Junta Militar do Mali expulsa porta-voz da missão da ONU
Lusa
21 de julho de 2022
Acusado de divulgar "informação tendenciosa" sobre a detenção de 49 militares da Costa do Marfim em Bamako, o porta-voz da MINUSMA tem 72 horas para deixar o Mali. ONU aponta violação do princípio da imunidade.
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A junta militar no Mali ordenou esta quarta-feira (20.07) a expulsão do porta-voz da Missão da ONU no Mali (MINUSMA), que acusa de divulgar "informação tendenciosa" sobre o caso dos 49 militares costa-marfinenses detidos há 10 dias em Bamako.
A notificação acerca da expulsão, dirigida à vice-representante especial do secretário-geral da ONU, Daniela Kroslak, consta de um comunicado de imprensa oficial no qual se dá conta que "o senhor Olivier Salgado, porta-voz da Minusma, é convidado a deixar o território dentro de 72 horas".
Esta decisão surge num contexto de relações já tensas entre o Mali e os seus parceiros internacionais.
As autoridades malianas justificaram a decisão pela "publicação de informação tendenciosa e inaceitável do interessado (Senhor Olivier Salgado) na rede social Twitter".
Segundo Bamako, Olivier Salgado declarou "sem qualquer prova, que as autoridades malianas teriam sido informadas previamente da chegada dos 49 militares costa-marfinenses em voo civil, no aeroporto internacional [de Bamako] no domingo, 10 de julho de 2022", de acordo com o comunicado de imprensa do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação Internacional do Mali.
Abidjan nega acusações
A Costa do Marfim havia solicitado a 12 de julho a libertação "imediata" dos seus militares detidos "injustamente" e acusados pelas autoridades malianas de serem "mercenários" que pretendiam desestabilizar o país.
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De acordo com Abidjan, a presença dos seus militares no âmbito das operações de apoio logístico na MINUSMA era "bem conhecida das autoridades malianas".
Ainda de acordo com Abidjan, esses militares deveriam substituir outros costa-marfinenses destacados no Mali como Elementos de Apoio Nacional (ENS, na sigla em inglês), um procedimento da ONU que permite que contingentes de missões de paz chamem prestadores de serviços fora da ONU para apoio logístico.
Esta era a oitava rotação de soldados para a missão da ONU no Mai, precisou a Costa do Marfim.
Mali: a busca por laços mais fortes com Moscovo
02:07
Bamako viola "obrigações" da Carta da ONU
A ONU já criticou a expulsão do porta-voz da sua missão de paz no país pelas autoridades do Mali e tenciona abordar a questão com as autoridades malianas.
O porta-voz da ONU Farhan Haq disse que a organização lamenta "profundamente" a decisão e recordou que a declaração de 'persona non grata', algo comum no mundo diplomático, não pode ser aplicada a funcionários das Nações Unidas.
Como sublinhou, esta doutrina vai contra as "obrigações" que os países têm ao abrigo da Carta da ONU, nomeadamente no que diz respeito aos privilégios e imunidades da organização e dos seus funcionários. Haq disse que as Nações Unidas planeiam debater o assunto com as autoridades do Mali.
Este episódio ocorre num momento de clara tensão entre a junta militar que governa o Mali e as Nações Unidas, que enviaram mais de 15.000 soldados para apoiar as autoridades face à ameaça de movimentos fundamentalistas islâmicos que operam no país.
Este mês, o Governo do Mali suspendeu as rotações de pessoal da Minusma alegando "razões ligadas à segurança nacional", apesar de a ONU ter enfatizado que esses movimentos de 'capacetes azuis' são "fundamentais" para o sucesso da missão das Nações Unidas.
Conflito no Mali: Dogon refugiam-se em terra ancestral
Com a escalada do conflito no centro do Mali, o povo Dogon fugiu da região de Mopti, que foi a sua casa durante cerca de 700 anos, para "Mande", a sua terra ancestral.
Foto: Udo Lucio Borga
Uma nova vida na terra ancestral
Tal como milhares de outros Dogon, Isaie Dignau deixou a região de Bandiagara, no centro do Mali, por causa da insegurança. Ele e a família refugiaram-se em Nana Kenieba, uma aldeia a cerca de 150 quilómetros a sudeste da capital Bamako. De acordo com Isaie, os contadores de histórias Dogon previram esta migração para terras outrora chamadas "Mande" há centenas de anos.
Foto: Udo Lucio Borga
A profecia do regresso a casa cumpriu-se
Segundo a lenda, os Dogon são originalmente de "Mande", a região do povo Malinke. Entre os séculos XI e XIII, foram forçados a partir face à islamização da África Ocidental. Após uma longa migração, instalaram-se em torno da famosa falésia de Bandiagara, no que é hoje a região de Mopti. Agora, devido à ameaça jihadista, estão a regressar a casa.
Foto: Udo Lucio Borga
Mali, um conflito sem fim
Os caçadores de Dan Na Ambassagou são a principal milícia Dogon em Mopti. O conflito no Mali começou em 2012 e em 2016 alastrou-se para o centro do país. À medida que as tensões entre grupos étnicos aumentavam, formaram-se milícias de autodefesa. A violência é causada pela falta de terras férteis e de água numa área afetada pelo jihadismo.
Foto: Ugo Lucio Borga
As consequências do conflito
O Mali está a enfrentar uma grave crise humanitária em regiões já subdesenvolvidas. A insegurança alimentar afeta 1,3 milhões de pessoas. Cerca de 347.000 pessoas foram forçadas a fugir das suas terras. Muitas procuraram refúgio em países vizinhos, mas a maioria está deslocada internamente e refugiada no sul do Mali e em campos de refugiados próximos de áreas urbanas.
Foto: Ugo Lucio Borga
Os Dogon no conflito do Mali
Muitos Dogon estão diretamente envolvidos no conflito. Seidu Doungo lutou contra os Dan Na Ambassagou na região de Koro. Em 2020, abandonou as armas. A sua família foi ameaçada por jihadistas e ele já não conseguia uma fonte de rendimento. Quando Seidu ouviu falar de Nana Kenieba, decidiu deixar Koro para encontrar a paz em "Mande".
Foto: Ugo Lucio Borga
A hospitalidade local
Os Malinke são o grupo étnico maioritário em Nana Kenieba. Segou Keita é o chefe da aldeia e acolheu os Dogon que regressaram de acordo com a antiga profecia. A comunidade apoia-os financeiramente e inclui-os na tomada de decisões.
Foto: Udo Lucio Borga
Distribuição justa da terra
No alojamento principal de Nana Kenieba, Isaie Dignau mostra a alguns habitantes um mapa das parcelas de terreno. Desde 2016, cerca de 400 famílias Dogon, principalmente de Mopti, instalaram-se aqui. Cada família recebeu dois hectares de terra e alimentos.
Foto: Udo Lucio Borga
Uma comunidade secular
Os Dogon são uma comunidade secular, onde as pessoas são livres de professar o islamismo, o cristianismo ou crenças ancestrais. A aldeia tem duas mesquitas e duas igrejas, com correspondentes escolas corânicas e aulas de catecismo, sinal de um novo tempo de abertura.
Foto: Udo Lucio Borga
O medo ainda existe
O ambiente pacífico de "Mande" parece muito longe do conflito no Mali. Mas a comunidade vive com medo de que os jihadistas possam chegar e iniciar um conflito. Em Nana Kenieba, os habitantes organizaram patrulhas que mantêm os bandidos afastados por agora.