Kalaf Epalanga: "Não estava à espera de grandes milagres"
João Carlos
6 de dezembro de 2017
Por ocasião do lançamento do romance "Também os Brancos Sabem Dançar", o escritor e músico angolano Kalaf Epalanga afirma-se cautelosamente otimista quanto ao futuro do seu país sob nova presidência.
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Kalaf Epalanga Ângelo regista com satisfação as mudanças levadas a cabo em Angola e afirma-se otimista quanto ao respeito do novo Governo pela liberdade de expressão, criação e manifestação. No dia em que lança, em Lisboa, o seu novo romance "Também os Brancos Sabem Dançar", o escritor afirma que os sinais de mudança que se estão a registar em Angola deixam qualquer angolano otimista. No contexto, o autor e músico destaca as primeiras medidas tomadas pelo Presidente João Lourenço de saneamento do aparelho do Estado e contra a corrupção,
"Não sou a exceção. Estou bastante curioso e atento. Desejo que o Presidente João Lourenço tenha a coragem de terminar aquilo que iniciou. As mudanças são sempre boas e necessárias. Um país tão grande como Angola e com tantos recursos precisa de outros pensadores e de outros atores. Pessoas com energia e vontade de levar aquela nação em frente".
Em entrevista à DW, Kalaf Epalanga diz que os angolanos têm agora a oportunidade de fazer uma auto-análise e contribuírem de forma valiosa para a transformação de Angola num país verdadeiramente democrático. Há também que pensar em progredir e no legado a deixar às próximas gerações, disse à DW África.
"Terminar o que iniciou"
Kalaf Epalanga disse que "não estava à espera de grandes milagres" imediatos, depois das eleições presidenciais angolanas de 23 de agosto deste ano, que deram vitória ao partido no poder (MPLA). E afirma que "João Lourenço surpreendeu o país pela positiva", mas espera "ver se os resultados realmente se materializarão".
O escritor considera que este período deve incentivar todos os angolanos a participar no processo de transformação de Angola: "Uma oportunidade para todos nós revermos a forma como lidamos e a forma como nos posicionamos em relação ao país".
E essa participação, acrescenta o artista, pode ser feita de diversas maneiras - sem que seja necessário filiar-se num partido político. "Não precisamos todos pensar da mesma forma. Somos todos do mesmo país, fazemos parte da mesma sociedade e temos uma voz. Temos até algo de importante para contribuir também para o futuro".
E, além disso, diz Kalaf, a participação não se dá apenas governando, decidindo o futuro da nação no sentido de gerir as questões de orçamento e de política pública, mas também no sentido da educação, do pensamento, do civismo e respeito pelas individualidades e diferenças.
Esperança
06.12 Epalanga - MP3-Mono
Kalaf Epalanga faz parte do amplo movimento da sociedade civil que deu a cara pela mudança no país. Foi dos que saiu à rua em defesa dos direitos humanos em Angola. É com esperança que olha o futuro, igualmente preocupado com o bem-estar das próximas gerações.
"Temos a esperança de que o caminho que se adotou agora, com essas exonerações e com essas mudanças no paradigma governativo, se materialize também noutras esferas da sociedade".
Entretanto, diz que não espera ações apenas do Governo, mas de todos os cidadãos. "Ou seja, é uma oportunidade que nós temos de rever e pensar o que é que queremos daquele país, o que é que queremos daquela sociedade", disse.
"Eu não quero que os meus filhos nasçam numa sociedade onde a moral ou o bom senso já não existam", desabafa. E defende o respeito pelas diferenças políticas, religiosas, de género, entre outras, assim como a liberdade de manifestação.
"Tudo isso tem que ser abraçado. Não podemos permitir por exemplo [a repressão registada] na recente marcha das mulheres contra a violência. Todos nós temos responsabilidades. Então, nós homens temos uma responsabilidade acrescida, porque não somos só os perpetuadores dessa ação como também podemos corrigir, educando outros homens a pensar diferente, a agir diferente".
No entanto, ressalva, ainda é cedo para se garantir, com todas as letras, que "a música e a dança serão outra" a partir de agora. "Estou à espera que seja algo que nunca vi até agora, mas também não quero que Angola se descaraterize", salientou.
"Também os Brancos Sabem Dançar"
A DW África entrevistou Kalaf Epalanga horas antes da apresentação, nesta quarta-feira (06.12), no Teatro São Luiz, do seu primeiro romance "Também os Brancos Sabem Dançar".
O autor explicou que o romance nasceu de um encontro, no Rio de Janeiro (Brasil), com o seu conterrâneo José Eduardo Agualusa. Este escritor convidou-o para falar do kuduro diante de uma plateia etnicamente diversa e interessada em saber mais sobre a génese deste género musical e de dança de Angola, que se espalhou pelo mundo.
Epalanga, nascido em Benguela, fez uma pausa como músico e decidiu trocar Lisboa por Berlim para escrever. Tem em mãos mais dois projetos literários, um dos quais será um romance político.
Kalaf Epalanganasceu em Benguela, Angola, em 1978. Publicou os livros de crónicas, O Angolano Que Comprou Lisboa (Por Metade do Preço) e Estórias de Amor para Meninos de Cor. É cronista de várias publicações em língua portuguesa e membro da banda Buraka Som Sistema. Atualmente vive e trabalha entre Lisboa e Berlim.
De fortalezas a cinemas: o património colonial português em África
A colonização portuguesa nos países africanos deixou edificações históricas, que vão desde fortificações militares, igrejas, estações de comboio, até cinemas. Boa parte deste património ainda resiste.
Foto: DW/J.Beck
Calçada portuguesa
Na Ilha de Moçambique, antiga capital moçambicana, na província de Nampula, a calçada portuguesa estende-se à beira mar. A herança colonial que Portugal deixou aqui é imensa e está presente num conjunto de edificações históricas, entre fortalezas, palácios, igrejas e casas. Em 1991, este conjunto foi reconhecido como Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de São Sebastião
A Fortaleza de São Sebastião, na Ilha de Moçambique, começou a ser erguida pelos portugueses em 1554. O motivo: a localização estratégica para os navegadores. Ao fundo, vê-se a Capela de Nossa Senhora do Baluarte, de 1522, que é considerada a mais antiga estrutura colonial sobrevivente no sul de África.
Foto: DW/J.Beck
Hospital de Moçambique
O Hospital de Moçambique, na Ilha de Moçambique, data de 1877. O edifício de estilo neoclássico foi durante muito tempo a maior estrutura hospitalar da África Austral. Atualmente, compõe o património de construções históricas da antiga capital moçambicana.
Foto: DW/J.Beck
Fortaleza de Maputo
A Fortaleza de Maputo situa-se na baixa da capital moçambicana e é um dos principais monumentos históricos da colonização portuguesa no país. O espaço foi ocupado no início do século XVIII, mas a atual edificação data do século XX.
Foto: DW/J.Beck
Estação Central de Maputo
Desde a construção da Estação Central dos Caminhos-de-Ferro (foto) na capital moçambicana, no início do século XX, o ato de apanhar um comboio ganhou um certo charme. O edifício, que pode ser comparado a algumas estações da Europa, ostenta a uma fachada de estilo francês. O projeto foi do engenheiro militar português Alfredo Augusto Lisboa de Lima.
Foto: picture-alliance / dpa
Administração colonial portuguesa em Sofala
Na cidade de Inhaminga, na província de Sofala, centro de Moçambique, a arquitetura colonial portuguesa está em ruínas. O antigo edifício da administração colonial, com traços neoclássicos, foi tomado pela vegetação e dominado pelo desgaste do tempo.
Foto: Gerald Henzinger
"O orgulho de África"
Em Moçambique, outro de património colonial moderno: o Grande Hotel da Beira, que foi inaugurado em 1954 como uma das acomodações mais luxuosas do país. O empreedimento português era intitulado o "orgulho de África". Após a independência, em 1975, o hotel passou a ser refúgio para pessoas pobres. Desde então, o hotel nunca mais abriu para o turismo.
Foto: Oliver Ramme
Cidade Velha e Fortaleza Real de São Filipe
Em Cabo Verde, os vestígios da colonização portuguesa espalham-se pela Cidade Velha, na Ilha de Santiago. Entre estas construções está a Fortaleza Real de São Filipe. A fortificação data do século XVI, período em que os portugueses queriam desenvolver o tráfico de escravos. Devido à sua importância histórica, a Cidade Velha e o seu conjunto foram consagrados em 2009 Património Mundial da UNESCO.
Foto: DW/J. Beck
Património religioso
No complexo da Cidade Velha está a Igreja de Nossa Senhora do Rosário, conhecida por ser um dos patrimónios arquitetónicos mais antigos de Cabo Verde, com mais de 500 anos. Assim como em Cabo Verde, o período colonial português deixou outros edifícios ligados à Igreja Católica em praticamente todos os PALOP.
Foto: DW/J. Beck
Palácio da Presidência
Na cidade da Praia, em Cabo Verde, a residência presidencial é uma herança do período colonial português no país. Construído no século XIX, o palácio abrigou o governador da colónia até a independência cabo-verdiana, em 1975.
Foto: Presidência da República de Cabo Verde
Casa Grande
Em São Tomé e Príncipe, é impossível não reconhecer os traços da colonização portuguesa nas roças. Estas estruturas agrícolas concentram a maioria das edificações históricas do país. A imagem mostra a Casa Grande, local onde vivia o patrão da Roça Uba Budo, no distrito de Cantagalo, a leste de São Tomé. As roças são-tomenses foram a base económica do país até a indepência em 1975.
Foto: DW/R. Graça
Palácio reconstruído em Bissau
Assim como em Cabo Verde, na Guiné-Bissau o palácio presidencial também remonta o período em que o país esteve sob o domínio de Portugal. Com arquitetura menos rebuscada, o palácio presidencial em Bissau foi parcialmente destruído entre 1998 e 1999, mas foi reconstruído num estilo mais moderno em 2013 (foto de 2012). O edifício, no centro da capital guineense, destaca-se pela sua imponência.
Foto: DW/Ferro de Gouveia
Teatro Elinga
O Teatro Elinga, no centro de Luanda, é um dos mais importantes edifícios históricos da capital angolana. O prédio de dois andares da era colonial portuguesa (século XIX) sobreviveu ao "boom" da construção civil das últimas décadas. Em 2012, no entanto, foram anunciados planos para demolir o teatro. Como resultado, houve fortes protestos exigindo que o centro cultural fosse preservado.
Foto: DW
Arquitetura colonial moderna
O período colonial também deixou traços arquitetónicos modernos em alguns países. Em Angola, muitos cinemas foram erguidos nos anos 40 com a influência do regime ditatorial português, o chamado Estado Novo. Na foto, o Cine-Teatro Namibe (antigo Moçâmedes), um dos mais antigos do país, é um exemplo. Foi o primeiro edifício de arquitetura "art déco" na cidade de Namibe.