Impasse criado pelo Presidente José Mário Vaz, que demitiu o governo eleito de Aristides Gomes, criou um enigma, afirma Onofre dos Santos. Ex-juiz-conselheiro angolano lamenta "a guerra pessoal entre personalidades".
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Em plena fase de campanha eleitoral, a Guiné-Bissau tem dois governos e dois primeiros-ministros. Onofre dos Santos analisa a crise política com frontalidade, mas com alguma cautela.
Para o ex-juiz conselheiro do Tribunal Constitucional de Angola, o impasse provocado pelo decreto assinado por José Mário Vaz (JOMAV) ao criar um Governo de iniciativa presidencial e demitir o Executivo liderado por Aristides Gomes, que resulta das legislativas de 10 de março, é um enigma melindroso.
"Eu julgo que aquilo é uma charada quase constitucional, que não sei qual será a solução", afirma Onofre dos Santos, antigo diretor-geral das eleições em Angola, que supervisionou atos eleitorais em vários países, entre os quais na Guiné-Bissau.
Em declarações à DW África e à agência Lusa, afirma que este "episódio é o prosseguimento de uma novela que já se vem desenrolando" há vários anos.
"Só devia haver um Governo"
Crítico em relação à partilha do poder e à forma como o regime presidencialista é exercido na Guiné-Bissau, o juiz conselheiro jubilado acredita que só os resultados das eleições de 24 de novembro poderão ser a chave da solução deste problema.
"Só devia haver um Governo. Só deve haver um Presidente. Quando há dois governos, um que está demitido e outro que se mantém no poder, há alguma coisa que está errada. Um deles está errado", sublinha.
Santos lamenta a "teimosia pessoal" da classe política em insistir nesta guerrilha entre os poderes, a que chama de "bicefalismo". O mandato de José Mário Vaz terminou a 23 de junho deste ano e o Presidente em exercício surge como um dos doze candidatos às eleições deste mês.
Na opinião do juiz jubilado angolano, "o Presidente, embora esteja em fim de mandato, não deixa de exercer os poderes que tem. Não há nada na Constituição que proíba demitir um Governo pelo facto de estar em fim de mandato."
Mas Onofre dos Santos entende que não é adequado fazê-lo, sendo ele próprio candidato às presidenciais, admitindo que este episódio indica tratar-se de "uma guerra pessoal" entre entidades ou personalidades em jogo. "Isto, no fundo, é o epílogo de situações que já tiveram ressonâncias anteriores", afirma.
Guiné-Bissau vive uma "charada constitucional"
Eleições podem ser solução
"Assisti a muita coisa na Guiné-Bissau. Acho que é um país único, do grupo dos países de língua portuguesa, e creio que devemos dar-lhe agora uma chance de, com estas eleições presidenciais, poderem chegar a uma solução. Porque o que é curioso é que, no fundo, quem vai ter a palavra final é o povo, que vai decidir quem é que quer como Presidente", afirma o o ex-juiz conselheiro angolano.
"Depois deste exercício", acrescenta, "tudo vai depender se o povo volta a dar a este Presidente a maioria" para a sua reeleição. Onofre dos Santos diz ainda que não acredita no impacto de eventuais sanções da comunidade internacional, porque "não vão modificar literalmente nada até ao dia das eleições presidenciais."
Para o juiz jubilado, a Guiné-Bissau "é um dos países de África que sai fora do paradigma africano do presidencialismo". Considera que, na maioria dos países africanos, o presidencialismo é, por enquanto, "a forma que melhor resolve" as lutas pela partilha do poder.
Refere ainda que, para já - no atual ambiente de tensão - não há condições para uma reflexão a nível parlamentar sobre uma eventual revisão da atual Constituição, de cunho presidencialista. Segundo Onofre dos Santos, uma possível proposta de alteração da Constituição nunca deve ser feita "a quente".
Farpas e elogios: Frases das eleições na Guiné-Bissau
Principais partidos políticos, sociedade civil e comunidade internacional acompanham de perto contagem de votos na Guiné-Bissau. CNE só divulga resultados na quarta-feira (13.03), mas PAIGC já canta vitória.
Foto: Getty Images/AFP/SEYLLOU
PAIGC
O PAIGC declarou-se, na segunda-feira (11.03), vencedor das eleições legislativas de 10 de março na Guiné-Bissau. O porta-voz do partido João Bernardo Vieira garantiu que o povo conferiu ao PAIGC os destinos do país. No domingo, após votar, o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, disse que estas eleições representam "um momento de viragem" para que, na Guiné-Bissau, "o império da lei vingue".
Foto: DW/F. Tchumá
MADEM-G15
Após o anúncio do PAIGC, o Movimento para a Alternância Democrática frisou que ninguém ganhou as eleições com maioria absoluta e que também fará parte do próximo Governo do país. As declarações de Braima Camará no domingo, dia das eleições, foram das mais críticas, pois o líder do MADEM-G15 acusou o primeiro-ministro de "usar dinheiro público para corromper líderes de opinião no dia de reflexão".
Foto: DW/J. Carlos
PRS
O Partido da Renovação Social disse, esta terça-feira, que "é falsa a informação da maioria folgada que o PAIGC sustenta para semear a confusão"."Nenhuma das forças políticas atingiu sequer a barra dos 40 deputados", disse Vítor Pereira. No domingo, depois de votar, Alberto Nambeia, líder do PRS, disse que esta votação constitui um "balão de oxigénio" para o povo, que quer mudanças no país.
Foto: DW/B. Darame
FREPASNA
Baciro Djá considera que era o candidato com mais experiência nestas eleições e, por isso, o justo vencedor. No entanto, esta segunda-feira, o líder do partido Frente Patriótica para a Salvação Nacional (FREPASNA) foi o primeiro a reconhecer a derrota no pleito. "Consideramos que o nosso resultado foi péssimo e a responsabilidade máxima é minha, enquanto presidente do partido", disse.
Foto: Presidency of Guinea-Bissau
Comissão Nacional de Eleições (CNE)
Pouco depois do arranque do pleito, no domingo, José Pedro Sambú, presidente da CNE, disse aos jornalistas que o processo estava a decorrer num "clima de transparência e sem sobressaltos". O mesmo cenário foi reportado pela porta-voz da comissão, ao final do dia. Felizberta Vaz garantiu ainda que os "pequenos problemas" que surgiram foram resolvidos. A CNE divulga os resultados esta quarta-feira.
Foto: CNE
Presidente da República
Em declarações aos jornalistas, depois de votar, no domingo, José Mário Vaz garantiu que os observadores estavam "surpresos" pela positiva com a Guiné-Bissau. O Presidente guineense pediu à imprensa para que passasse lá para fora essa "grande imagem" da Guiné-Bissau como um país onde "não há problemas". "Considero a Guiné-Bissau hoje campeã da liberdade", disse.
Foto: Getty Images/AFP/Seyllou
Primeiro-ministro guineense
Também no domingo, o primeiro-ministro guineense disse estar emocionado com a concretização de um processo eleitoral "difícil e intenso", no qual foi "necessária a intervenção da comunidade internacional". Aristides Gomes acrescentou ainda que, apesar das dificuldades, este foi um processo cheio de "pedagogia".
Foto: Präsidentschaft von Guinea-Bissau
Organização das Nações Unidas
David McLachlan-Karr, enviado das Nações Unidas à Guiné-Bissau, tem estado a reportar, com frequência, o ambiente vivido no país nestas eleições, nas redes sociais. Esta segunda-feira, o representante da ONU deu os parabéns à população guineense que, "em todo o país, saiu [às ruas] para votar pacificamente e com muito orgulho cívico".
Foto: DW/B. Darame
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
Também a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na pessoa de Luiz Villarinho Pedroso, acompanhou de perto a votação. No domingo, dia da eleição, o chefe da missão da CPLP disse que estas eleições foram um "exercício cívico exemplar", que decorreu com a "maior tranquilidade e normalidade". O balanço preliminar do escrutínio será feito ao longo desta terça-feira (12.03).
Foto: DW/N. dos Santos
CEDEAO
À semelhança da ONU e da CPLP, também a CEDEAO deu nota positiva às eleições guineenses. Numa conferência de imprensa, esta segunda-feira (11.03), Kadré Désiré Ouedraogo, chefe da Missão de Observação da CEDEAO, disse que as legislativas no país decorreram "de forma pacífica e transparente". Acrescentou ainda que espera que "todos [os partidos] aceitem os resultados".
Foto: DW/B. Darame
União Africana
Após o encerramento das urnas na Guiné-Bissau, Rafael Branco, chefe da Missão de Observação Eleitoral da União Africana destacou a forma tranquila com que decorreu o processo e salientou a "participação cívica notável".
Foto: DW/Nélio dos Santos
Liga Guineense dos Direitos Humanos
Também as organizações locais fizeram chegar elogios. À semelhança do que foi dito pela CNE, Augusto Mário da Silva, presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, disse ter havido registo de "algumas falhas", mas "que foram imediatamente supridas". Tirando os atrasos na abertura das urnas em algumas mesas e trocas de cadernos eleitorais, "o processo decorreu de forma regular", disse.
Foto: DW/B. Darame
Sociedade Civil
Por último, a Célula de Monitorização do Processo Eleitoral salientou, esta segunda-feira, que "os eleitores compareceram em massa para exercer o seu direito de voto". Este grupo de monitorização das eleições, composto por 420 pessoas, espalhadas por todo o país, saudou também "a boa presença das forças de segurança nos centros de votação observados".