No recomeço do julgamento das dívidas ocultas, esta segunda-feira, analistas defendem que o antigo chefe de Estado Armando Guebuza e o atual Presidente Filipe Nyusi sejam ouvidos como arguidos e não como declarantes.
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É hoje retomado pelo Tribunal Judicial de Maputo o julgamento do processo principal das dívidas ocultas, com o regresso ao banco dos réus do comerciante Zulficar Ali Ahmed e do declarante e advogado Imra Issa. As audiências foram suspensas em dezembro devido a casos de Covid-19.
Analistas reiteram que o antigo chefe de Estado Armando Guebuza e o atual Presidente Filipe Nyusi deviam ser ouvidos como réus e não como declarantes.
Porém, durante a audição dos réus, o juiz Efigénio Batista declarou que "na conta do Presidente Armando Guebuza não tem uma transferência da Privinvest. O Presidente Nyusi idem, não tem nada no processo do dinheiro que recebeu da Privinvest. O senhor Alberto Mondlane também não tem nada, não tem indício de que ele recebeu dinheiro da Privinvest. Quem tiver indício que vá entregar à PGR e estaria a fazer favor aos moçambicanos."
Nyusi e Guebuza no banco dos réus?
Mesmo assim, o pesquisador Borges Nhamire, do Centro de Integridade Pública (CIP), defende que tanto Nyusi como Guebuza deviam ser arguidos neste processo porque podem ter beneficiado do dinheiro das dívidas ocultas por outras vias.
"Há um tal de avião que veio com oito toneladas de vinho para a Presidência e muitas pessoas acreditam que essas toneladas eram de dólares ou qualquer coisa parecida. A Ordem dos Advogados requereu ao Instituto Nacional de Viação Civil para certificar-se de que onde esse avião aterrou, se na base aérea ou no aeroporto de Mavalane e os conteúdos que trazia", lembra.
Veja imagens da audição de Ndambi Guebuza
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Também a ativista Fátima Mimbire mostra desconfiança em relação a Armando Guebuza e o atual Presidente Filipe Nyusi. "Eles receberam sim, pelo menos no caso de New Man que foi dito em sede de tribunal de Nova Iorque que se trata do Presidente Filipe Jacinto Nyusi e "new man" faz todo o sentido porque na altura estava a ser cogitado como futuro Presidente, portanto seria o homem novo", argumenta.
Para Mimbire, o Ministério Público não montou uma acusação para trazer a verdade material. "Montaram-se acusações só para questões viradas para o peculato, da corrupção, associação para delinquir, mas há elementos muito importantes que nos levariam á sensação de que, de facto, estamos a julgar as dívidas ocultas se houvesse a acusação para outros níveis", afirma.
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Alexandre Chivale volta a tribunal
Da lista de declarantes, nesta nova fase do julgamento, constam nomes como os do ex-ministro do Interior, Alberto Mondlane, e o também antigo ministro das Pescas, Vitor Borges.
Na audição desta terça-feira (18.01) será ouvido Alexandre Chivale, advogado do réu António Carlos do Rosário, que passou a ser declarante no processo.
A procuradora Ana Sheila Marrengula entendeu que as empresas que eram administradas por Chivale estão implicadas nas dívidas ocultas por via do crime de branqueamento de capitais.
"Requeremos a exoneração da Txopela Investimets SA como fiel depositária, bem como instar o administrador desta, o dr. Alexandre Chivale, a abandonar os referidos ativos imobiliários e entregar as chaves dos mesmos a este tribunal", disse na primeira fase do julgamento, dedicada aos réus.
Julgamento das dívidas Ocultas: "Outras coisas..."
O julgamento do caso das dívidas ocultas revela aos poucos mais informações sobre o que muitos consideram o maior escândalo de corrupção de Moçambique. Conheça as peculiaridades do caso e dos seus personagens.
Foto: Fotolia/Carlson
O caso
O escândalo das dívidas ocultas veio ao de cima entre 2013 e 2014. É a maior fraude financeira de Moçambique e prejudicou a nação e a imagem do país. Em causa estão cerca de 2 mil milhões de euros. O esquema tem como "cabeças" altos funcionários do Estado e trabalhadores de bancos como o Credit Suisse. O julgamento começou a 23 de agosto e conta com 19 arguidos, 70 testemunhas e 69 declarantes.
Foto: Roberto Paquete/DW
Julgamento nas instalações de uma cadeia
A falta de capacidade para albergar muita gente terá levado o Tribunal Judicial da Cidade de Maputo a optar pelo Estabelecimento Penitenciário Especial de Máxima Segurança da Machava para o julgamento. E é na B.O., como é conhecida a cadeia, onde estão detidos a maioria dos envolvidos no caso. Alguns dos julgamentos mais mediatizados do país costumam acontecer aqui.
Foto: Romeu da Silva/DW
Juiz da causa é de índole duvidosa?
Efigénio Baptista não tem percurso profissional imaculado, foi julgado e condenado duas vezes por ameaças e ofensas corporais num caso de abuso de poder em Manica. Também terá sido alvo de contestação popular em Sofala, que culminou com a queima da sua casa. Alguns setores questionam a escolha do juiz, defendem que deveria ter sido escolhido um juiz sénior para o caso. O "juiz júnior" tem 42 anos.
Foto: Romeu da Silva/DW
"Alérgico a corrupção" e sujeito a pressão
Sobre as condenações, o juiz Efigénio Baptista, numa entrevista ao "O País" esclareceu: "Mas eu recorri da decisão e o Tribunal de Recurso da Beira anulou-a. Por isso, eu não tenho cadastro criminal". Baptista terá estado ainda sob pressão por ser o juiz do caso mais "cabeludo" do momento. A imprensa moçambicana chegou a noticiar sobre possíveis ameaças ao juiz.
Foto: Romeu da Silva/DW
Ordem dos Advogados em representação do povo
A Ordem dos Advoagados de Moçambique (AOM) intervém no julgamento na qualidade de assistente e pretende auxiliar o Ministério Público. O objetivo é assegurar que o povo moçambicano seja informado, atualizado e esclarecido sobre os contornos do processo. São sete representantes, entre eles os ex-bastonários Gilberto Correia e Flávio Menete.
Foto: Romeu da Silva/DW
Bendita seja a mulher entre os homens...
Ana Sheila Marrengula é representante do Ministério Público no julgamento. É a única mulher entre o jurado, o que desencadeou queixas de falta de inclusão. É apreciada pelas suas questões consideradas pertinentes, mas igualmente criticada pelos seus modos pouco profissionais de questionar os réus. Pede indemnização civil ao Estado de cerca de três mil milhões de dólares acrescidos de juros.
Foto: Christoph Hardt/picture-alliance/Geisler-Fotopress
O uniforme da discórdia
No primeiro dia do julgamento os réus não se apresentaram de uniforme prisional, como é prática no país e conforme solicitação do juiz. A defesa contestou a exigência, alegando que a lei não obriga a isso, mas no final valeu a ordem de Efigénio Baptista que defende "tratamento igual" entre os presos. Na terça-feira (24.08) a cor laranja dominava a sala de audiências na B.O.
Foto: Romeu da Silva/DW
Alexandre Chivale, um advogado (in)suspeito?
Advogado da família Guebuza é a "sensação" entre os causídicos. Para além da sua postura destemida, e até entendida como de afronta, Chivale marcou o primeiro dia do julgamento. É que é administrador da Txopela, empresa suspeita do seu constituinte, Carlos do Rosário. E mais: ocupa uma das casas supostamente adquiridas com o dinheiro do calote. Tribunal deu-lhe 72 horas para deixar o imóvel.
Foto: privat
A memória curta de Cipriano Mutota
Foi a estreia do banco dos réus. Mutota revela que foi traído pelos seus parceiros do negócio na partilha dos "lucros" e não ficou contente. E não se lembra do destino dado a cerca de 656 milhões de euros que terá recebido como "luvas". O ex-diretor do Gabinete de Estudos da secreta praticamente confirmou a acusação do Ministério Público. Diz que Nyusi e Guebuza aprovaram o projeto.
Foto: Romeu da Silva/DW
Manuel Chang regressa no momento "H"
Justamente no dia do arranque do julgamento, a África do Sul anunciou a tão esperada extradição de uma das peças chave do crime, Manuel Chang. O juiz decidiu que o ex-ministro das Finanças será ouvido "na qualidade de declarante, quando estiver no território nacional", em resposta ao pedido da Ordem dos Advogados de Moçambique e reafirmado pelo Ministério Público e pelos advogados dos 19 arguidos.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
O "massagista" do sistema
Foi o lobista do negócio entre o Estado e a Privinvest, identifica-se como facilitador. Num dos emails trocado com a Privinvest mencionou uma "massagem ao sistema", mas no julgamento negou. Recebeu de Jean Boustani cerca de 8,5 milhões de dólares e recusa-se a devolver o valor, alegando que é resultante do seu trabalho. É visto como astuto, embora se tenha destacado por contradições no tribunal.
Foto: Romeu da Silva/DW
A amnésia da "cinderela"
É o terceiro réu a sentar-se no banco. Ndambi é filho do ex-Presidente Armando Guebuza é foi apelidado de cinderela pelos seus parceiros de negócios por ser lento a agir. Terá recebido 33 milhões de dólares de luvas de Jean Boustani, negociador da Privinvest. Não se recorda de quase nada que é questionado pelo juiz, diz que não tem memória de elefante. Foi um dos pivôs no tráfico de influência.