Angola: Ajuda alimentar do Governo não chega às famílias
10 de junho de 2020Margarida Pedro José pede ajuda. Tem 50 anos de idade e nove familiares à sua guarda, entre eles, crianças que perderam o pai e a mãe, para além de uma idosa de mais de 90 anos. Margarida diz que mal tem comida para dar à sua família.
"A situação é mesmo grave, porque não temos apoio de ninguém. Não tenho mãe, não tenho pai. Eu sou o pai e sou a mãe. Eu não trabalho. A situação está mesmo difícil", conta.
Margarida vive no bairro da Mesquita, na capital provincial Ndalatando, e lança um grito de socorro ao governo local: "Nunca vimos nada desde dezembro. [Peço] que o governo me apoie, devido às crianças órfãs de pai e mãe".
Susana Joaquim vive noutro bairro de Ndalatando, Vieta. Mora com mais cinco familiares e também está a passar por muitas dificuldades. Susana diz que, com a pandemia da Covid-19, a situação piorou.
"Muita fome, muito sofrimento mesmo. Desde que veio esse problema do coronavírus estamos a sofrer muito", sublinha a moradora.
Cesta básica não chega a todos
Angola acaba de sair de dois meses de estado de emergência. A medida foi decretada pelo Presidente angolano, João Lourenço, para travar a propagação da Covid-19 no país. As escolas fecharam as portas, foram impostas restrições à circulação e passaram a ser proibidos os mercados informais de rua e a venda ambulante de bens não essenciais. Foi por isso que a situação se agravou, conta Catarina Viriato, residente no bairro CTT, no município de Lucala.
"É a realidade da fome mesmo. Nós passamos mal. Para comermos, não temos como fazer. Não trabalhamos, não vendemos, nada estamos a fazer. Para conseguirmos comer é difícil mesmo. E a alimentação que eles deram, não nos abrange", revela.
Marisa Caetano, que mora na cidade do Dondo, município de Kambambe, explica que, no seu bairro, só foram distribuídos alimentos a idosos e pessoas com deficiência física.
"Só estão a entregar àquelas pessoas que sofrem. No nosso caso, não estão [a distribuir], porque nós fazemos biscates", explica a moradora.
As autoridades da província confirmam. As cestas básicas só foram distribuídas às "pessoas mais vulneráveis", segundo a diretora do gabinete provincial da Ação Social, Família e Igualdade de Género do Kwanza Norte, Vitória Braga. Ao todo, mais de cinco mil famílias confinadas em todos os municípios da província foram beneficiadas.
Ajuda das igrejas é essencial
Vitória Braga tem consciência de quea ajuda governamental não chega: "É pouco, sabemos que o governo não vai conseguir distribuir para todos, mas ainda assim contamos com as associações e as igrejas, no sentido de se unirem para assim fazerem chegar [a ajuda] a todos os utentes necessitados da província", afirma.
O padre Apolinário Perez, pároco de Bolongongo e responsável da Cáritas local, refere que a Igreja já está a ajudar dezenas de famílias.
"Neste momento, os mais necessitados são 43 famílias, sem contar com as crianças. Crianças órfãs de pai e outros de mãe. Também temos o internato das irmãs, com 16 meninas que são órfãs de pai e de mãe e estão ao nosso cuidado", indica o pároco.
O pastor da Igreja Evangélica Congregacional em Angola, Lúcio Marques, reforça o alerta de que há muitas famílias que precisam de ajuda urgente.
"Temos muita gente que não tem nem sequer uma refeição por dia, temos gente que depende de doação. O Estado tem vindo a falar que temos de combater a pobreza. Mas é bom que este combate à pobreza saia do papel para a prática. Se assim não for, as famílias continuarão cada vez mais pobres e é claro que a pobreza pode trazer consigo outras consequências", alerta.
O fenómeno da fome é estrutural, afirma o pastor Lúcio Marques, e é preciso fazer muito mais do que foi feito até aqui. "É um fenómeno que se observa em todo país, e o Kwanza Norte não é exceção. Com a Covid-19 e, consequentemente, o isolamento social, as famílias claramente ficaram cada vez mais vulneráveis", diz.