Momade considera "normal" que Nyusi seja notificado
Lusa
25 de maio de 2021
O líder da RENAMO, Ossufo Momade, considerou hoje "normal" que o Presidente de Moçambique seja notificado por um tribunal inglês, no âmbito de um processo relacionado com o caso das dívidas ocultas do Estado.
Publicidade
"Isto é normal em qualquer país, basta existir a separação de poderes. Isto deveria começar aqui em Moçambique, não podia começar na América ou na França", disse o líder da Resistência Nacional Moçambicana (RENAMO), numa alusão às diligências iniciadas por outras instâncias de justiça internacionais.
Ossufo Momade falava à entrada para um encontro de quadros da RENAMO em Maputo. "Por isso, nós temos uma proposta concreta: a separação de poderes. Enquanto não existir separação de poderes não vamos ter justiça em pleno" em Moçambique, referiu.
"O líder do principal partido da oposição considera a separação necessária para combater a corrupção, traçando um paralelo com outros casos. "Todo o ladrão, todo o corrupto, todo aquele que utilizou meios que não são dele, é preciso que seja ouvido. Isto é normal em qualquer país". disse.
A declaração de Ossufo Momade surge dois dias depois de o Presidente moçambicano e da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), Filipe Nyusi, ter defendido um "combate sem tréguas" contra a corrupção, no discurso de encerramento de uma reunião do Comité Central do partido.
"O problema é do sistema"
Hoje, o líder da Renamo colocou em causa a intervenção de Nyusi e apresentou-se como alternativa ao "sistema" vigente.
Momade fez um apelo para que todos "fiquem com os olhos abertos: nenhum corrupto, nenhum ladrão pode combater outro ladrão. A solução da corrupção é com a Renamo e Ossufo Momade".
FMI recomenda:"Não escondam as dívidas como Moçambique"
01:28
"Não é que não existam técnicos na FRELIMO. O problema é do sistema. Podem vir da América, França ou Inglaterra", mas qualquer pessoa, "quando chega aqui a Moçambique e se mete naquele grupo, fica estragado, sem juízo e sem moral", concluiu.
Publicidade
Presidente notificado
O grupo naval Privinvest foi autorizado na sexta-feira por um tribunal britânico a notificar o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, como uma das partes que interessará ouvir no âmbito do processo das dívidas ocultas a decorrer em Londres.
A Procuradoria-Geral de Moçambique desencadeou o processo na justiça britânica em 2019 para tentar anular a dívida de 622 milhões de dólares (507 milhões de euros) da empresa estatal ProIndicus ao Credit Suisse e pedir uma indemnização que cubra todas as perdas resultantes do escândalo.
Em causa, estão 2,2 mil milhões de dólares (1,8 mil milhões de euros) de crédito obtido entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimento Credit Suisse e VTB em nome das empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Moçambique alega que o então ministro das Finanças, Manuel Chang, não tinha autoridade para assinar as garantias soberanas que suportaram a dívida, considerando-as inconstitucionais e ilegais porque o parlamento de Moçambique não aprovou os empréstimos.
A Privinvest justifica que Filipe Nyusi era na altura ministro da Defesa e já indicou também o então Presidente, Armando Guebuza, como outra parte a notificar para ouvir em tribunal.
"Houve uma série de diferentes tipos de acordos e pagamentos, os quais, tanto é do conhecimento dos meus clientes, eram acordos e pagamentos legítimos. Entre aqueles a quem ou por conta de quem foram feitos pagamentos está o Presidente da República, o Presidente Nyusi, que era o ministro da Defesa", disse o advogado que representa a Privinvest, Duncan Matthews.
Moçambique: O abecedário das dívidas ocultas
A auditoria independente de 2017 às dívidas ocultas não revela nomes. As letras do abecedário foram usadas para os substituir. Mas pelas funções chega-se aos possíveis nomes. Apresentamos parte deles e as suas ações.
Foto: Fotolia/Africa Studio
Indivíduo "A"
Supõe-se que Carlos Rosário seja o indivíduo "A" do relatório da Kroll. Na altura um alto quadro da secreta moçambicana que se teria recusado a fornecer as informações solicitadas pelos auditores da Kroll alegando que eram "confidenciais" e não estavam disponíveis. Rosário foi detido em meados de fevereiro no âmbito das dívidas ocultas. Há inconsistências nas informações fornecidas pelo indivíduo.
Foto: L. Meneses
Indivíduo "B"
Andrew Pearse é ex-diretor do banco Credit Suisse, um dos dois bancos que concedeu os empréstimos. No relatório da Kroll é apontado como um dos envolvidos nos contratos de empréstimos originais entre a ProIndicus e o Credit Suisse. De acordo com a justiça dos EUA, terá recebido, juntamente com outros dois ex-colegas, mais de 50 milhões de dólares em subornos e comissões irregulares.
Foto: dw
Indivíduo "C"
Manuel Chang, ex-ministro das Finanças, assinou as garantias de empréstimo em nome do Governo moçambicano. Admitiu à auditoria que violou conscientemente as leis do orçamento ao aprovar as garantias para as empresas moçambicanas. Alega que funcionários do SISE convenceram-no a fazê-lo, alegando razões de segurança nacional. Hoje é acusado pela justiça dos EUA de ter cometido crimes financeiros.
Foto: Getty Images/AFP/W. de Wet
Indivíduo "D"
Maria Isaltina de Sales Lucas, na altura diretora nacional do Tesouro, terá coadjuvado o ministro das Finanças Manuel Chang, ou indivíduo "C", na arquitetura das dívidas ocultas. No Governo de Filipe Nyusi foi vice-ministra da Economia e Finanças, mas exonerada em fevereiro de 2019. Segundo o relatório, terá recebido 95 mil dólares pelo seu papel entre agosto de 2013 e julho de 2014 pela Ematum.
Foto: P. Manjate
Indivíduo "E"
Gregório Leão foi o número um do SISE, os Serviços de Informação e Segurança do Estado. O seu nome é apontado no relatório da Kroll e foi detido em fevereiro passado em conexão com o caso das dívidas ocultas.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "F"
Acredita-se que Lagos Lidimo, diretor do SISE, Serviços de Informação e Segurança do Estado, desde janeiro de 2017, seja o indivíduo "F". Substituiu Gregório Leão, o indivíduo "E". Na altura disse que não tinha recebido "qualquer registo relacionado as empresas de Moçambique desde que assumiu o cargo." A ONG CIP acredita que assumiu essa posição para proteger Filipe Nyusi, hoje chefe de Estado.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "K"
Salvador Ntumuke é ministro da Defesa desde de 2015. Diz que não recebeu qualquer registo relacionado com as empresas moçambicanas desde que assumiu o cargo. O relatório da Kroll diz que informações fornecidas pelo Ministério da Defesa, Ematum e a fornecedores de material militar não coincidem. Em jogo estariam 500 milhões de dólares. O ministro garante que não recebeu dinheiro nem equipamento.
Foto: Ferhat Momad
Indivíduo "L"
Víctor Bernardo foi vice-ministro da Planificação e Desenvolvimento no Governo de Armando Guebuza. E na qualidade de presidente do conselho de administração da ProIndicus, terá assinado os termos e condições financeiras para a contratação do primeiro empréstimo da ProIndicus ao banco Credit Suisse, juntamente com Maria Isaltina de Sales Lucas.
Foto: Ferhat Momade
Indivíduo "R"
Alberto Ricardo Mondlane, ex-ministro do Interior, terá assinado em nome do Estado o contrato de concessão da ProIndicus, juntamente com Nyusi, Chang e Rosário. Um email citado pela justiça dos EUA deixa a entender que titulares de alguns ministérios moçambicanos envolvidos no caso, entre eles o do Interior, iriam querer a sua "fatia de bolo" enquanto estivessem no Governo.
Foto: DW/B . Jaquete
Indivíduo "Q"
Filipe Nyusi, na altura ministro da Defesa, seria identificado como indivíduo "Q" no relatório. Uma carta publicada em 2019 pela imprensa moçambicana revela que Nyusi terá instruído os responsáveis da Ematum, MAM e ProIndicus a fazerem o empréstimo. Afinal, parte dessas empresas estavam sob tutela do seu ministério. Hoje Presidente da República, Nyusi nunca esclareceu a sua participação no caso.
Foto: picture-alliance/Anadolu Agency/M. Yalcin
Indivíduo "U"
Supõe-se que Ernesto Gove, ex-governador do Banco de Moçambique, seja o indivíduo "U". Terá sido uma das entidades que autorizou a contração dos empréstimos. E neste contexto, em abril de 2019 foi constituído arguido no processo judicial sobre as dívidas ocultas. Entretanto, em 2016 Gove terá dito que não tinha conhecimento do caso das dívidas. (galeria em atualização)