muitas vezes, nós recebemos ligações, às vezes ameaças, a dizer que não podemos publicar aquilo, porque [se publicarmos] o próprio não nos dá acesso a fontes", assevera.
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"Vai ter problema"
O clima de pressão afeta também os jornalistas dos órgãos de comunicação públicos, comenta Roque Milton, que trabalha na agência noticiosa Angop.
"Nós aqui, ao nível de Malanje, já sofremos esse tipo de pressões. Ligam e [perguntam] se aquela matéria, se lançar, não vai comprometer o partido ou o Governo. Dão berros até. E ameaçam: 'se você lançar aquela notícia, vai ter problema'", descreve.
A pressão leva os jornalistas a sentirem-se obrigados a "engavetar" temas, sob pena de sofrerem duras represálias.
Dito Tavares, editor de notícias da Rádio Nacional de Angola em Malanje, diz que já sofreu repercussões depois de ter publicado algumas matérias, como por exemplo em 2016, depois de ter feito uma reportagem sobre as dificuldades em que vivia a palanca negra gigante, uma espécie antílope de Angola.
"Há sempre esta pressão. Quando publiquei esta matéria, [houve] muita pressão por parte do Ministério do Ambiente e do pessoal do parque. Mas eu tinha todas as provas, eu busquei todas as partes", frisa.
Governo local rejeita intimidações
Custódio Fernando, diretor do departamento de Comunicação Social do governo de Malanje, rejeita que a liberdade de imprensa esteja em causa na província.
"Em nenhum momento o governo provincial de Malanje interfere nas redações. Das instituições que fazem parte do governo provincial de Malanje, posso-lhe garantir que não tem havido censura", afirma.
"Temos feito o máximo possível para que as fontes estejam disponíveis", acrescenta.
O Sindicato dos Jornalistas Angolanos disse em agosto que vai avançar com um projeto para fiscalizar a atividade jornalística no país, para ver até que ponto a liberdade de imprensa está ou não a ser respeitada. O sindicato mostrou-se preocupado com o número crescente de processos contra jornalistas em Angola.
Países africanos que mais violam a liberdade de imprensa
Gana é o país africano mais bem classificado no "<i>Ranking</i> Mundial da Liberdade de Imprensa" dos Repórteres sem Fronteiras. A Eritreia é o pior em África e, a nível mundial, só é melhor que a Coreia do Norte.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
Eritreia - posição 179º lugar
A liberdade de imprensa é considerada "não existente". Em 2001, uma série de medidas repressivas contra <i>media</i> independentes levaram a uma onda de detenções. O Presidente Isaias Afeworki é visto como um “predador” da liberdade de imprensa e usa os meios de comunicação nacionais como seus porta-vozes. Escritores, locutores e artistas são censurados e a informação é escondida dos cidadãos.
Foto: picture-alliance
Sudão - 174º lugar
Na capital Cartum, pratica-se a chamada “censura pré-publicação". O Governo detém jornalistas arbitrariamente e interfere abertamente na produção de notícias. A "Lei da Liberdade de Informação de 2015" é vista como uma outra forma de exercer controlo governamental sobre a informação pública. Os jornalistas têm de passar por um teste e obter uma permissão para trabalhar.
Foto: Getty Images/AFP/A. Shazly
Burundi - 159º lugar
Repressão estatal contra a liberdade de imprensa e intimidação de jornalistas é comum no país. <i>Media </i> controlados pelo Estado substituem cada vez mais estações de rádio independentes, depois de a maior parte delas ter sido forçada a fechar, após uma tentativa de golpe de estado há três anos. Centenas de jornalistas fugiram do país desde 2015. Na foto, protesto de jornalistas no país.
Foto: Esdras Ndikumana/AFP/Getty Images
República Democrática do Congo - 154º lugar
Defensores dos <i>media</i> falam em jornalistas mortos, agredidos, detidos e ameaçados desde que Joseph Kabila sucedeu ao pai na presidência do país em 2001. Orgãos de comunicação internacionais queixam-se que o Governo interfere nos sinais de rádio ou corta mesmo a transmissão. Protestos da oposição levaram as autoridades a interromper ou cortar o acesso à Internet.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Kappeler
Suazilândia - 152º lugar
Esta monarquia absoluta tem a reputação de obstruir o acesso à informação e impedir os jornalistas de fazerem o seu trabalho. Os <i>media</i> estão sujeitos a leis restritivas e repórteres são frequentemente chamados a tribunal pelo seu trabalho. Auto-censura é comum. Um editor saiu recentemente do país depois de fazer uma reportagem sobre negócios obscuros ligados ao Rei Mswati III (na foto).
Foto: picture-alliance/dpa
Etiópia - 150º lugar
O Governo tem uma mordaça sobre os órgãos de comunicação e os jornalistas trabalham sobre condições muito restritivas. Com a Eritreia, este país tem uma das mais altas taxas de jornalistas detidos na África subsariana. Na foto, o jornalista etíope Getachew Shiferaw, que foi condenado a 18 meses de prisão por ter falado com um dissidente.
Foto: Blue Party Ethiopia
Sudão do Sul - 144º lugar
Os jornalistas são obrigados pelo Governo a evitar fazer cobertura do conflito. Órgãos de comunicação internacionais denuciaram casos de assédio e foram banidos deste jovem país, onde pelo menos 10 jornalistas foram mortos desde 2011. Na foto, dois jornalistas do Uganda que tinham sido detidos por autoridades no Sudão do Sul.
Foto: Getty Images/AFP/W. Wudu
Camarões - 129º lugar
O Governo chamou às redes sociais uma “nova forma de terrorismo”, e bloqueia frequentemente o acesso às mesmas. Emissões de rádio e televisão foram bloqueadas duas semanas em março, durante o período eleitoral. Jornais que publicam conteúdos que desagradam políticos no poder são banidos e jornalistas e editores são detidos.
Foto: picture alliance/abaca/E. Blondet
Chade - 123º lugar
Os jornalistas arriscam-se a detenções arbitrárias, agressões e intimidações. Nos últimos meses, o Governo tem vindo a reprimir plataformas de <i>social media</i> e ciber-ativistas. A Internet tem estado bloqueada no país desde 28 de março, no seguimento de um “apagão” da Internet devido a manifestações da sociedade civil e protestos dos órgãos de comunicação num chamado “dia sem imprensa”.
Foto: UImago/Xinhua/C. Yichen
Tanzânia - 93º lugar
Críticos dizem que o Presidente John Magufuli tem vindo a atacar a liberdade de expressão deliberadamente, desde que tomou posse em 2015. Jornalistas foram presos ou dados como desaparecidos. Orgãos de comunicação social foram fechados ou impedidos de publicar durante longos períodos de tempo. Leis que podem ser usadas contra os <i>media</i> foram apertadas.