Começou esta segunda-feira (22.01) no Tribunal Judicial de Lisboa, o julgamento do ex-vice-Presidente de Angola, acusado dos crimes de corrupção ativa, branqueamento de capitais e falsificação de documentos.
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O coletivo de juízes do Tribunal da Comarca de Lisboa ordenou a separação do processo judicial que envolve Manuel Vicente, ex-vice-Presidente de Angola, acusado dos crimes de corrupção e branqueamento de capitais.
A decisão foi tomada esta manhã (22.01.), no primeiro dia do julgamento, no âmbito da "Operação Fizz”, no qual também são arguidos os portugueses engenheiro Armindo Pires e o advogado, Paulo Amaral Blanco, como co-autores dos crimes cometidos quando Manuel Vicente era presidente do Conselho da Administração da petrolífera angolana.
O antigo homem forte da Sonangol é acusado de ter corrompido o procurador português, Orlando Figueira.
Ausência do principal arguído
O julgamento começou pelas 10 horas e 15 minutos, hora de Lisboa, com a ausência do seu principal arguido. Manuel Vicente não esteve presente na primeira sessão desta segunda-feira, no Campus da Justiça, no Parque das Nações, uma ausência que já era previsível e que levou o coletivo de juízes do Tribunal da Comarca de Lisboa a tomar em consideração as normas do código penal, após um requerimento do Ministério Público português.
Alfredo Costa, que dirige o coletivo de juízes, disse que já se sabia que haveria dificuldade no cumprimento da carta rogatória enviada para Angola para constituição de Manuel Vicente como um dos arguidos e notificação da respetiva acusação. A decisão pela separação do processo é o que já desejava Rui Patrício, advogado de defesa do ex-presidente da Sonangol.
"Como disse hoje à entrada, parecia-me o caminho inevitável. O que o tribunal hoje decidiu foi separar o processo. Só isso. Há de ser constituído esse novo processo separado e aí serão tomadas as decisões sobre a sua posterior tramitação. Nesse processo, que foi agora separado, tomarei nova posição em representação do senhor Manuel Vicente. Não vou adiantá-la aqui como compreenderão".
Julgamento em Angola?
O Governo do Presidente angolano, João Lourenço, quer que Manuel Vicente seja julgado em Angola. Ainda não é certo se o processo será enviado para Luanda.
"O tribunal não tomou nenhuma decisão sobre esta matéria. O tribunal limitou-se a decidir separar. Tomará as outras decisões posteriormente, se bem entendi o despacho", sublinhou Costa.
Angola, que terá evocado o regime de imunidade por força da Lei da Amnistia, só agora respondeu às autoridades portuguesas, justificando que não existe possibilidade de cumprimento da carta rogatória enviada por Portugal. De acordo com o seu advogado, Manuel Vicente nem sequer foi notificado, mas isso, segundo o juiz presidente, Alfredo Costa, não iliba o ex-governante angolano como arguido.
Para o advogado Rui Patrício, que contesta o equívoco da imunidade de Manuel Vicente, também "não há nenhuma razão para declarar a contumácia".
No entanto, o jurista angolano, João Gourgel, abordado pela DW África, aconselha Portugal a enviar o processo de Manuel Vicente para Luanda, no âmbito do acordo de cooperação jurídico-judiciária. "Porque à luz deste acordo não é possível julgar os réus à revelia; não é possível julgar em contumácia os réus. Tem que haver uma presença efetiva do réu no ato ou na na audiência do julgamento". Na perspetiva de Gourgel, Portugal pode seguir outra via denunciando o acordo ou exigir a sua retificação, alterando algumas cláusulas.
Julgamento de Operação Fizz começa sem Manuel Vicente
Orlando Figueira nega muitas acusações
Este primeiro dia ficou marcado pela longa audição do réu Orlando Figueira, preso há já dois anos, o qual negou muitas das acusações que recaem sobre ele, nomeadamente por ter usado da sua posição como procurador adjunto para arquivar processos de investigação que envolviam Manuel Vicente. Em declarações aos jornalistas, disse não estar envolvido em crimes de corrupção. "Não há crimes de corrupção…, não há que assumir (…) estou totalmente inocente. Caberá aos senhores juízes provar a minha inocência".
Decidida a separação do processo de Manuel Vicente, que gerou mal estar nas relações luso-angolanas, o julgamento prossegue nos próximos dias com os três réus portugueses: Orlando Figueira, Paulo Blanco e Armindo Pires.
Na abertura do ano judicial em Portugal, na semana passada, a Procuradora Geral da República, Joana Vidal, tentou pôr água na fervura nas relações com Angola por causa deste processo, quando destacou a importância da cooperação judicial internacional, reconhecendo a "especial ligação do Ministério Público português aos Ministérios Públicos dos países da CPLP e territórios de língua oficial portuguesa".
Desmascarar os corruptos
A organização não-governamental Transparência Internacional seleccionou, entre 383 candidaturas, os 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção". A votação decorre até 10 de fevereiro. Isabel dos Santos está na lista.
Isabel dos Santos
A filha mais velha do Presidente angolano está entre os 15 casos "mais simbólicos da grande corrupção" seleccionados pela Transparência Internacional. Isabel dos Santos foi considerada a primeira bilionária africana pela revista Forbes, que questiona a sua fortuna de mais de três mil milhões de dólares, num país em que dois terços da população vive com menos de dois dólares por dia.
Foto: picture-alliance/dpa
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do Banco Espírito Santo (BES) em Portugal começaram quando entrou em bancarrota em 2014, levando accionistas e investidores a perderem dez mil milhões de euros, estima a Transparência Internacional. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança.
Foto: DW/J. Carlos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, segundo vice-presidente da República e chefe de Defesa e Segurança do Estado. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza, com menos de dois euros por dia.
Foto: DW/R. Graça
Petrobras
A petrolífera Petrobras está envolvida num escândalo de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de alegadamente mais de dois mil milhões de euros, que conduziu o Brasil a uma profunda crise política. Este caso envolveu mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já fez vários protestos nas ruas para exigir justiça pelos crimes cometidos pela empresa estatal.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Sistema político do Líbano
O sistema político no Líbano, nomedamante, o Governo, as autoridades a a instituições, encontram-se também na lista da International Transparency. Segundo a Associação de Transparência Libanesa, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. O Líbano é considerado um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: Getty Images/AFP
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak foi também julgado e condenado em 2011 a prisão perpétua por crimes de guerra e contra a humanidade. No entanto, e após estar preso durante três anos, o Tribunal Penal do Cairo cancelou as acusações. Em maio de 2015 foi sujeito a um novo julgamento. Mubarak encontra-se agora preso.
Foto: Reuters/M. Abd El Ghany
Felix Bautista
O senador da República Dominicana foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já foi presente a tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana que segundo um relatório de 2014 do Banco Mundial apresenta afluência na pobreza crónica.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está nomeado pelos crimes nos serviços transfronteiriços onde foram aplicadas regras secretas, pela falta de recolha de dados dos benificiários e pela maior incidência nos cidadãos comuns. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo". Quase metade das empresas públicas nos EUA estão incorporadas em Delaware.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
O ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011, é acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de vários protestos e manifestações nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Em 2006, o repórter Andrew Jennings lançou o livro "Jogo Sujo - O mundo Secreto da FIFA".
O ex-Presidente da Ucrânia é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares nas ruas do país contra a possível aproximação com a Rússia.
Foto: picture alliance / AP Photo
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov é a associação para o desenvolvimento social e económico na Chechénia e foi acusada de obter valores que rondam os 55 milhões de dólares por mês, enquanto 80% da população continuava a viver na pobreza. Os membros da associação são ainda acusados de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes às estrelas de Hollywood.
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Bondareff
Comércio de jade no Mianmar
O negócio da comercialização de jade está avaliada em cerca de 28 mil milhões de euros. A Transparência Internacional refere que quem mais lucra são traficantes de droga e funcionários de cargos mais elevados. Os conflitos saem também a ganhar através da compra de armas. Sóem novembro de 2015 morreram cerca de 100 trabalhadores na exploração de jade no Mianmar, após um deslizamento de terras.
Foto: Getty Images/AFP/K. Maung Win
China Communications Construction Company
A China Communications Construction Comaonz (CCCC) é uma das maiores empresas de construção do mundo e tem sede na China. A CCCC, que pertence parcialmente ao Estado, está alegadamente envolvida em propostas não-concorrenciais, negociações secretas e supostos casos de subornos. Em 2014 foi processada por violar os direitos dos moradores durante a construção de uma estrada no Uganda.
Foto: AFP/Getty Images
International Transparency
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparency International e a votação está agora aberta a toda a população mundial até ao dia 10 de fevereiro. Casey Celso, diretor de Advocacia da Transparency International, frisa que a votação é totalmente anónima. "Lutamos contra a corrupção há bastante tempo e tentamos colocar o conceito de grande corrupção em todo o mundo", afirmou.