Sejam agentes públicos ou privados, a regra parece clara na província de Inhambane: Quem quer um emprego tem de pagar. Num mercado de trabalho restrito, a extorsão em troca de vagas gera situações dramáticas.
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O ingresso no mercado de trabalho para recém-formados pode ser caro em Moçambique. Jovens profissionais denunciam que são obrigados a pagar por uma vaga de emprego. Os depoimentos colhidos pela reportagem da DW África são da província de Inhambane, no sul de Moçambique.
Segundo relatório da Organização dos Trabalhadores de Moçambique, 23% dos moçambicanos não têm emprego e nada fazem para ganhar a vida. A maioria dos desempregados no país é jovem.
Num ambiente onde o mercado de trabalho é restrito, a extorsão praticada por agentes públicos ou privados em troca de uma vaga gera situações inusitadas e dramáticas, principalmente para os profissionais mais pobres.
As vítimas da extorsão são jovens que concluíram cursos em institutos de formação de professores primários, graduados em cursos de saúde e diversos cursos de licenciatura e técnicos. O fenómeno coloca na posição de vítima estudantes que chegam a passar três anos em formação.
Como a extorsão ocorre
A extorsão ocorre no setor público ou privado. O psicólogo educacional Agostinho Manuel formou-se na Universidade Save, na Maxixe, em 2017. Ele conta que passou o ano de 2018 a concorrer via internet e presencialmente em muitas empresas que divulgam anúncios de vagas.
Manuel chegou a pagar por emprego, mas o posto de trabalho não lhe foi entregue. “Perdi 3 mil meticais [o equivalente a 43 euros] com burlas”, conta.
Mário Patrício formou-se hotelaria e turismo, mas ainda está desempregado. Ele diz que a corrupção assaltou as instituições públicas por isso que está a ser difícil os jovens arranjarem emprego no Estado. Patrício apela que o governo deveria olhar para a corrupção em “primeira mão”.
“Para concorrer na Policia da República de Moçambique é uma dificuldade enorme. É preciso pagar de 11 mil a 15 mil meticais [de 160 mil a 250 mil euros] para estar lá na formação, porque basta sair de lá já tem emprego garantido", conta.
Entre alternativas e a esperança
Vítimas mais pobres desistem de procurar emprego na área devido à falta de vagas e também porque não têm dinheiro para pagar por uma vaga.
Francisco Cipriano formou-se como professor primário há dois anos. A sorte de ter emprego ou de dar aulas nunca chega, por isso ele sobrevive produzindo blocos para terceiros quando é solicitado.
“Ainda não apanhei emprego, só apanho os biscatos de bater blocos”, lamenta Cipriano.
Não é o caso de Valodia Texeira - formada em Farmácia no Instituto de Formação da Saúde. Ela já tenta há três anos uma oportunidade de emprego. Mesmo depois de várias tentativas, nunca perde a esperança de um dia vir a trabalhar sem precisar pagar.
“Terminei em 2017, já concorri em várias instituições. Não consegui e faz muito tempo [que estou] sentada em casa sem fazer nada. Posso ter sorte e trabalhar nessas farmácias privadas”, diz confiante.
Jovens moçambicanos têm que subornar agentes por um emprego
Governo aberto à combater a corrupção
O membro do Governo provincial de Inhambane e secretário do Distrito de Inhassoro, José Matsinhe, diz que o Executivo está empenhado em combater atos de corrupção na fase de seleção dos candidatos a empregos na província.
“Estamos abertos para conjuntamente combater todo o caso de corrupção ou de pagamento para [a obtenção de] emprego, isto não é correto e não queremos que exista", afirmou José Matsinhe.
Não existe até agora nenhuma campanha de consciencialização para que os empregadores parem de extorquir dinheiro em troca de chances de trabalho aos jovens profissionais.
Os mercados-fantasma de Inhambane
Em Inhambane, no sul de Moçambique, o Governo tem construído vários mercados, mas poucos são utilizados. Os vendedores comercializam os seus produtos nas ruas e avenidas, alegando que os mercados não atraem os clientes.
Foto: DW/L. da Conceição
O mercado que nunca funcionou
O mercado de peixe da vila de Vilankulo foi inaugurado este ano, mas ainda não começou a funcionar. Os vendedores fora do mercado desconhecem os motivos para o não funcionamento do estabelecimento. O mercado foi construído pela empresa sul-africana Vilcon, em parceria com a empresa PROPESCA, e custou aos cofres públicos o equivalente a pouco mais de 140 mil euros.
Foto: DW/L. da Conceição
Lotação máxima
A União Europeia e o Governo da Suécia financiaram em 2017 a construção de um mercado grossista em Maxixe, que custou o equivalente a 290 mil euros. Foi inaugurado a 9 de setembro, período da campanha eleitoral. Mas, até agora, o mercado tem apenas nove comerciantes - apesar de todos os postos constarem como "ocupados".
Foto: DW/L. da Conceição
"As pessoas compram mais nas ruas"
Muitos vendedores ocupam as ruas e avenidas da província em busca do sustento familiar. Várias vezes são impedidos pelas autoridades municipais ou provinciais, mas voltam sempre para a via pública. Questionados sobre os motivos que os levam a abandonar os mercados erguidos pelo Estado, muitos afirmam que "as pessoas compram mais nas ruas" e "dentro dos mercados ninguém entra".
Foto: DW/L. da Conceição
Luta entre vendedores e automobilistas
A presença dos vendedores informais nas ruas gera conflitos com os automobilistas, que dizem que a ocupação desorganizada dos espaços acaba por reduzir as dimensões das avenidas ou das ruas, dificultando a circulação das viaturas e pessoas. Mas, para os residentes, o facto de os vendedores ocuparem os passeios não é problema - desde que estejam organizados.
Foto: DW/L. da Conceição
Investimento perdido
No ano de 2015, as autoridades distritais de Morrumbene construíram um mercado na vila sede como forma de abrigar os vendedores informais. Na altura, recorreram à polícia para obrigar os comerciantes que ocupavam as ruas a irem para o novo mercado. Mas o resultado é este: até hoje, o mercado da vila de Morrumbene encontra-se desocupado.
Foto: DW/L. da Conceição
Construído e abandonado
Centenas de bancas construídas pelo Governo em Inhambane são abandonadas pelos vendedores, que preferem disputar passeios com peões e automobilistas nos centros das cidades e vilas. Os comerciantes dizem que nunca abandonarão os passeios para entrar nos mercados. O Governo acaba por ceder à vontade dos comerciantes para evitar clivagens políticas.
Foto: DW/L. da Conceição
"Os mercados estão longe da cidade"
Alguns consumidores nas ruas de Inhambane afirmam que preferem fazer as suas compras fora dos mercados. Um dos motivos principais desta preferência é a localização dos mercados, que não facilita a deslocação diária dos clientes. Hansa Ismael, consumidora, diz que "os mercados estão longe das cidades e ninguém tem dinheiro para apanhar transporte todos os dias".
Foto: DW/L. da Conceição
Portas fechadas desde a inauguração
Desde que foi entregue em 2016, o mercado do peixe de Maxixe funcionou menos de um mês. Os utentes dizem que o mercado não é rentável, porque gasta muito com a energia devido aos congeladores para a conservação do peixe. As autoridades afirmam não ter dinheiro para ajudar nos custos. Por isso, as portas continuam fechadas e o peixe é vendido sem condições básicas de higiene.
Foto: DW/L. da Conceição
Milhões para construção precária
Os conselhos autárquicos têm construído nos últimos anos alpendres que funcionam como mercados para a venda de diversos produtos, mas nem sempre estes locais são usados pelos utentes. As obras custam acima de 2 milhões de meticais (30 mil euros), mas, por a construção ser precária, os mercados acabam degradados sem terem sido usados.
Foto: DW/L. da Conceição
Casas de banho não usadas
A construção dos mercados em Inhambane é acompanhada também pela edificação de casas de banho, que chegam a custar mais de 7 mil euros. Mas estes espaços nunca são usados. Analistas criticam o facto de o Estado gastar tanto dinheiro em projetos pouco rentáveis e sugerem que os fundos públicos sejam antes investidos na melhoria das vias de acesso e no abastecimento de água e energia.