Não se deve baixar a guarda na luta contra o racismo, defende Kalaf Epalanga. E para sustentar isso, o escritor angolano lembra, por exemplo, que os movimentos de direita estão a crescer na Europa e que a paz é frágil.
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Por isso as questões de raça também são abordadas na escrita de Kalaf Epalanga, como é o caso da sua primeira obra intitulada "Histórias de Amor para meninos de Cor". A DW África conversou com Kalaf Epalanga sobre o racismo, tomando como ponto de partida uma obra sua.
DW África: "Histórias de Amor para meninos de Cor" é o título do seu primeiro livro. Porque este título?
Kalaf Epalanga (KE): Quando cheguei a Portugal em 1995, uma das coisas que me atraiu em Lisboa foi o facto de ter encontrado uma geração de meninos, pessoas da minha idade a discutirem o tema raça, cor. E eu achei muita graça aquelas discussões, porque eu vinha de um país africano onde há uma relação com o termo negro bastante presente e não há discussão sobre isso. Mas estar em Portugal foi quase retroceder um pouquinho na discussão sobre raça e racismo. E uma das coisas que senti, é que as pessoas ficavam um pouco desconfortáveis com o termo negro e depois. E outras pessoas preferiam adotar o termo preto e outras desconfortáveis com o termo preto preferiam o termo negro, havia sempre essa discussão. Então, tirei as respostas desses temas para discussão e convidei as pessoas a refletirem para além da questão prática e a olharem para um pouco mais a fundo sobre o porque desses termos. Somos negros perante a quem? O que nos define?
DW África: Achas que está subjacente a este termo "pessoa de cor" algum paternalismo?
KE: Não, esse termo já não se usa. Acho que as que usam são obviamente de uma certa geração.
DW África: Nos EUA ainda há gente que usa esse termo...
KE: Sim, mas os EUA ainda se confrontam com essa questão do racismo de forma um pouco mais violenta. E é importante não traduzir a letra esses termos. Se for para pegar alguma preferência eu sem dúvida que apontava para o negro, é o termo que me deixa mais confortável. Mas se alguém preferir preto ou pessoa de cor, que Deus o abençoe.
28.08.17. ONLINE Kalaf Epalanga - MP3-Mono
DW África: A luta contra a discriminação racial cresceu no mundo e em Portugal assiste-se a uma série de movimentos nesse sentido e também de promoção da auto-estima. Acha que esses movimentos são proporcionais ao nível de discriminação ou já se está num nível de auto-vitimização? Há um exagero ou não?
KE: Não acho que seja exagerado porque durante muito tempo houve um vazio. Acho que criar auto-estima e valorização é importante, é importante as pessoas gostarem de si próprias como são, sem se subjugarem a vontade e aos padrões impostos pela sociedade ou pelo outro. O facto de vivermos numa sociedade não significa ou não anula a vontade de termos movimentos pacíficos e movimentos que nos relembrem constantemente o quão frágil é a paz que nós usufruímos. Mas acho que até devia haver mais ainda porque o racismo cresce no escuro, na ignorância. Então, quanto mais luz houver melhor. Por exemplo, estamos a ver os movimentos de direita a crescerem na Europa, vais me dizer que há menos movimentos a alertarem? Talvez. Se calhar porque há menos movimento a alertarem e a relembrarem as pessoas de que não podemos dormir a sombra da bananeira quando há pessoas, há vontades e energias negativas a alinharem-se e a organizarem.
DW África: E não haverá o risco de se promover uma espécie de racismo defensivo?
KE: Não podemos baixar a guarda, devemos combater violentamente qualquer reação racista, machista e homofóbica. E o racismo não é só por discriminação de cor ou de origem, também se assiste a isso quando se trata de oportunidade, por exemplo, ou na questão da representatividade. Olhamos para uma sociedade diversa como a portuguesa, o facto de não termos diversidade suficiente em áreas como educação, cultura, política e economia é um problema.
Bairro de imigrantes africanos demolido em Lisboa
O 6 de Maio, de génese ilegal, começou a ser construído na década de 1970 na Amadora, na periferia da capital portuguesa. Autarquia diz que demolições são de casas devolutas, antes habitadas por famílias já realojadas.
Foto: DW/João Carlos
Tudo começou nos anos 70
O Bairro 6 de Maio teve na sua génese barracas improvisadas erguidas nos anos 70, com a chegada dos retornados e dos imigrantes oriundos de países africanos de língua portuguesa. É um dos bairros degradados da Amadora, na periferia de Lisboa, que os seus habitantes não querem que se chame "problemático".
Foto: DW/João Carlos
No gueto às portas de Lisboa
O bairro fica a poucas centenas de metros da estação de comboio da Damaia, perto das Portas de Benfica, que confluia com o já extinto Estrela de África. É um dos aglomerados degradados do município em fase de iminente demolição. Os seus habitantes, na sua maioria cabo-verdianos e guineenses, fazem questão de o classificar como gueto nos dizeres e graffitis que preenchem as paredes.
Foto: DW/João Carlos
Viver em comunidade
Entrando na intimidade do lugar sente-se o pulsar quotidiano das gentes que vieram de África há cerca de quatro décadas e das que já nasceram em Portugal. Muitas delas, sem emprego e em situação de debilidade financeira, assumem que conquistaram o direito de viver no bairro, de preferência em comunidade. Reclamam por uma casa digna para as respetivas famílias.
Foto: DW/João Carlos
Conviver com a insalubridade
O bairro 6 de Maio é o que tem os piores indicadores de surto de doenças no concelho. A autarquia da Amadora diz estar atenta aos vários problemas de saúde pública ali existentes. Mesmo sob o fantasma da demolição, os próprios residentes já promoveram uma Feira da Saúde a favor de um bairro saudável, limpo e acolhedor.
Foto: João Carlos
A angústia de Justina
Justina Ramos, 54 anos, veio para aqui morar em 1999, na casa que lhe deixou a irmã, emigrada em França. A habitação acabou depois por ser derrubada por falta de condições. Dependente de 280 euros da reforma, teve de alugar um quarto por 200 euros para não dormir na rua. Sem outra alternativa, fez um apelo à autarquia. Vive angustiada porque não sabe se terá ou não direito a realojamento.
Foto: DW/João Carlos
As incertezas de Carlos
Aqui nasceu há 39 anos, tal como os dois filhos que ainda dependem dele. É outro dos afetados pelo plano de demolição. Carlos Fortes está inconformado com o facto de o seu filho de 18 anos não ser admitido no processo entregue na Câmara Municipal. Vive na incerteza, à espera de uma solução e da próxima carta em resposta à sua reclamação.
Foto: DW/João Carlos
“Trançar” a beleza de portas abertas
Enquanto não cairem as paredes da casa onde vivem desde que nasceram, Paula (sentada) e Sandra (de pé) mantêm as portas abertas à clientela que queira fazer tranças. Uma fonte de rendimento para a família. Aos fins de semana, a afluência é maior por parte de jovens, adultos e crianças que recorrem ao salão improvisado. São elas que arranjam o cabelo às meninas antes do início da semana de aulas.
Foto: DW/J. Carlos
Improvisos
Cada espaço é aproveitado como cada um entende, conforme impõem as necessidades de sobrevivência. Quem não tem uma máquina elétrica para secar a roupa improvisa um cordel como se faz nos quintais em África, aproveitando os benefícios da energia solar.
Foto: DW/J. Carlos
Homenagem a Musso
Os habitantes deram o nome de "Largo Too Sexy" a esta espécie de praceta, centro dos principais eventos e de convívio como a "festa de 6 de Maio", que este ano não se realizou. O mural em graffiti representa a homenagem dos habitantes do bairro a Musso, jovem de 16 anos de idade morto numa intervenção policial, em 2013.
Foto: DW/J. Carlos
Espaço cultural: a marca do bairro
Este é um dos rostos e uma das portas de entrada para o bairro, igualmente ponto de concentração e de encontro com amigos e visitantes. Aqui ainda nascem ideias e projetos de utilidade para os residentes, aparentemente pouco preocupados com a demolição que decorre há já dois anos. Aberto de segunda a sexta-feira, alberga atividades culturais diversas, muitas delas organizadas pelo Centro Social.
Foto: DW/J. Carlos
Baralhar as cartas
O estabelecimento de Helena, ao lado do Espaço Cultural – uma sui generis combinação de bar, café e mercearia –, é outro lugar partilhado pelos jovens, tanto para ver partidas de futebol europeu, como os jogos da Liga ou da Taça portuguesas. O animado jogo de cartas acaba por ser também um motivo para atração de potenciais clientes. O negócio vai de vento em pompa, sobretudo no final do mês.
Foto: DW/J. Carlos
Equipamento social em risco
Central é o trabalho comunitário prestado à população pelo Centro Social, dirigido pela irmã Deolinda. A instituição, gerida pelas Missionárias Dominicanas do Rosário, acolhe crianças da creche e do pré-escolar, na sua maioria de origem africana. O futuro é ainda uma incógnita, diz a irmã Deolinda, que aguarda por uma decisão da presidente da Câmara Amadora sobre o destino do Centro.