Justiça em Moçambique: Não basta inaugurar tribunais
25 de outubro de 2022O irmão de Abdul Gafur, residente na vila de Morrumbene, província moçambicana de Inhambane, foi atropelado há onze anos, quando estava na padaria. Até hoje, o processo continua em aberto no tribunal. O irmão está à espera de uma indemnização e de apoio financeiro.
"Não foi a padaria que bateu no camião, mas o camião que veio bater na padaria. Porque não lhe pagam indemnizações dos danos? Até hoje, o caso está parado", lamenta, em entrevista à DW.
A morosidade nos processos é crónica em Moçambique. Ainda em meados de outubro, o Provedor de Justiça voltou a chamar a atenção para o problema, durante o informe anual no Parlamento. Isaque Chande queixou-se também de corrupção nas instituições públicas. E acrescentou que "alguns titulares dos órgãos de administração pública, funcionários e agentes de Estado séniores não se dão [sequer] tempo para receber e ouvir os cidadãos que clamam por audiências".
Outro problema em Moçambique é a falta de tribunais ou mesmo de acesso a um advogado. 83% dos advogados no país vivem na capital, segundo dados do Índice de Transformação Bertelsmann (BTI). Por outro lado, a localização dos tribunais não corresponde ao número de habitantes nas províncias. A Zambézia, por exemplo, que tem quase o triplo dos habitantes do Niassa, só tem 14 tribunais, enquanto o Niassa conta com 16, refere o BTI.
Falta tempo e dinheiro
Baltazar Fael, pesquisador no Centro de Integridade Pública de Moçambique (CIP), lembra que é preciso tempo e dinheiro para fazer chegar as instituições judiciais mais perto dos cidadãos: "Aproximar as instituições da administração da justiça para junto das populações implica, antes de tudo, ter recursos para colocar os tribunais e procuradoria nestas comunidades. Eu penso que isso vai continuar a ser um problema por vários anos".
O Presidente da República, Filipe Nyusi, inaugurou, na semana passada, a procuradoria e o tribunal distrital de Morrumbene, na província de Inhambane. Ao entregar as "chaves" das duas novas instalações, Nyusi pediu aos magistrados e ao pessoal técnico maior transparência e flexibilidade no tratamento dos processos e "eficiência da ação, contribuindo para o bem servir ao cidadão".
"Com estas instalações, estão criadas as condições para aprimorar o vosso desempenho institucional. Apelamos aos magistrados, oficiais de justiça e demais funcionários da Procuradoria de Inhambane que atendam bem o público", pediu.
Solane Macamo, académico em Inhambane, também afirma que não basta investir nas infraestruturas. É preciso mais, sobretudo acelerar os processsos: "Sempre que vamos aos tribunais encontramos reclamações desde 2015, que a pessoa foi deixar lá o seu processo ou queixas sem solução. A inauguração das infraestruturas é bem-vinda, mas é preciso melhorar o seu funcionamento", sublinha.