Juiz manda deter ministro dos Transportes da Guiné-Bissau
Lusa | ms
25 de agosto de 2020
Um juiz da Guiné-Bissau mandou deter o ministro dos Transportes por suspeita de obstrução à aplicação da lei num caso relativo à apreensão de um navio. Jorge Mandinga só se deverá pronunciar sobre o sucedido amanhã.
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No despacho, com data de segunda-feira (24.08) e hoje confirmado pelo Ministério Público à Lusa, o juiz Alberto Leão Carlos salienta que "impendem sobre a pessoa do ministro fortes indícios da prática de um crime de obstrução à atividade jurisdicional, sendo ainda o autor moral pela sua atitude deliberada de um outro crime de desobediência".
O caso remonta a 10 de agosto, quando o juiz mandou apreender o navio "As Pamira", da Maersk Line. Segundo o juiz, o chefe de gabinete do ministro, Júlio Azevedo, foi ter consigo para o informar que a decisão de apreender o navio já tinha chegado ao conhecimento do ministro e da "cúpula do poder", depois de o advogado da empresa os ter esclarecido sobre os acontecimentos.
No despacho, o juiz refere também que o chefe de gabinete lhe terá dito que "quando assim acontecem as coisas pode haver lugar a ondas de perseguições". "Em resposta fiz entender ao senhor Júlio Azevedo que, sendo eu, um juiz de pleno exercício da judicatura e titular do processo, a minha decisão, que ordenou a apreensão do património da empresa requerida é para ser cumprida à letra, porque não carece de fundamentação legal", salienta.
O juiz explica que recebeu, entretanto, uma carta do Instituto Marítimo Portuário na qual é referido que aquele organismo recebeu uma ordem direta do ministro para libertar o navio, na sequência de uma ordem "supostamente" dada pelo chefe do Governo, Nuno Nabiam.
A referida ordem, continua o juiz, tinha "por fim zelar pelos superiores interesses do país em matéria de cooperação e colaboração com os tradicionais parceiros da Guiné-Bissau".
Suspeitas de obstrução e suborno
No despacho, o juiz refere que sobre a empresa Maersk e os seus advogados existem também "fortes indícios" de serem "coautores materiais de crime de obstrução à atividade jurisdicional e de suborno, ambos previstos e puníveis com pena de prisão efetiva".
Os agentes do Instituto Marítimo Portuário são também considerados, pelo juiz, "coautores materiais" por terem aceitado uma ordem ilegal.
Além da detenção do ministro, o juiz ordenou também que sejam instaurados processos contra todos os "implicados na soltura ilegal" do navio e a apreensão imediata de um outro navio da empresa, denominado "Raquel-S, 1937".
O juiz decidiu também pela "interdição total e imediata do embarque, bem como do acondicionamento dos contentores da requerida em qualquer que seja o navio enquanto não houver ordem judicial que disponha o contrário".
O despacho do juiz foi também enviado para o "Conselho Superior de Magistratura Judicial e aos demais órgãos de soberania nacional em virtude da gravidade do sucedido", indica o juiz Alberto Leão Carlos.
Ministro remete esclarecimentos para mais tarde
O ministro dos Transportes e Telecomunicações disse à DW África que só se vai pronunciar sobre o sucedido "quando sair o comunicado do Governo", previsto para amanhã de manhã.
A empresa Maersk agendou uma conferência de imprensa para hoje, às 17h00.
Fora de controle, desmatamento na Guiné-Bissau é milionário
O fenômeno cresceu desde o golpe militar de abril de 2012. As comunidades das aldeias atingidas condenam, mas preferem se calar. Espalha-se o medo de represálias por parte de quem está por trás do crime ecológico.
Foto: DW/M. Pessoa
Impotência nas tabancas
Os moradores acreditam que o desmatamento causa a falta de chuvas. "Somos agricultores e um agricultor sem chuva não pode produzir", disse um agricultor de Bafatá. Ele levou a reportagem até uma área onde havia restos dos troncos que foram carregados em contentores dias antes. "Houve protestos, mas agora as pessoas estão sendo ameaçadas. Ninguém mais fala sobre isso", diz.
Foto: DW/M. Pessoa
A pressa das eleições
A reportagem da DW África apurou que as pessoas responsáveis pelo crime ambiental temiam que o novo Governo da Guiné-Bissau reforçasse à fiscalização. Por isso, havia pressa para cortar troncos antes da primeira volta do pleito. O movimento de caminhões era intenso nas principais rodovias. Na pressa, o motor deste caminhão fundiu quando voltava para o interior para buscar mais troncos.
Foto: DW/M. Pessoa
Os resíduos
Contentores também eram encontrados à beira das estradas, deixados por cortadores para serem carregados ou levados posteriormente. Apesar de motoristas em pequenas viaturas serem abordados constantemente por integrantes das forças de segurança nas estradas, eram comuns imagens como esta da pressa do corte de madeira antes das eleições.
Foto: DW/M. Pessoa
Para garantir o sustento?
Uma fonte da reportagem diz que a venda de dois contêineres de madeira garante o sustento de uma família por alguns meses. "Muitos que entraram no negócio irregular estão ricos", diz. Para ele, o corte ilegal está tão elevado devido ao momento que o país vive. "Não há controle, não há Estado. Só quem tem uma madeireira pode conseguir essa licença. Mas agora todo mundo está no mato", salienta.
Foto: DW/M. Pessoa
Caminhões esperam a vez
A DW África apurou que, em 2010, saíram 15 contentores com madeira do porto de Bissau, Em 2013, o número chegou a 409 – aumento de quase 30 vezes em três anos. O movimento de caminhões foi constante em Bissau durante o período pré-eleitoral, quando a DW África documentou o fenômeno. Ativistas escreveram um panfleto anônimo com dados sobre a exportação. A mídia local deixou de falar do assunto.
Foto: DW/M. Pessoa
Destinos variados
A DW África apurou que, em 2010, saíram 15 contentores de madeira do porto de Bissau. O número de carregamentos chegou a 409 – um aumento de quase 30 vezes em três anos. Ambientalistas dizem que o príncipal destino dos trocos de árvore é a China, mas há indícios de que a madeira esteja sendo comercializada com outros países também. Na foto, um dos contentores no porto de Bissau.
Foto: DW/M. Pessoa
As reações internacionais
O embaixador da China na Guiné-Bissau, Yan Banghua, disse que o país não faz negócios ilegais com o país africano, respeita as leis e mantém boa cooperação com o Governo local. O representante do secretário-geral da ONU, José Ramos-Horta, visitou um local onde as madeiras estão sendo cortadas. Ele disse acreditar que a comunidade internacional vá se levantar contra os crimes ambientais.