O Executivo moçambicano quer usar as 23 línguas nacionais, juntamente com o português e a língua gestual, para melhorar o ensino. Académico considera que Moçambique se deve "libertar" da língua portuguesa.
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A maior parte das crianças moçambicanas nas zonas rurais só começa a aprender a língua portuguesa nas escolas, algo que contribui para o insucesso escolar. Já o ensino com recurso a línguas nacionais está a ser um sucesso, porque os alunos participam ativamente nas aulas e ficam mais motivados.
Por isso, o Governo moçambicano, académicos e especialistas em educação defendem a introdução das línguas nacionais no ensino oficial.
"Precisamos, urgentemente, de nos libertarmos [da língua portuguesa]. Não estou aqui a advogar que troquemos de 'chip', estou a advogar que adquiramos outro 'chip' para sermos mais fortes e mais capazes do que os que só têm um 'chip', afirma o académico e investigador Armindo Ngunga.
Línguas nacionais são receita de sucesso em Moçambique
Contra o insucesso
As línguas nacionais e o português estão a ser lecionados desde 1993 nas zonas rurais das províncias de Gaza, no sul, e Tete, no centro. E os resultados estão a ser positivos.
A ideia agora é duplicar o número de alunos neste processo, porque segundo a ministra da Educação e Desenvolvimento Humano, Conceita Sortane, "não deve ser difícil" concluir "que o insucesso escolar para 89,2% de moçambicanos que entram na primeira classe já está pré-determinado" se se continuar a "excluir a sua língua materna na sala de aula."
O Governo quer que as 23 línguas nacionais, juntamente com o português e a língua gestual, sejam utilizadas para melhorar a qualidade do ensino no país.
Segundo a ministra Conceita Sortane, falta agora formar os professores. "Os nossos institutos de formação de professores têm estado a garantir a capacitação de professores que podem falar ou dar a sua aula em língua local", diz.
Um jardim infantil ambicioso
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Deputados "não têm culpa de estarem a dormir"
O professor e investigador Feliciano Chimbutane avalia de forma positiva o uso de línguas maternas, pois o aluno fica mais à vontade na sala de aula. Além disso, descartar as línguas locais traz repercussões negativas, como acontece em debates de alto nível no Parlamento, frisa o académico.
"Muitos daqueles deputados que dormem não têm culpa de estarem a dormir - é porque a língua não é aquela que devia ser usada para a sua contribuição", afirma. "É interessante que, por exemplo, é o macua [língua falada em Nampula] que nós procuramos usar para mobilizar aquele indivíduo para dar o voto, mas a partir da altura que temos o voto é o português que domina o macua."
Outro professor, Armindo Ngunga, confirma que nas zonas rurais onde o bilinguismo está a ser implementado tem havido melhorias na assimilação da matéria. Por isso, diz que é urgente resgatar a identidade dos moçambicanos.
"Vamos devolver a nossa cultura ao povo, vamos levar as nossas línguas à sala de aula, para que elas, como veículo de cultura e conhecimento, possam ser instrumentos de aquisição de todos os conhecimentos necessários ao desenvolvimento que queremos construir."
O ensino em línguas maternas está paulatinamente a ser implementado nas zonas rurais das províncias de Nampula, no norte, e da Zambézia, no centro de Moçambique.
O projeto educacional da FRELIMO no exílio
Em 1962, ano de fundação da Frente de Libertação de Moçambique em Dar Es Salaam, no exílio na Tanzânia, surgiu a escola da FRELIMO em Bagamoyo. A partir da escola a FRELIMO planeou a independência de Moçambique.
Foto: Gerald Henzinger
Lembranças dos tempos coloniais alemães
De 1888 a 1891, Bagamoyo foi capital da colónia África Oriental Alemã, atual Tanzânia. Ainda hoje, os edifícios coloniais – como o da foto – lembram aquela época. Em 1916, a colónia alemã tornou-se britânica e, em 1961, conquistou a independência como Tanganica. Pouco depois, começaram as primeiras ambições independentistas no vizinho Moçambique, então colónia portuguesa.
Foto: Gerald Henzinger
A casa do primeiro presidente
O primeiro presidente de Moçambique após a independência, Samora Machel, morou nesta casa. Tanganica apoiava o movimento moçambicano pela independência. Em 1962, ano de fundação da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO, hoje no poder) em Dar Es Salaam, na Tanzânia, surgiu a escola do movimento em Bagamoyo. As instalações ficam a cerca de 5 km a sul de Bagamoyo.
Foto: Gerald Henzinger
Educação para uma nova sociedade
A partir de Bagamoyo, a FRELIMO planeou a independência de Moçambique, ex-colónia portuguesa. Um dos pilares da nova sociedade moçambicana deveria ser a educação. Na altura da independência, em 1975, grande parte da população moçambicana não sabia nem ler, nem escrever. Cinco anos depois, em 1980, a ONU ainda contava 73% de analfabetos. Em 2009, a taxa caiu para 45%.
Foto: Gerald Henzinger
Ajuda da Tanzânia
Placas apontam para a história do edifício da escola da FRELIMO – esta diz que o prédio da foto era um dormitório para combatentes pela libertação moçambicana. Durante as lutas pela independência de Portugal, a FRELIMO obteve ajuda da Tanzânia, já independente, e pôde estabelecer bases neste país vizinho, a norte de Moçambique.
Foto: Gerald Henzinger
Celeiro de dirigentes
Importantes personalidades atuavam no projeto educacional da FRELIMO no exílio, como nesta sala de aulas, em Bagamoyo. Um exemplo destas personalidades é a ex-vice-diretora da escola da FRELIMO no local, Graça Machel, viúva de Samora Machel. Posteriormente, ela tornou-se ministra da Educação de Moçambique e ficou conhecida como a atual esposa do antigo presidente sul-africano, Nelson Mandela.
Foto: Gerald Henzinger
Sobras dos potenciais intelectuais
Esta casa de lata costumava ser uma sala de estudos. Mais tarde, uma biblioteca. Agora, as instalações estão vazias. Muitos dos antigos alunos da escola da FRELIMO em Bagamoyo acabaram por ocupar cargos importantes em Moçambique, como em ministérios. Atualmente, muitos também trabalham nas universidades do país.
Foto: Gerald Henzinger
A Kaole High School
Depois da independência de Moçambique, os combatentes da FRELIMO saíram de Bagamoyo. Entre 1975 e 2011, a "Kaole High School" (escola secundária Kaole) passou a funcionar no local. Para que os alunos pudessem encurtar o caminho até a sala de aula, as autoridades educacionais tanzanianas construíram uma escola no centro de Bagamoyo. Na foto, um antigo dormitório.
Foto: Gerald Henzinger
Decadência
Poucos meses depois do fechamento da "Kaole High School", as condições dos edifícios era catastrófica. Os bancos de madeira estão sujos, cabras defecam nas antigas salas de aula, janelas e portas estão demolidas.
Foto: Gerald Henzinger
Descaso das autoridades?
As autoridades escolares da Tanzânia praticamente desistiram dos edifícios da antiga escola da FRELIMO. O governo moçambicano também não agiu para preservar a área – um dos pilares da história do país.