Juiz rejeita requerimento para chamar Nyusi como declarante
Lusa
19 de janeiro de 2022
O juiz do caso das dívidas ocultas indeferiu um requerimento da Ordem dos Advogados de Moçambique para ouvir o Presidente Filipe Nyusi como declarante no processo. "Não contribui para a descoberta da verdade", disse.
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"A diligência requerida não contribui para a descoberta da verdade", afirmou o juiz, considerando que é "desnecessária e visa protelar o andamento do processo".
A Ordem dos Advogados de Moçambique (OAM) requereu a audição de Filipe Nyusi porque era ministro da Defesa à data dos factos.
"Dos membros do comando conjunto, o antigo ministro da Defesa é o único declarante ouvido em sede de instrução" cujas declarações "não estão previstas para serem confirmadas nesta audiência", justificou o advogado Vicente Manjate, representante da OAM.
A criação da empresa de defesa marítima ProIndicus, usada nas dívidas ocultas, passou por um comando conjunto, mas o juiz rebateu a pretensão da OAM afirmando que esses factos já estão esclarecidos.
"É preciso ouvir alguém para vir dizer se é verdade ou não o que está escrito num documento", perguntou Efigénio Baptista. "Não está em causa a prova de criação da ProIndicus, mas sim o contexto e o grau de envolvimento de cada um dos intervenientes", respondeu Vicente Manjate.
Jaime Monteiro também não será ouvido
O juiz indeferiu o pedido, assim como negou um outro requerimento para audição como declarante de Jaime Basílio Monteiro, que ocupou os cargos de vice-comandante da Polícia da República de Moçambique (PRM) e ministro do Interior, na qualidade dos quais houve alusões à sua intervenção no caso, alegou a OAM.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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Já antes, a 30 de setembro, Efigénio Baptista, disse numa das sessões do julgamento que não foram encontrados indícios de que o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, e o seu antecessor, Armando Guebuza, receberam dinheiro do grupo Privinvest, entidade acusada de pagamento de subornos no caso das dívidas ocultas.
Na altura, o juiz interveio durante uma interpelação ao antigo diretor-geral do Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) e arguido Gregório Leão, que se queixou de ser o único antigo membro do Comando Operativo e do Comando Conjunto das Forças de Defesa e Segurança que está a ser julgado no caso das dívidas ocultas.
Analistas disseram em novembro à Lusa que o julgamento em curso já produziu indícios suficientes para a abertura de novas investigações, principalmente sobre o papel do atual Presidente da República na contração dos empréstimos.
"A ilibação por parte do juiz de figuras políticas que não são arguidos, mas que tiveram papel no processo que culminou com as dívidas ocultas e que, por isso, podem vir a ser chamadas a explicar-se, gerou uma nuvem de dúvida em relação à postura do juiz", afirmou Fernando Lima, jornalista e presidente do primeiro grupo privado de media em Moçambique, Mediacoop.
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Guebuza será o último declarante
O antigo chefe de Estado, Armando Guebuza, vai ser o último declarante a ser ouvido no julgamento, com presença agendada para 17 de fevereiro.
Há 19 arguidos acusados pela justiça moçambicana de se terem associado em "quadrilha" e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,3 mil milhões de euros) angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.
As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM para projetos de pesca de atum e proteção marítima.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo governo da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.