Justiça angolana ainda é prejudicada pela corrupção
Lusa | tms
24 de junho de 2017
Angola precisa aplicar nova legislação para que o setor judiciário se desenvolva de forma independente, aponta relatório da Associação Justiça, Paz e Democracia.
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O setor da justiça em Angola registou, nos últimos cinco anos, transformações a nível legislativo, mas as leis não estão a ser aplicadas, mantendo-se a corrupção sob diversas formas, indica o relatório da Associação Justiça, Paz e Democracia (AJPD), divulgado esta sexta-feira (23.06) em Luanda.
O relatório, realizado no período entre março de 2013 e dezembro de 2015, com atualizações em 2016 e início deste ano, refere que o setor da justiça angolano está em processo de transformação nos domínios da legislação, das infraestruturas e dos recursos humanos, e faz recomendações ao Governo angolano para que implemente as leis.
Segundo o gestor do relatório, António Ventura, nesses anos houve atualização da legislação, com a aprovação de novas leis, no domínio da organização e funcionamento dos tribunais, mas as estas não estão a ser aplicadas.
"Todavia, a maior parte dessa legislação estruturante do setor da justiça que tem sido aprovada, não está a ser aplicada, como a Lei Orgânica da Organização e Funcionamento dos Tribunais de Jurisdição Comum, que já existe há dois anos e do elemento consubstancial da lei nada tem sido feito, sendo nossa constatação neste domínio que a reforma da justiça resume-se a aprovação de leis", referiu.
Problemas na Justiça
Ainda de acordo com António Ventura, a não implementação dessas leis faz manter os problemas existentes há cerca de dez anos, nomeadamente a contratação de novos juízes, procuradores e oficiais de justiça.
"Outro aspeto que também nos chamou a atenção tem a ver com a distribuição dos advogados em Angola, porque a maior parte estão sedeados e atuam em apenas cinco das 18 províncias", referiu.
O relatório aponta igualmente problemas a nível das infraestruturas, não só ligadas aos tribunais, mas também aos Serviços Provinciais de Investigação Criminal.
"Estes trabalham em condições muito débeis, seja de infraestruturas ou de materiais, com dificuldades até básicas, como o acesso ao papel, ao transporte e ao sistema de comunicação, que de uma maneira ou de outra interfere e dificulta uma justiça penal de maior qualidade", avançou.
Recomendações ao Governo e o problema da corrupção
Como recomendações, o relatório apela ao Governo angolano o cumprimento das leis que são aprovadas, o reforço da independência e autonomia dos tribunais e a melhorias das condições de trabalho, acima de tudo salarial.
"Porque o que notamos é que em alguns setores, juízes e procuradores têm boas condições de trabalho, bons salários, mas todos os outros servidores da justiça continuam em condições salariais e de trabalho indignas para se administrar a justiça", destacou António Ventura.
Outro problema que atinge o setor da Justiça é a corrupção, fenômeno que António Ventura considera um problema transversal, porque atravessa outros setores, "mas ao setor da justiça - porque é ali onde todo os cidadãos vão colocar os seus problemas e seus conflitos - deveria dar-se melhores condições para que pudessem ser incorruptíveis ou impenetráveis".
"Este julgamento é uma palhaçada"
Presos desde junho de 2015, os 15 ativistas aguardam o desfecho do julgamento desde setembro. Recentemente, Nito Alves classificou o julgamento como uma "palhaçada", o que lhe valeu uma condenação a seis meses de prisão.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
"Este julgamento é uma palhaçada"
Depois de quase seis meses de julgamento, Manuel Nito Alves, um dos 15 ativistas detidos desde junho, afirmou que todo o processo era uma "palhaçada". A afirmação valeu-lhe uma condenação a seis meses de prisão. A Central Angola 7311 resolveu criar várias imagens, onde os ativistas surgem com maquilhagem de palhaço, para desmascarar o "circo" em que estão envolvidos.
Foto: Central Angola 7311
Reclusos do Zédu
No início do julgamento, a 16 de novembro do ano passado, os ativistas chegaram a tribunal com t-shirts onde tinham escritas frases de protesto. Luaty Beirão, um dos revus, afirmou na altura que "Vai acontecer o que o José Eduardo decidir. Tudo aqui é um teatro".
Foto: DW/P.B. Ndomba
#LiberdadeJa
Ao longo dos vários meses de processo, foram vários os protestos que aconteceram nas ruas de Luanda e de outras cidades. A Amnistia Internacional pede a liberdade dos prisioneiros de consciência, que se mostram bastante desgastados psicologicamente.
Foto: Reuters/H. Corarado
Prisão domiciliária desde dezembro
Em dezembro, o Tribunal Constitucional de Angola decretou o fim da prisão preventiva dos 15 ativistas. No acórdão era possível ler-se que "cabe ao juiz da causa determinar a medida de coação a aplicar nos termos da lei". A Procuradoria Geral da República propôs a alteração da medida de coação para prisão domiciliária.
Foto: picture-alliance/dpa/P. Juliao
Prisão domiciliária sem fundamento
Em fevereiro, o Tribunal de Luanda decretou que os ativistas deveriam continuar em prisão domiciliária. Praticamente um mês depois, os revus continuam à espera das alegações finais. "Nós sabemos que não podemos esperar nada de bom disto, apenas uma condenação", disse António Kissanda, da Central Angola 7311, à DW.
Foto: Reuters/H. Corarado
"Os 15+2 estão a ser julgados por falar a verdade"
"Falar sobre as boas condições que José Eduardo dos Santos criou não é crime, mas dizer que não há luz, água potável, educação já é", diz António Kissanda. O 15+2 (Laurinda Gouveia, na foto, e Rosa Conde foram constituídas arguidas, mas aguardam julgamento em liberdade) estão a ser julgados porque "falaram a verdade".
Foto: Central Angola 7311
Ativistas usam greve de fome como forma de protesto
Em setembro, Domingos da Cruz, Inocêncio de Brito, Luaty Beirão (na imagem) e Sedrick de Carvalho declararam uma greve de fome contra a prisão preventiva, ilegal nessa altura, ao abrigo da Constituição angolana. Luaty Beirão manteve-se em greve de fome até ao final de outubro. Agora, é Nuno Dala quem usa a greve de fome como forma de protesto: tomou a decisão há seis dias (9.03).
Foto: Central Angola 7311
Julgamento sem fim à vista
Ontem (14.03), realizou-se mais uma sessão do julgamento dos 15+2. David Mendes (à esquerda na imagem), um dos advogados de defesa do grupo, recusa depor como declarante no processo. A sessão de ontem, prevista para as declarações finais, foi adiada para 21 de março, depois de o advogado ter sido impedido de exercer as suas funções como advogado de defesa.
Foto: DW/Nelson Sul d'Angola
"Isto é uma farsa que os levou à cadeia e os mantém na cadeia"
Para António Kissanda, da Central Angola 7311, este julgamento é uma farsa e lembra todos os outros ativistas que, ao longo dos 36 anos em que José Eduardo dos Santos está no poder, foram perseguidos e mortos. "Nós já estamos mortos, para dizer a verdade, só falta estarmos no caixão como prova disso", afirma. "Tal como em qualquer ditadura, é importante que não se criem mentalidades no povo".