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Que papel tem África na busca da paz mundial?

João Carlos
10 de julho de 2024

“Não estou muito otimista”, diz o analista José Milhazes a propósito de eventuais resultados palpáveis, com impacto em África, da cimeira da NATO. Mas o analista defende um papel maior de África nas crises mundiais.

Cimeira da NATO nos EUA - Washington
Cimeira da NATO, em Washington, debate situação na Ucrânia Foto: Kay Nietfeld/dpa/picture alliance

"África vai ter que desenvolver um papel diplomático e político mais importante na nova estrutura mundial”, para a busca de paz na Europa do Leste – defende José Milhazes, jornalista e comentador político português, em entrevista à DW a propósito da cimeira da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN ou NATO), que decorre de 9 a 11 deste mês, em Washington, nos Estados Unidos.

Milhazes é de opinião que "não faltam intermediários, nem faltam propostas de paz”. O grande problema, argumenta, "é encontrar o intermediário certo”.

O país de Vladmir Putin diz estar a seguir a cimeira de Washington com "muita atenção”, depois de Kremlin afirmar que "a Aliança Atlântica considera a Rússia sua inimiga”. 

DW: A cimeira anual da NATO, esta semana em Washington para discutir, entre outros temas, a guerra na Ucrânia, é um acontecimento que deve merecer a atenção de África, tendo em conta que tanto a Ucrânia como a Rússia têm parceiros no continente?

José Milhazes (JM): Claro, esse é um dos pontos da ordem de trabalhos da cimeira. É o flanco sul da NATO, onde alguns países da NATO estão a ter sérios problemas devido à ofensiva russa nessa região. Nós, desde há uns anos para cá, estamos a assistir a uma ofensiva russa híbrida no continente africano, que se revela sob formas como a cooperação económica, a cooperação militar e até a cooperação em termos ideológicos. Antes havia só o grupo mercenário Wagner, que agora, controlado pelo Ministério da Defesa da Rússia, continua a alargar as suas atividades a territórios cada vez maiores em África, tentando desalojar de lá, e com êxito nalguns casos, as antigas potências coloniais como a França, por exemplo, ou Portugal.

José Milhazes, analista políticoFoto: DW/J.Carlos

DW: Analistas dizem que esta cimeira acontece no meio de incerteza política. O que se pode esperar de palpável e de substancial desta reunião face à atual conjuntura internacional, com reflexos pesados e negativos também para África?

JM: Eu não estou muito otimista quanto aos resultados desta cimeira. Estas cimeiras normalmente ficam marcadas por declarações pomposas, mas depois a sua concretização falha total ou parcialmente. O que nós estamos a ver neste momento é uma situação internacional absolutamente caótica, onde os mais fortes podem violar à vontade a Carta das Nações Unidas. E é preciso primeiro encontrar vias de paz para conflitos com a Ucrânia ou Israel contra o Hamas.

É muito importante encontrar vias para a solução destes conflitos no Sudão também e noutras regiões. É também importante começar a ver qual será a futura estrutura da nova, digamos, organização mundial. É preciso criar novos órgãos, baseados em novas realidades, e isso continua a ser uma grande incógnita, porque nós não sabemos, por exemplo, como vai terminar o conflito entre a Ucrânia e a Rússia. E desse conflito depende toda a estrutura de segurança europeia.

DW: Já agora, no plano diplomático, que peso tem o facto de Angola se estar a aproximar mais dos EUA? Isso terá impacto na relação dos PALOP com a Rússia?

JM: Bem, Angola é um caso à parte neste momento. Agora, o impacto depende do país. Por exemplo, em São Tomé e Príncipe, pelo menos em termos de palavras, estava-se a assistir a uma aproximação com a Rússia. Claro que provocou forte agitação e nervos em Portugal, por exemplo, a decisão de São Tomé e Príncipe abrir os seus portos marítimos e os seus aeroportos a navios e aviões russos. Isto em Portugal caiu como uma autêntica bomba.

Agora, daí até São Tomé e Príncipe estreitar mais relações com a Rússia, aqui pode acontecer o que aconteceu no final da Primeira Guerra Fria, chamemos-lhe assim. Nós vemos que, por exemplo, hoje a Rússia diz combater ao lado dos países africanos contra o neocolonialismo das antigas potências ocidentais em África. Mas se nós nos lembrarmos da União Soviética, ela nos anos 60, 70 e 80, participava nos conflitos africanos em nome da libertação desses países do colonialismo. Quer dizer, há um certo paralelismo.

Mas aqui há uma coisa extremamente desagradável para a Rússia. Porque a União Soviética, em parte, ruiu devido à incapacidade financeira e logística de ter uma política externa tão aberta e tão ampla.

DW: A Rússia e a Ucrânia têm interesses e parceiros em África. Acha que os líderes africanos, apesar de divididos na condenação à guerra, deveriam usar este instrumento para influenciar mais as partes a se entenderem a curto prazo, uma vez que o conflito já dura muito tempo?

Volodymyr Zelensky, Presidente da UcrâniaFoto: Jose Luis Magana/AP Photo/picture alliance

JM: Exato. Claro que a África aqui podia ter uma voz maior, uma voz mais forte. Mas África debate-se com problemas internos muito grandes e que levam a esta divisão no seu seio e torna impossível uma tomada de posição única, face, por exemplo, não só à guerra da Ucrânia, mas também em relação a outros grandes problemas.

Mas, eu sou da opinião que, mais tarde ou mais cedo, a África vai ter que desenvolver um papel diplomático e político mais importante na nova estrutura mundial. Se for o caso, por exemplo, de renovar, de modernizar o Conselho de Segurança da ONU, uma das necessidades imperativas é fazer com que este novo órgão tenha um representante, pelo menos, da África. Quanto ao funcionamento, nós podíamos falar muito sobre o fim do direito ao veto, etc., mas isso aí é para outra altura.

DW: Atenta à cimeira em Washington, Kremlin diz que a Aliança Atlântica considera a Rússia sua inimiga. Perante todo este cenário, à luz desta cimeira de Washington, acha que será difícil encetar negociações com a Rússia para uma aproximação com a outra parte do conflito, com vista a se encontrar uma solução para o fim da guerra?

JM: Esse trabalho está a ser feito por múltiplos agentes. Não faltam intermediários, nem faltam propostas de paz. Aqui o grande problema é encontrar o intermediário certo e a proposta de paz que seja atraente para as duas partes, que é isso que ainda não se conseguiu. Como intermediário, eu acho que deverá ser um país grande ou um grupo de países. No caso do país grande pode ser, por exemplo, a China, e no caso de um grupo de países poderá ser a União Europeia. Mas não estou a ver a União Europeia a mediar este conflito. Por isso, ainda é muito imprevisível, é muito complicado entender como é que este conflito irá terminar e quais as consequências para o mundo futuro

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