Em tribunal, antiga vice-ministra das Finanças, Isaltina Lucas, disse que garantias financeiras para as empresas foram tratadas como "secretas" e "urgentes". Julgamento das dívidas ocultas está ainda em fase de audição.
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No julgamento das dívidas ocultas que decorre em Maputo, a antiga vice-ministra das Finanças, Isaltina Lucas, disse esta quinta-feira (09.12) em tribunal que as garantias de 500 milhões de dólares da EMATUM foram apresentadas pela Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE) com a classificação de "secretas" e "urgentes".
"Foi-nos informado - porque nós tínhamos um ponto focal que, no caso, era o senhor António Carlos do Rosário - que tratando-se de um projeto sensível, de defesa e segurança, o processo deveria ser quer conduzido para a Assembleia da República na perspetiva de aumento do limite para a emissão de garantias, assim como ao Tribunal Administrativo", disse a antiga responsável durante mais uma sessão do julgamento do caso das dívidas ocultas.
Ordens superiores
A declarante Isaltina Lucas confirmou que António Carlos do Rosário teria assinado um documento interno da Direção Nacional do Tesouro, autorizando as garantias estatais. Rosário, recentemente confrontado pelo tribunal na qualidade de réu, teria respondido que o documento estava forjado.
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"Qualquer expediente submetido ao Ministério das Finanças, para ser analisado, requer que tenha uma carta de solicitação. No caso vertente, não existia nenhuma carta. A proposta de garantia tinha-nos sido entregue em mão. Para ficar claro no nosso ponto de vista de que o documento era proveniente do SISE, tomei a liberdade de solicitar ao Dr. Rosário que assinasse a informação", referiu ainda.
O tribunal perguntou ainda à antiga vice-ministra das Finanças por que motivo o Ministério das Finanças não fiscalizou a constituição das três empresas visadas no processo, uma vez que alguns declarantes do SISE disseram que as constituíram porque estavam a cumprir ordens.
"Constituíram empresas por ordens, cumprindo uma missão. Agora, a diretora nacional do Tesouro está a dizer que eles recorreram a esses meios porque se não fosse pela via comercial não teriam tido financiamento, os bancos não iriam dar por causa de matéria de segurança", foi confrontada em tribunal.
Finanças não geriram fundos
Sobre esse assunto, Isaltina Lucas informou que o Ministério das Finanças não se mete na gestão direta de fundos das empresas.
"Era o procedimento normal, mesmo para o caso de um financiamento. Não sei se poderia dar exemplo. Para uma LAM ou seja o que for, o Ministério das Finanças nunca entrou para a gestão direta dos fundos. Mesmo tratando-se de projetos implementados por ministérios", avançou.
"O Ministério das Finanças nunca entrou na gestão direta dos fundos", voltou a frisar.
Nos próximos dias, o tribunal agendou a audição dos antigos ministros das Pescas Victor Borges e do Interior Alberto Mondlane.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)