Julgamento de Teodorin Obiang por "ganhos ilícitos"
Kossivi Tiassou | António Rocha
2 de janeiro de 2017
Pela primeira vez, um filho de Presidente e vice-presidente do seu país, Teodorin Obiang, da Guiné Equatorial, é julgado em Paris por abuso de bens sociais, desvio de dinheiros públicos, abuso de confiança e corrupção.
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Teodorin Obiang, de 47 anos de idade e filho do Presidente Teodoro Obiang, da Guiné-Equatorial (membro da CPLP), é acusado de ter fraudulentamente reunido em França um património considerável, financiado em parte por dinheiro de corrupção e do desvio de fundos públicos no seu país, onde mais de metade dos habitantes vive abaixo do limiar da pobreza. As audiências iniciadas esta segunda-feira (02.01) devem prolongar-se até o próximo dia 12.
Trata-se do primeiro julgamento francês sobre "ganhos ilícitos", sendo Teodorin Obinag, promovido no final de junho de 2016 pelo seu pai a vice-presidente da Guiné Equatorial, acusado pela justiça francesa de abuso de bens sociais, desvio de dinheiros públicos, abuso de confiança e corrupção.
O julgamento, cujas datas foram fixadas no final de outubro, teve início esta segunda-feira, mas segundo um dos advogados do acusado, Emmanuel Marsigny, os prazos são "demasiado curtos" e não respeitam a lei, tendo em conta que o seu cliente declarou morada em Malabo.
Os advogados de Teodorin Obiang, que esteve ausente na audiência desta segunda-feira, pediram ao tribunal "que ele possa beneficiar do tempo razoável para poder organizar efetivamente a sua defesa", segundo Marsigny, que planeia citar várias testemunhas, algumas das quais residem no estrangeiro.
110 milhões de euros desviados entre 2004 e 2011
Em concreto, o vice-presidente da Guiné Equatorial é acusado de ter comprado [em França] bens imobiliários, carros de luxo e obras de arte com o produto dos delitos cometidos no seu país. De acordo com os juízes de instrução, entre 2004 e 2011, perto de 110 milhões de euros provenientes do Tesouro Público da Guiné Equatorial deram entrada na conta pessoal de Teodorin.O inquérito foi aberto após queixas das associações Sherpa e Transparency International, realizadas em 2007. Jean Merckaert, é administrador da Sherpa, e em entrevista à DW África disse que este processo é o resultado de dez anos de uma luta sem tréguas de organizações como a Sherpa no combate à criminalidafde económica no mundo e acrescenta que "este processo é, em primeiro lugar, o da população da Guiné Equatorial que enfrenta carências enormes, mas também o reconhecimento de um escândalo de enriquecimento de um clã num país onde a população está privada de tudo, saúde, educação...”
Merkaert insistiu por outro lado, que este processo é também um combate levado a cabo por pessoas na Guiné Equatorial, no Gabão, no Congo Brazaville e noutros países africanos "para que a transparência seja uma realidade sobre o uso de bens públicos, que infelizmente dirigentes sem escrúpulos se aproveitam para enriquecerem cada vez mais”.
Recorde-se que a justiça francesa investiga igualmente os patrimónios reunidos em França pelas famílias de vários outros dirigentes africanos, como Denis Sassou Nguesso (Congo), do já morto Omar Bongo (Gabão) ou ainda do Presidente da República Centro Africana derrubado François Bozizé.
Utilizar o cargo de vice-presidente para escapar à justiça?
Na Guiné Equatorial observadores temem que Teodorin Obiang utilize as suas funções de vice-presidente, cargo que ocupa desde a reeleição de seu pai, Teodor Obiang, (em abril com mais de 90% dos votos, de acordo com os resultados oficiais), para escapar à justiça, uma hipótese que o administrador da Sherpa responde da seguinte forma:"Ele já tentou no passado utilizar este argumento junto do Tribunal Internacional de Justiça, mas este considerou que roubar o seu povo não é uma pática que se espera de uma pessoa que esteja a ocupar o cargo de vice-presidente de um país”.Também a justiça francesa já considerou que os factos imputados se prendem com a vida privada do acusado em França e estão separados das suas funções de Estado, protegidas por normas internacionais.
OL - MP3-Mono
Na entrevista à DW Jean Merckaert lamenta que a justiça da Guiné Equatorial não tenha assumido de forma direta este processo e explica.
"Infelizmente a Guiné Equatorial vive sob uma ditadura, a justiça segue as ordens das autroridades e qualquer cidadão que ouse criticar o regime é imediatamente preso. Por isso, a Sherpa e outras organizações são forçadas aqui em França a levar o caso à justiça. Por outro lado, a justiça francesa é competente para julgar este caso por uma razão muito simples: O dinheiro desviado encontra-se em território francês e portanto existe uma infração cometida em território francês, que é a lavagem de capitais adquiridos fraudulentamente na Guiné Equatorial”, concluiu Jean Merckaert.
À luz do Código de Processo Penal francês, Teodorin Obiang não pode ser forçado a comparecer em tribunal, mas poderá ser julgado à revelia.
Desmascarar os corruptos
A organização não-governamental Transparência Internacional seleccionou, entre 383 candidaturas, os 15 casos "mais simbólicos de grande corrupção". A votação decorre até 10 de fevereiro. Isabel dos Santos está na lista.
Isabel dos Santos
A filha mais velha do Presidente angolano está entre os 15 casos "mais simbólicos da grande corrupção" seleccionados pela Transparência Internacional. Isabel dos Santos foi considerada a primeira bilionária africana pela revista Forbes, que questiona a sua fortuna de mais de três mil milhões de dólares, num país em que dois terços da população vive com menos de dois dólares por dia.
Foto: picture-alliance/dpa
Banco Espírito Santo
As suspeitas de corrupção do Banco Espírito Santo (BES) em Portugal começaram quando entrou em bancarrota em 2014, levando accionistas e investidores a perderem dez mil milhões de euros, estima a Transparência Internacional. Foram descobertas fortes evidências de corrupção, fraude e lavagem de dinheiro. Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, já esteve preso e foi recentemente libertado sob fiança.
Foto: DW/J. Carlos
Teodoro Nguema Obiang
Conhecido pelo seu estilo de vida luxuoso, o filho do Presidente da Guiné Equatorial é, desde 2012, segundo vice-presidente da República e chefe de Defesa e Segurança do Estado. A Guiné Equatorial é o país mais rico de África, per capita, apesar do Banco Mundial alegar que mais de 75% da população vive na pobreza, com menos de dois euros por dia.
Foto: DW/R. Graça
Petrobras
A petrolífera Petrobras está envolvida num escândalo de subornos, comissões e lavagens de dinheiro de alegadamente mais de dois mil milhões de euros, que conduziu o Brasil a uma profunda crise política. Este caso envolveu mais de 50 políticos e 18 empresas. A população brasileira já fez vários protestos nas ruas para exigir justiça pelos crimes cometidos pela empresa estatal.
Foto: picture alliance/CITYPRESS 24
Ricardo Martinelli e companheiros
É ex-Presidente do Panamá e empresário. Possui atualmente uma rede de supermercados no país, entre outras empresas. Está envolvido numa polémica de espionagem política durante o seu mandato entre 2009 e 2014, utilizando alegadamente dinheiros públicos. Tem outras acusações em tribunal, incluindo vários crimes financeiros e subornos e perdões ilegais.
Foto: Getty Images/AFP/J. Ordone
Sistema político do Líbano
O sistema político no Líbano, nomedamante, o Governo, as autoridades a a instituições, encontram-se também na lista da International Transparency. Segundo a Associação de Transparência Libanesa, a corrupção encontra-se em todos setores sociais e governamentais, existindo "uma cultura de corrupção" no país. O Líbano é considerado um país "muito fraco" em termos de integridade.
Foto: Getty Images/AFP
Mohamed Hosni Mubarak
Presidente do Egito entre 1981 e 2011, Mohamed Hosni Mubarak foi também julgado e condenado em 2011 a prisão perpétua por crimes de guerra e contra a humanidade. No entanto, e após estar preso durante três anos, o Tribunal Penal do Cairo cancelou as acusações. Em maio de 2015 foi sujeito a um novo julgamento. Mubarak encontra-se agora preso.
Foto: Reuters/M. Abd El Ghany
Felix Bautista
O senador da República Dominicana foi acusado de branqueamento de capitais, abuso de poder, prevaricação e enriquecimento ilícito no valor de vários milhões de dólares. Bautista já foi presente a tribunal, mas nunca foi considerado culpado, o que originou vários protestos por parte da população dominicana que segundo um relatório de 2014 do Banco Mundial apresenta afluência na pobreza crónica.
Foto: unmaskthecorrupt.org
Estado americano de Delaware
O Estado norte-americano de Delaware está nomeado pelos crimes nos serviços transfronteiriços onde foram aplicadas regras secretas, pela falta de recolha de dados dos benificiários e pela maior incidência nos cidadãos comuns. O jornal The New York Times chegou mesmo a apelidar o Estado como "paraíso fiscal corporativo". Quase metade das empresas públicas nos EUA estão incorporadas em Delaware.
Foto: Getty Images/M. Makela
Zine al-Abidine Ben Ali
O ex-Presidente da Tunísia, que governou entre 1987 e 2011, é acusado de roubar mais de dois mil milhões de euros à população tunisina e de beneficiar amigos e companheiros a escapar à justiça. É conhecido pelo seu estilo de vida extravagante e saiu do Governo em 2011, na sequência de vários protestos e manifestações nas ruas da Tunísia conhecidos como a Revolução de Jasmim.
Foto: picture-alliance/dpa
FIFA
A Federação Internacional de Futebol, mais conhecida como FIFA, é acusada de ultrajar milhões de fãs. Os respoonsáveis pelos cargos mais elevados são acusados de roubar milhões de euros e estão a ser analisados 81 casos suspeitos de branqueamento de capitais um pouco por todo o mundo. Em 2006, o repórter Andrew Jennings lançou o livro "Jogo Sujo - O mundo Secreto da FIFA".
O ex-Presidente da Ucrânia é acusado de "deixar escapar" milhões de ativos estatais em mãos privadas e de ter fugido para a Rússia antes de ser acusado de peculato. Yanukovych começou o seu mandato em 2010, foi reeleito em 2012 e cessou as suas funções no ano de 2014, quando foi destituído após vários protestos populares nas ruas do país contra a possível aproximação com a Rússia.
Foto: picture alliance / AP Photo
Fundação Akhmad Kadyrov
A Fundação Akhmad Kadyrov é a associação para o desenvolvimento social e económico na Chechénia e foi acusada de obter valores que rondam os 55 milhões de dólares por mês, enquanto 80% da população continuava a viver na pobreza. Os membros da associação são ainda acusados de gastar as verbas a entreter e oferecer presentes às estrelas de Hollywood.
Foto: picture-alliance/AP Photo/D. Bondareff
Comércio de jade no Mianmar
O negócio da comercialização de jade está avaliada em cerca de 28 mil milhões de euros. A Transparência Internacional refere que quem mais lucra são traficantes de droga e funcionários de cargos mais elevados. Os conflitos saem também a ganhar através da compra de armas. Sóem novembro de 2015 morreram cerca de 100 trabalhadores na exploração de jade no Mianmar, após um deslizamento de terras.
Foto: Getty Images/AFP/K. Maung Win
China Communications Construction Company
A China Communications Construction Comaonz (CCCC) é uma das maiores empresas de construção do mundo e tem sede na China. A CCCC, que pertence parcialmente ao Estado, está alegadamente envolvida em propostas não-concorrenciais, negociações secretas e supostos casos de subornos. Em 2014 foi processada por violar os direitos dos moradores durante a construção de uma estrada no Uganda.
Foto: AFP/Getty Images
International Transparency
"Unmask the Corrupt" é um projeto da Transparency International e a votação está agora aberta a toda a população mundial até ao dia 10 de fevereiro. Casey Celso, diretor de Advocacia da Transparency International, frisa que a votação é totalmente anónima. "Lutamos contra a corrupção há bastante tempo e tentamos colocar o conceito de grande corrupção em todo o mundo", afirmou.