O primeiro deputado federal alemão com raízes africanas apresentou a sua biografia. O livro da vida de Karamba Diaby é uma mensagem de esperança e coragem.
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Para Karamba Diaby foi uma sorte os alemães gostarem tanto de ter as suas pequenas hortas e jardins. Para a sua tese de doutoramento na década de 90 do século passado, o estudante originário do Senegal investigou o grau de poluição dos vegetais nos jardins da cidade de Halle, no leste da Alemanha. Durante oito meses plantou e colheu couve-rábano, alho-porro e aipo, e examinou o solo dos jardins. E aproveitou para conversar com os jardineiros amadores.
"Estes encontros ajudaram-me a perceber melhor a sociedade”, disse Diaby quando apresentou, em Berlim, a sua biografia. Na altura conheceu engenheiros, enfermeiras, desempregados e reformados. Criou muitas amizades, não só no meio da jardinagem amadora. O político social-democrata, que tem 54 anos, já vive em Halle há 30.
A gratidão como lema
No seu livro "Com Karamba no Bundestag. O meu caminho do Senegal para o Parlamento alemão”, Diaby conta como o órfão africano foi eleito deputado na Alemanha. "Decidi escrever este livro, porque muitas pessoas me encorajaram a fazê-lo quando lhes contei a história da minha vida”, disse o político à DW.
E não há dúvida que Diaby é um exímio contador de histórias. Várias vezes pôs a rir o público que encheu a sala na apresentação em Berlim, fosse por causa das suas primeiras experiências com a ordem alemã ("No começo tive as minhas dificuldades”) ou ao elogiar a lei de jardinagem amadora na Alemanha ("Se todos respeitarem as regras, todos se divertem”).
Mas a vida de Diaby também já foi muito dura. Cresceu no Senegal órfão dos dois pais. Conseguiu ganhar o suficiente para concluir o ensino secundário. Mas na universidade começou a faltar-lhe o dinheiro. A solução foi concorrer a uma bolsa de estudos no estrangeiro. Em 1985 foi para a extinta República Democrática Alemã (RDA), onde estudou química.
A palavra que mais frequentemente repete quando conta a sua vida é gratidão: "Estou grato por ter estudado apesar de não ter pais e por me terem dado a garantia de uma bolsa de seis anos”, diz Diaby ao contar a sua nova vida na Alemanha do Leste. E também teve sorte na vida privada: apaixonou-se por uma colega da faculdade, com quem é casado até hoje.
Racista e cruel, a história colonial da Alemanha
A exposição no Museu Histórico Alemão, em Berlim, é a primeira grande exibição que explora os capítulos do domínio colonial da Alemanha. Uma história da ambição falhada de uma superpotência.
Foto: public domain
A cara do colonialismo
Com o chanceler Otto von Bismarck, o Império Colonial Alemão estabeleceu-se nos territórios da atual Namíbia, Camarões, Togo e em algumas partes da Tanzânia e do Quénia. O imperador Guilherme II, coroado em 1888, tentou expandir os domínios coloniais. O imperador alemão queria um "lugar ao sol", como disse mais tarde, em 1897, o chanceler Bernhard von Bülow.
Foto: picture-alliance/AP Photo/DW
Colónias alemãs
Foram conquistados territórios no Pacífico (Nova Guiné, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Salomão e Samoa) e na China (Tsingtao). A Conferência de Bruxelas em 1890 determinou que o imperador germânico iria obter os reinos do Ruanda e Burundi, ligando-os à África Oriental Alemã. No final do século XIX, as conquistas coloniais alemãs estavam praticamente completas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdades
A população branca nas colónias era uma minoria, raramente representava mais de 1% da população. Uma minoria privilegiada, contudo. Em 1914, cerca de 25 mil alemães viviam nas colónias, menos de metade no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia). Os 13 milhões de nativos das colónias alemãs eram vistos como subordinados, sem recurso ao sistema legal.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século XX
O genocídio contra os povos Herero e Nama no Sudoeste Africano Alemão (atual Namíbia) é o mais grave crime na história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes Herero fugiram para o deserto, onde as tropas alemãs bloquearam sistematicamente o acesso à água. Estima-se que morreram mais de 60 mil Hereros.
Foto: public domain
A culpa alemã
Apenas cerca de 16 mil Hereros sobreviveram ao extermínio. Foram depois detidos em campos de concentração, onde muitos acabaram por falecer. O número exato de vítimas continua por apurar e é ponto de controvérsia. Quanto tempo terão sobrevivido os Hereros depois de fugirem para o deserto? Eles perderam todos os seus bens, os seus meios de subsistência e as perspetivas de futuro.
Foto: public domain
Reformas em 1907
Depois das guerras coloniais, a administração das colónias alemãs foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida. Bernhard Dernburg, um empreendedor de sucesso (na imagem, transportado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado dos Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas coloniais da Alemanha.
Foto: picture alliance/akg-images
A ciência e as colónias
Com as reformas de Dernburg foram criadas instituições científicas e técnicas para lidarem com assuntos coloniais. Assim estabeleceram-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África Oriental para investigar a transmissão da doença do sono. A imagem demonstra amostras coletadas nessa expedição.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Uma das maiores guerras coloniais
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos rebelaram-se contra o poder na África Oriental Alemã. Cerca de 100 mil locais morreram na Revolta de Maji-Maji. Apesar de raramente discutido, este continua a ser um importante capítulo da história da Tanzânia.
Foto: Downluke
A perda das colónias
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, a Alemanha assinou o tratado de paz de Versalhes, em 1919, que previa que o país renunciava a soberania sobre as colónias. Cartazes como este demonstram o medo dos alemães de, como consequência, perderem poder económico e viverem na pobreza e na miséria no seu país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições coloniais do "Terceiro Reich"
As aspirações coloniais voltaram a surgir com o nazismo e não apenas em relação à colonização da Europa Central e Oriental, através do genocídio e limpeza étnica. O regime nazi pretendia também recuperar as colónias perdidas em África, como demonstra este mapa escolar de 1938. Os territórios eram vistos como fonte de recursos para a Alemanha.
Foto: DW/J. Hitz
Processo espinhoso
As negociações para uma declaração conjunta do genocídio dos povos Herero e Nama entraram numa fase difícil. Enquanto a Alemanha trava quanto a compensações financeiras, há também deficiências nas estruturas políticas internas da Namíbia. Representantes Herero apresentaram, recentemente, uma queixa à ONU contra a sua exclusão nas negociações em curso.
Foto: Dagmar Wöhrl
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Experiência com o racismo
O livro também abre uma janela sobre uma parte da História contemporânea alemã. A reunificação em 1990 foi uma cisão na vida de Diaby. Com a extinção da RDA também desapareceu a sua bolsa. Finalmente a Agência Alemã de Intercâmbio Académico (DAAD) assumiu os pagamentos. Mais um motivo de gratidão, diz.
No entanto, nos anos 90, Diaby também aprendeu o que é o desemprego maciço. Apesar de concluir com êxito a tese de doutoramento, não consegue encontrar trabalho. É alvo de ataques de extremistas da direita nos transportes públicos. Por sorte só lhe partem os óculos, diz.
No livro o político também fala sem papas na língua sobre o racismo corriqueiro. Conta que até no Parlamento já teve essa experiência desagradável. Por exemplo, quando a empregada na caixa da cantina não quis acreditar que ele era deputado no seu primeiro dia de trabalho no Bundestag.
Uma história para dar coragem
"Eu rio-me. Mas imagine quantas pessoas têm experiências parecidas na nossa sociedade, e não têm os mesmos privilégios que eu: o privilégio de dominar o idioma e estar numa posição em que me posso defender. As muitas centenas de milhares de refugiados que passaram pelo mesmo na estação de caminhos-de-ferro não têm esse privilégio”.
Em tempos Diaby falava menos abertamente do racismo na Alemanha com jornalistas. Por exemplo, quando se candidatou pela primeira vez ao Parlamento federal em 2013. O livro será o sinal para uma mudança de posição? Fruto, talvez, do aumento do racismo na Alemanha?
Não, diz Diaby, e pela primeira vez recorre ao discurso político que felizmente soube evitar no livro: "Em entrevistas dessas nunca se consegue explicar de forma coerente o contexto. O livro tem a vantagem de expor o problema sob um ponto de vista global”, explica o deputado.
Não obstante as experiências mais amargas, o livro de Karamba Diaby e da sua co-autora, Eva Sudholt, conta uma história pensada para dar coragem: "Quero dizer aos mais jovens: a vida não decorre em linha recta. As desilusões são constantes. Mas tudo depende de nós. Não se pode baixar os braços. É preciso erguer a cabeça e aceitar o próximo desafio”, diz Diaby.