Jornalistas negam apoio ao candidato da FRELIMO em Nampula
Sitoi Lutxeque (Nampula) | Lusa
19 de janeiro de 2018
A polémica estalou com uma notícia sobre o alegado apoio de jornalistas ao candidato da FRELIMO às intercalares em Nampula, norte de Moçambique. Os profissionais refutam as acusações e o Sindicato distancia-se do caso.
Publicidade
Tem dado que falar um encontro que Amisse Culolo, candidato da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) à presidência do município de Nampula, teve esta quarta-feira (17.01) com várias figuras de Nampula, incluindo jornalistas. A polémica surgiu depois de um artigo publicado pelo jornal Notícias, o mais antigo do país, segundo o qual Amisse Cololo "manteve contactos com diferentes grupos profissionais na tentativa de conquistar o voto" nas intercalares de 24 de janeiro, "tendo estado com médicos, empresários e jornalistas que, no entanto, garantiram apoiar a sua candidatura".
Mas jornalistas que estiveram presentes no lanche oferecido pelo candidato da FRELIMO disseram à DW África que não prometeram votos a Amisse Cololo.
"Não sei de onde [o jornalista] tirou essa informação", afirma Ortigo Marcos, jornalista da Rádio Haq. "A única coisa que o candidato disse, depois de chegar à sala em que estivemos, é que agradecia muito pelo que a imprensa tem feito na divulgação da sua campanha eleitoral e do seu manifesto. Sobre a questão de pedir votos, não me lembro que o candidato tenha dito isso", esclarece.
O jornalista Aunício da Silva, diretor editorial do Jornal Ikweli, também condena a atitude do autor do artigo, que acusa de ter manchado o "bom nome" de todos os profissionais da comunicação social e de "ferir" a própria lei de imprensa.
"Esqueceu-se de colocar que são os jornalistas do jornal Notícias que estão a apoiar o candidato, porque isso fere os dez princípios de cobertura eleitoral que foram aprovados pelo MISA-Moçambique [Instituto de Comunicação Social da África Austral em Moçambique] e pelo Sindicato Nacional de Jornalistas na Beira", em 2009, sublinha.
Aunício da Silva fala em "interesses ocultos" por detrás do polémico artigo. "Esta peça surge apenas para distrair-nos das estratégias que os partidos estão a usar para controlar o poder da cidade de Nampula. Se calhar há algum interesse de despistar a opinião pública", sugere.
Sindicato distancia-se
O Sindicato Nacional de Jornalistas (SNJ) em Nampula distancia-se do caso. "Não estivemos envolvidos na preparação ou convocação de jornalistas para o encontro que houve para pedido de votos", esclareceu a secretária provincial do SNJ, Hermínia Francisco.
Jornalistas negam apoio ao candidato da FRELIMO em Nampula
"Os jornalistas, para além de profissionais, são cidadãos e gozam de direito de voto", lembra Hermínia Francisco. "Não tendo sido exercida essa atividade em pleno espaço laboral, na cobertura eleitoral é legítimo que esses jornalistas individualmente tenham acedido a tal encontro".
A legislação moçambicana proíbe jornalistas no ativo de fazerem campanha eleitoral por partidos políticos, mas abre espaço para que, caso seja do seu interesse fazê-lo, suspendam formalmente as atividades jornalísticas.
Código de Cobertura Eleitoral
Em comunicado, o MISA-Moçambique defendeu que "os jornalistas não podem apoiar nenhuma candidatura ou partido político". Para a organização de defesa da liberdade de imprensa, essa tomada de posição viola o Código de Conduta de Cobertura Eleitoral, um documento produzido na África do Sul, em 2012, e que foi assinado por vários órgãos de informação moçambicanos.
O porta-voz da FRELIMO, Caifadine Manasse, diz que o candidato Amisse Cololo não pretendia influenciar os jornalistas presentes no encontro. "O candidato da FRELIMO apenas pediu apoio, tendo em conta o facto de que eles também vão votar nas eleições. Também defendemos a liberdade de imprensa e os princípios de independência e imparcialidade no exercício da atividade", disse à agência Lusa o porta-voz do partido no poder em Moçambique desde a independência.
As eleições intercalares de Nampula estão marcadas para a próxima quarta-feira (24.01) e realizam-se na sequência do assassinato do presidente do município, Mahamudo Amurane, a 4 de outubro de 2017, que continua por esclarecer.
Moçambique: Assassinato de figuras incómodas é uma moda que veio para ficar
O preço de fazer valer a verdade, justiça, conhecimento ou até posições diferentes costuma ser a vida em Moçambique. A RENAMO é prova disso, no pico da tensão com o Governo da FRELIMO perdeu dezenas de membros.
Foto: BilderBox
Mahamudo Amurane: Silenciada uma voz contra corrupção e má governação
O edil da cidade de Nampula foi morto a tiros no dia 4 de outubro de 2017. Insurgia-se contra a má gestão da coisa pública e corrupção no seu Município. Foi eleito para o cargo de edil através do partido MDM. Embora mais de sessenta pessoas já estejam a ser ouvidas pela justiça não se conhecem os autores do crime.
Foto: DW/Nelson Carvalho Miguel
Jeremias Pondeca: Uma voz forte nas negociações de paz que foi emudecida
Foi alvejado mortalmente a tiro por homens desconhecidos no dia 8 de setembro de 2016 em Maputo quando fazia os seus exercícios matinais. O assassinato aconteceu numa altura delicada das negociações de paz. Pondeca era membro da Comissão Mista do diálogo de paz, membro do Conselho de Estado, membro sénior da RENAMO e antigo parlamentar. Até hoje a polícia não encontrou os autores do crime.
Foto: DW/L. Matias
Manuel Bissopo: O homem da RENAMO que escapou por um triz
No dia 4 de janeiro de 2016 foi baleado depois de uma conferência de imprensa do seu partido na Beira. Bissopo tinha acabado de denunciar alegados raptos e assassinatos de membros do seu partido e preparava-se para se deslocar para uma reunião da força de oposição quando foi baleado. A polícia moçambicana até hoje não encontrou os atiradores.
Foto: Nelson Carvalho
José Manuel: Uma das caras da ala militar da RENAMO que se apagou
Em abril de 2016 este membro do Conselho Nacional de Defesa e Segurança em representação da RENAMO e membro da ala militar do principal partido da oposição foi morto a tiro por desconhecidos à saída do aeroporto internacional da Beira. A questão militar é um dos pontos sensíveis nas negociações de paz. Os assassinos continuam a monte.
Foto: DW/J. Beck
Marcelino Vilanculos: Assassinado quando investigava raptos
Era procurador foi baleado no dia 11 de abril de 2016 à entrada da sua casa, na Matola. Marcelino Vilanculos investigava casos de rapto de empresários que agitavam o país na altura. O julgamento deste assassinato começou em outubro de 2017.
Foto: picture-alliance/Ulrich Baumgarten
Gilles Cistac: A morte foi preço pelo conhecimento divulgado?
O especialista em assuntos constitucionais de Moçambique foi baleado por desconhecidos no dia 3 de março de 2015 na capital Maputo. O assassinato aconteceu após uma declaração que fortaleceu a posição da RENAMO de gestão autónoma na sua querela com o Governo da FRELIMO. Volvidos mais de dois anos a sua morte continua por esclarecer.
Foto: A Verdade
Dinis Silica: Assassinado em circunstâncias estranhas
O juiz Dinis Silica também foi morto a tiro por desconhecidos, em 2014, em plena luz do dia, quando conduzia o seu carro na capital moçambicana. Na altura transportava uma avultada quantia de dinheiro, cuja proveniência é desconhecida. O juiz da Secção Criminal do Tribunal Judicial da Cidade de Maputo investigava igualmente casos de raptos. Os assassinos continuam a monte.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Deck
Siba Siba Macuacua: Uma morte brutal em nome da verdade
O economista do Banco de Moçambique foi atirado de um dos andares do prédio sede do Banco Austral no dia 11 de agosto de 2001. Na altura investigava um caso de corrupção na gestão do Banco Austral. Siba Siba trabalhava na recuperação da dívida de milhões de meticais, resultante da má gestão do banco. Embora tenha sido aberta uma investigação sobre esta morte ainda não há esclarecimentos até hoje.
Foto: DW/M. Sampaio
Carlos Cardoso: O começo da onda de assassinatos
Considerado o símbolo do jornalismo investigativo em Moçambique, Carlos Cardoso foi assassinado a tiros a 22 de novembro de 2000. Na altura investigava a maior fraude bancária de Moçambique. O seu assassinato foi interpretado como um aviso claro aos jornalistas moçambicanos para que não interferissem nos interesses dos poderosos. Devido a pressões internacionais o caso chegou a justiça.