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MigraçãoLíbia

Líbia: Impasse político agrava vulnerabilidade de migrantes

Jennifer Holleis | Islam Alatrash
12 de julho de 2024

Traficantes de seres humanos, milícias, valas comuns - nada parece desencorajar migrantes de irem para Líbia. Observadores dos direitos humanos acreditam que só a pressão internacional pode alterar as condições no país.

Migrantes de África, retidos à beira-mar na fronteira entre a Líbia e a Tunísia, em Ras Jedir
Migrantes de África, retidos à beira-mar na fronteira entre a Líbia e a Tunísia, em Ras JedirFoto: MAHMUD TURKIA/AFP/Getty Images

A rusga das forças de segurança líbias surge do nada. Os agentes entram de rompante no café onde um grupo de imigrantes aguarda os seus potenciais empregadores. Alguns homens são detidos, aparentemente de forma arbitrária.

Esse episódio aconteceu na manhã desta quarta-feira (10.07). O nigeriano Michael Shira, de 19 anos, diz ter tido muita sorte. "Mas vivemos num medo constante", contou à DW na cidade costeira de Zuwara, perto da fronteira com a Tunísia. "As autoridades líbias estão a prender migrantes onde quer que os vejam", disse.

Há alguns meses, Shira está escondido na Líbia à espera de uma oportunidade de entrar num barco para chegar à Europa. "Primeiro, estive na Tunísia, mas fui perseguido pela polícia tunisina", recorda. Depois, tentou fugir para a Líbia, onde as forças fronteiriças tunisinas quase o prenderam. "Tencionavam entregar-nos às autoridades líbias e toda a gente sabe o que acontece nessa altura", disse o adolescente à DW.

Migrantes de África na fronteira entre a Líbia e a Tunísia, em Ras AjdirFoto: Hazem Ahmed/REUTERS

ONU pede investigação  

"Continuamos a assistir a violações generalizadas dos direitos humanos contra migrantes, refugiados e requerentes de asilo na Líbia", disse à DW Liz Throssell, porta-voz da ONU para os direitos humanos.

As violações incluem tráfico, tortura, trabalho forçado, extorsão, fome e condições intoleráveis de detenção, além  de expulsões em massa e tráfico de seres humanos. "São cometidas em grande escala e com impunidade, enquanto actores estatais e não estatais trabalham frequentemente em conluio", acrescentou.

Volker Türk, o alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, instou também as autoridades líbias a procederem a investigações sobre uma vala comum recentemente descoberta ao longo da fronteira entre a Líbia e a Tunísia, e sobre a vala encontrada no vale de al-Jahriya, na Líbia, em março deste ano, com pelo menos 65 corpos.

Nos últimos anos, a Líbia e a Tunísia tornaram-se os pontos de partida mais populares do Norte de África para os migrantes dos países subsarianos. No entanto, ambos os países tornaram-se também parceiros da União Europeia (UE), que procura travar o fluxo de migrantes através do Mar Mediterrâneo.

Em julho, a agência noticiosa italiana Nova News informou que a Líbia ocupava o primeiro lugar como país de partida para os migrantes em direção a Itália. Desde o início de 2024 até 5 de julho, cerca de 14.755 aspirantes a migrantes chegaram às ilhas italianas. Trata-se de uma diminuição de cerca de 47% em relação a 2023. As partidas da Tunísia diminuíram cerca de 70%, para 10.247 migrantes.

Tunísia: Migrantes africanos abandonados na fronteira Foto: Yousef Murad/AP/picture alliance

Turbulência política líbia

A diminuição do número de partidas não significa, contudo, que também cheguem menos pessoas à Líbia. No entanto, é difícil encontrar números exactos, uma vez que a Líbia vive em turbulência política há uma década.

A parte ocidental da Líbia está sob a administração do governo reconhecido pela ONU, chefiado pelo Presidente Abdul Hamid Dbeibah, em Tripoli, e a parte oriental está sob o domínio do general Khalifa Hiftar. O impasse político é ainda agravado pela agitação política e pelas milícias no poder em algumas zonas do país.

"De certa forma, as mesmas coisas que dificultam as viagens através da Líbia são também as razões pelas quais as pessoas procuram viajar através da Líbia", disse à DW Tim Eaton, investigador sénior do grupo de reflexão Chatham House, com sede em Londres, acrescentando que o número de migrantes está a aumentar "apesar de os muitos perigos de viajar através da Líbia serem bem conhecidos".

"A falta de lei e de ordem na Líbia e a capacidade das redes de contrabando poderem continuar a operar, muitas vezes em cumplicidade com as autoridades, significa que esses esquemas estão decorrem", disse à DW.

Por sua vez, Eaton não acredita que seja provável uma reviravolta na forma como a Líbia lida com os migrantes em trânsito num futuro próximo, apesar de a Líbia estar preparada para acolher o Fórum Internacional sobre Migração a 17 de julho.

Para Lauren Seibert, que se ocupa dos direitos dos refugiados e dos migrantes na ONG governamental Human Rights Watch, só a pressão internacional poderia desempenhar um papel fundamental. "A Tunísia deve suspender imediatamente todas as expulsões para as zonas fronteiriças onde a vida das pessoas está em risco", disse ela à DW, acrescentando que "a UE também deve suspender o financiamento às autoridades que realizam essas expulsões mortais".

David Yambio, defensor dos direitos humanos daquela organização não-governamental refugiados na Líbia, está convencido de que a situação dos migrantes na Líbia só irá melhorar quando a posição internacional mudar. "Nomeadamente, quando a UE deixar de conjugar a esfera política das milícias com os órgãos governamentais", afirmou.

Resgate de migrantes em pleno Mar Mediterrâneo Foto: Johanna de Tessieres/SOS Mediterranee/AP/picture alliance

Atrativo mas perigoso

Um relatório recente do Centro Misto para as Migrações, afiliado às Nações Unidas, e da fundação política alemã Friedrich-Ebert-Stiftung salientou também que a Líbia é o ponto de partida e de trânsito mais utilizado no Norte de África, e tornou-se um país de destino cada vez mais popular para os migrantes.

"As oportunidades de emprego acessíveis têm um papel significativo", afirmam os autores. No entanto, a ausência de direitos legais também aumentou a vulnerabilidade dos migrantes, acrescentam.

Nika William, uma jovem de 24 anos do Gana, nunca imaginou que a Líbia não era apenas um local onde poderia ganhar dinheiro para a viagem até à Europa. O país ficará para sempre ligado a experiências traumatizantes. "Caí nas mãos de um gangue líbio, fui violada e engravidei antes de ser encarcerada na prisão líbia de Al-Assa", contou à DW em Zuwara.

"Eles alinhavam-nos e açoitavam-nos uma a uma, todas as manhãs. Eu perdi o bebé e ainda não consigo acreditar que sobrevivi", disse Nika William.

A jovem contou à DW que o nível de medo ainda não diminuiu, apesar de ter acabado por ser libertada. "Tudo o que eu quero é um futuro seguro, mas não sei se alguma vez vou conseguir ou se hoje será o meu último dia", disse.

Michael Shira, da Nigéria, partilha esta opinião. "Tudo o que eu quero é chegar à Europa, onde acredito que posso encontrar oportunidades de vida mais estáveis", disse.

"Mas o caminho a percorrer é longo e cheio de perigos, e não sei se alguma vez o conseguirei", desabafou.

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